O sangue solar e o divisionismo evangélico

Autor: Claudionor Silva Bezerra
Muitos séculos atrás surge uma civilização fascinante, para não dizer, magnífica. Personificada nas Escrituras como o habitat da vida alienada de Deus,  o Egito floresce como uma sociedade que encanta pelos seus mistérios e pela complexidade da sua cultura.
Na tentativa de reconstruir a vida e o pensamento dos egípcios os estudiosos deparam-se com aquilo que permeia e unifica essa civilização: a religião. Para não se estender basta dizer que “as idéias religiosas do povo egípcio faziam parte inte-grante da própria vida, e não podiam, de forma alguma, deixar de a orientar de maneira absoluta.”
Nesse arcabouço religioso encontramos a curiosa doutrina do sangue solar. Segundo as idéias egípcias, o Faraó, monarca absoluto, era um deus vivo. Este descendia do deus Rá (o Sol), ele representava a encarnação dos seus antepassados divinos, ao qual se devia a adoração que se presta aos deuses. O faraó, cercado de prestígio dos deuses, era um ente sobrenatural, perante o qual os súditos só podiam aproximar-se com o rosto na poeira <cheirando a terra>. 
Em volta dessa figura emblemática estavam os míseros ‘humanos’: camponeses, servos, porteiros, escribas, sábios etc. Urge, portanto, a indagação a respeito da razão dessa tão drástica divisão entre os faraós e os demais homens. E a resposta não é outra senão o sangue solar.
Era o sangue solar que distanciava o faraó dos demais homens. Segundo eles, na veia do faraó corria o mesmo sangue do deus Rá (o Sol). Razão porque os filhos e as filhas do faraó casavam entre si, para evitar que o sangue solar fosse corrompido por alianças estranhas.
Ao nos depararmos com a forte tendência no evangelicalismo atual para a fragmentação e os ícones religiosos que surgem como verdadeiros faraós fica-nos a inquieta preocupação: “Será que nas veias dos diversos grupos evangélicos correm sangues diferentes?” Como afirma John Stott, o termo evangélico sozinho já não basta, hoje se faz necessário acrescentar uma qualificação específica: “A escolha é bastante ampla: conservador, liberal, radical, progressista, aberto, bitolado, reformado, pentecostal, carismático etc.”
Ora, cada grupo, com sua distinta qualificação exige que o outro ao aproximar-se o faça como que com o rosto em terra <cheirando poeira>. Talvez seja o mistério do sangue que leva muitos grupos evangélicos a preservarem seus filhos e filhas de outros evangélicos, talvez para evitar que o sangue “solar” seja corrompido por “alianças estranhas”.
Esquecemos que, paradoxalmente, o que nos une é de fato o sangue: “Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo” (Ef.2.13).  E ainda: “… porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação”. (Ap.5.8). Além do que a nossa real identidade não aparecerá nos distintivos, mas naquilo que nos faz ser quem somos: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo.13.35).
Nenhuma unidade pode ser desejada a custa da verdade. Contudo, precisamos refletir sobre o divisionismo desenfreado que nos faz mais semelhantes à antiga civilização egípcia do que com a sociedade dos salvos pelo sangue de Cristo.
Que o exemplo daquele que teve oportunidade de se gloriar por possuir o sangue solar, mas que preferiu descer as camadas inferiores e ser chamado povo de Deus, alente-nos nesse apelo à unidade: “Pela fé, Moisés, quando já homem, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus…” (Hb.11.25,25). 

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