Autor: Renata Gomes
Organizar as palavras em frases é sem dúvida o primeiro passo para construir os discursos. Podemos então definir isto pelo propósito principal da frase que é o da comunicação, isto é, pelo seu poder de numa conversa, numa dissertação, enfim, em alguma forma de comunicação lingüística, Ter a capacidade de transmitir o conteúdo desejado para a situação em que é utilizada. Quando falamos, a frase apresenta uma entoação que indica com clareza o seu início e o seu fim ; na escrita, esses limites são normalmente indicados pelas letras iniciais maiúsculas e pelo uso do ponto final, de exclamação, interrogação ou de reticências. O conceito de frase é, portanto, bastante abrangente, incluindo desde estruturas lingüísticas muito simples, como: Olá!, que em determinada situação é basicamente capaz de transmitir o que se deseja dizer ao outro de forma simples e clara, até estruturas mais complexas como:
“Pai nosso que estás no céus,
Santificado seja o teu nome,
Venha o teu reino,
Faça-se a sua vontade, assim na terra como no céu…”
O pensamento e a expressão são dependentes entre si, tanto é certo que as palavras se apresentam como o corpo das idéias e que, sem elas, é praticamente impossível pensar. Como pensar que “amanhã tenho uma aula às 08:00 horas”, se não monto em minha mente essa situação concreta do meu viver através dessas ou de outras palavras de mesmo valor? Não se pensa in vacuo, a própria clareza de nossas idéias, se é que as possuímos sem palavras, está intimamente relacionada com a clareza e a precisão das expressões que as traduzem. As palavras são parte dinâmica do mundo de símbolos que nos cerca e muito importantes para o pensamento e para a própria cultura. Não se diz portanto, nenhuma novidade ao afirmar que as palavras, ao mesmo tempo que veiculam o pensamento, lhe condicionam a formação.
Um povo não pode ter uma idéia sem que para ela possua uma palavra. A análise do discurso é a análise do uso que as pessoas fazem de sua língua, por isso não podemos nos restringir simplesmente à descrição das formas lingüísticas sem levar em consideração os propósitos ou funções das formas nas relações humanas.
A fala exige mais do que a escrita em termos de processamento de produção. Enquanto falamos, vamos ao mesmo tempo verificando se nos fizemos entender por nosso ouvinte o que pretendíamos dizer-lhe, planejando o enunciado seguinte, controlando não só a nossa performance, mas também sua recepção em quem nos ouve. O escritor pode reler o que escreveu, fazer pausas entre uma palavra e outra, sem medo de que o interlocutor o interrompa, escolher palavras, consultar o dicionário, trocar a ordem do que disse. Enquanto que o falante pode observar seu interlocutor e modificar o que está falando para ser mais acessível ou aceitável. O escritor não tem esse retorno. O falante expõe suas emoções e sentimentos, necessita falar claro e de forma concisa procurando dar resposta a qualquer reação do interlocutor.
A comunicação, a fala com a divindade está entre as mais antigas práticas da humanidade de que se tem conhecimento. E isto era realizado mediante a oração.
A oração é uma expressão que se serve do discurso para estabelecer contato com o divino. Trata-se de discurso, pois é feita através de palavras, enfim da ação da boca. Analisemos primeiramente a palavra oração: os, oris (boca) + actio, actionis (ação, atividade). Podemos desta forma entender que oração é a ação da boca.
O dicionário Aurélio nos dá a seguinte definição de oração:
•súplica religiosa;
•discurso, fala;
•sermão, prédica.
As Escrituras Sagradas podem não ter usado palavras como “comunicar” e “comunicação” para falar de oração, mas a idéia de que oração seja o ato de comunicar-se com a divindade está implícito em todo o texto bíblico. A oração nos dá a idéia de alguma forma de comunicação, seja ela unilateral ou recíproca.
Devemos entender que a oração é uma transmissão de informações, íntimas ou de caráter geral da humanidade para a divindade. Dentro desta concepção ela é praticamente um monólogo, cuja iniciativa é nitidamente humana. Leiamos, por exemplo, o trecho de I Samuel 1. 11, a oração de Ana ao Senhor:
“E fez um voto, dizendo: Senhor dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e lhe deres um filho varão, ao Senhor o darei por todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha.”
Por um outro lado é preciso encarar que a oração também pode ser vista como uma troca de idéias e figurinhas entre Deus e seu povo escolhido. Não devemos nos importar com relação a questão de quem começa esse intercâmbio, se é o homem ou a divindade quem busca tal unidade mediante o discurso, mas sim que entre o homem e seu Deus existe reciprocidade através do diálogo. Pode-se notar que eles conversam e não que simplesmente apenas um dos seres fala transformando a oração num monólogo cansativo e pouco proveitoso para o relacionamento de ambos. Vejamos o conteúdo de Gênesis 18.22-33:
“Então, partiram dali aqueles homens e foram para Sodoma; porém Abraão permaneceu ainda na presença do Senhor.
E, aproximando-se a ele, disse: Destruirás o justo com o ímpio?
Se houver, porventura, cinqüenta justos na cidade, destruirás ainda assim e não pouparás o lugar por amor dos cinqüenta justos que nela se encontram?
Longe de ti o fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio; longe de ti. Não fará justiça o juiz de toda a terra?
Então, disse o Senhor: Se eu achar em Sodoma cinqüenta justos dentro da cidade, pouparei a cidade toda por amor deles.
Disse mais Abraão: Eis que me atrevo a falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza.
Na hipótese de faltarem cinco para cinqüenta justos, destruirás por isso toda a cidade? Ele respondeu: Não a destruirei se eu achar ali quarenta e cinco.
Disse-lhe ainda mais Abraão: E se, porventura, houver ali quarenta? Respondeu: Não o farei por amor dos quarenta.
Insistiu: Não se ire o Senhor, falarei ainda: Se houver, porventura, ali trinta? Respondeu o Senhor: Não o farei se eu encontrar ali trinta.
Continuou Abraão: Eis que me atrevi a falar ao Senhor: Se, porventura, houver ali vinte? Respondeu o Senhor: Não a destruirei por amor dos vinte.
Disse ainda Abraão: Não se ire o Senhor, se lhe falo somente mais esta vez: Se, porventura, houver ali dez? respondeu o Senhor: Não a destruirei por amor dos dez.
Tendo cessado de falar a Abraão, retirou-se o Senhor; e Abraão voltou para o seu lugar.”
Outra possibilidade da oração acontecer é quando ela resulta da iniciativa divina. É o próprio Deus quem busca manter o contato com o homem via a oração, sendo esta a mais antiga forma de comunicação que vemos registrada na Palavra de Deus. É o próprio Criador quem primeiro busca estabelecer contato sua criatura , a coroa da criação. Partiu de Deus a busca de diálogo com o homem. Vemos a descrição deste tipo de oração no livro de I Samuel 3.1-14. Deus, quem toma a iniciativa de vir ao encontro do homem através da oração.
“E o jovem Samuel servia ao Senhor, perante Eli. Naqueles dias , a palavra do Senhor era mui rara; as visões não eram freqüentes.
Certo dia, estando deitado no lugar costumado o sacerdote Eli, cujos olhos já começavam a escurecer-se, a ponto de não poder ver,
E tendo-se deitado também Samuel, no templo do Senhor, em que estava a arca, antes que a lâmpada de Deus se apagasse,
O Senhor chamou o menino: Samuel, Samuel! Este respondeu: Eis-me aqui!
Correu a Eli e disse: Eis-me aqui, pois tu me chamaste. Mas ele disse: Não te chamei; torna a deitar-te. Ele se foi e se deitou.
Tornou o Senhor a chamar: Samuel! Este se levantou, foi a Eli e disse: Eis-me aqui, pois tu me chamaste. Mas ele disse: Não te chamei, meu filho, volta a deitar-te.
Porém Samuel ainda não conhecia o Senhor, e ainda não lhe tinha sido manifestada a palavra do Senhor.
O Senhor, pois tornou a chamar a Samuel, terceira vez, e ele se levantou, e foi a Eli, e disse: Eis-me aqui, pois tu me chamaste. Então entendeu Eli que era o Senhor quem chamava o jovem.
Por isso, Eli disse a Samuel: Vai deitar-te; se alguém te chamar, dirás: Fala, Senhor, porque o teu servo ouve. E foi Samuel para o seu lugar e se deitou.
Então, veio o Senhor, e ali esteve, e chamou como das outras vezes: Samuel, Samuel! Este respondeu: Fala, porque o teu servo ouve.
Disse o senhor a Samuel: Eis que eu vou fazer uma coisa em Israel, a qual todo o que a ouvir lhe tinirão ambos os ouvidos.
Naquele dia, suscitarei contra Eli tudo quanto tenho falado com respeito à sua casa; começarei e o cumprirei.
Porque já lhe disse que julgarei a sua casa para sempre, pela iniqüidade que ele bem conhecia, porque seus filhos se fizeram execráveis, e ele os não repreendeu.
Portanto, jurei à casa de Eli que nunca lhe será expiada a iniqüidade, nem com sacrifício, nem com oferta de manjares.”
A oração, conforme já se observou, está entre as mais antigas práticas da humanidade. De todas as criaturas de Deus somente as pessoas oram, a oração é estritamente pessoal. Ela não é a primeira atitude que um homem toma. Antes dela , existe um choque existencial. Somente assim a oração vem a tona, como conseqüência, súplica, ação de graças ou de adoração .
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