O avarento

Autor: Malba Tahan

O cádi Ahmed Hassã, justo e enérgico, ao ouvir, certa vez, comentar a avareza sem-par de Moawid, abastado mercador em Muazzã, bairro de Bagdá mandou chamá-lo e com o fim de obrigá-lo a praticar esmola – conforme determina o Alcorão – disse-lhe:

– No bairro em que resides, meu amigo, mora, também um velho artesão que, embora trabalhe de manhã à noite, vive na maior pobreza com oito filhos menores. Ficarás encarregado de hoje em diante, de proteger essa infeliz família. Todas as semanas deverás levar um auxílio, uma esmola qualquer ao artesão.

– Assim farei, senhor! – respondeu Morrid – Não pouparei sacrifícios para melhorar a situação do meu infeliz protegido…

Passado três dias, soube o cádi – que o avarento havia levado ao artesão um pedaço de carneiro. A carne estava, porém, em tal estado de podridão que deixava desprender um mau cheiro horrível.

– Miserável! – reclamou o cádi, revoltado com o proceder do avarento. – Comprou, por preço vil, um pedaço de carne deteriorada que nem mesmo um chacal seria capaz de comer! Vou castigar esse homem! E o enérgico Ahmed mandou que o trouxessem à sua presença e disse-lhe:

– Acabo de ser informado da tua indignidade, ó mulçumano sem coração! Para cumprires com a ordem que te dei, deste ao pobre artesão um pedaço de carne estragada, intragável! E para que aprendas a ser generoso, vais sofrer um castigo que tu mesmo irás escolher: ou pagas uma multa de cem moedas de ouro, ou apanhas cem chibatadas, ou, então, comes toda a carne repelente com que insultastes a pobreza do artesão ! Vamos! escolhe um desses três castigos!

O velho avarento, ao ouvir a terrível ameaça do cádi, pensou:

– Pagar a multa? Não pago! Apanhar cem chibatadas é doloroso! O melhor que tenho a fazer, afinal, é comer a carne. E depois de assim meditar, dirigiu-se ao governo da cidade e disse:

– Senhor! Já escolhi. Estou pronto a comer a carne!

Mandou o governador que trouxessem um prato com o pedaço da vianda repulsiva com que tinha presenteado o artesão.

O avarento encheu-se de ânimo e começou a comer. A carne estava tão estragada que seu estômago começou a ter ânsias e começou a vomitar.

– Piedade, o cádi! Eu não posso comer esta carne!

– Está bem! – respondeu o cádi, escolhe então: a multa ou a cem chibatadas?

As chibatadas, senhor!

Por ordem do cádi surgiu-lhe pela frente um escravo negro, armado de açoite. O avarento foi amarrado e começou a receber as chibatadas. No oitavo golpe o mercador sentiu que morreria se continuasse a apanhar. .

– Piedade! Piedade! – exclamou desesperado. – Eu pago a multa!

Ordenou o cádi que o soltassem e ele, ali mesmo, efetuou o pagamento da multa, tirando o dinheiro de uma bolsa.

Disse então, o governador: – Esse dinheiro vai ser distribuído em esmola pelos habitantes pobres do bairro. E dirigindo-se ao avarento:

– E tu, meu avarento, foste por causa da tua extrema avareza três vezes castigado. Primeiro, comeste a carne podre, depois apanhaste e finalmente, pagaste a multa. E isto acontece sempre aos homens impiedosos.

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