Autor: Daniel Rocha
Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais…
Leu o poema acima de Clarice Lispector? Compreendeu sua mensagem? Agora, leia-o novamente começando da última linha e indo para cima. Viu como o sentido é inteiramente oposto? Viu que com as mesmas palavras é possível trazer uma mensagem com um novo significado?
Fiquei pensando que Deus, às vezes, permite que algumas coisas aconteçam em nossa vida, e ao fazermos uma leitura linear e direta dos acontecimentos, imaginamos erroneamente que Deus não nos ama ou se esqueceu de nós.
O problema é que só sabemos analisar a história de nossa vida como uma sucessão de acontecimentos, onde classificamos esses acontecimentos em “bons” ou “maus” através de uma visão bastante reducionista.
Um dos grandes motivos de preocupação e pesar em nosso coração é que somos incapazes de nos abstrair dos problemas e analisá-los como fez o profeta Habacuque:
“Por-me-ei na minha torre de vigia, colocar-me-ei sobre a fortaleza e vigiarei para ver o que Deus me dirá e que resposta eu terei à minha queixa” (Habacuque 2.1)
A ação do profeta foi justamente posicionar-se de uma forma diferente, foi retirar-se do problema para avaliar melhor, para aguardar a ação divina, e ser capaz de entender a resposta que Deus daria a seus problemas. Como somos imediatistas, olhamos tão somente o que acabou de acontecer e tiramos daí conclusões apressadas e “fatalistas” do tipo: “acabou-se tudo”, “não há mais jeito”, e resignadamente dizemos que “é a vontade de Deus que seja assim” (o engraçado é que basta um acontecimento negativo para que a tal “vontade divina” já seja decretada).
Se José do Egito “lesse” os acontecimentos de sua vida, como costumamos fazer, e adotasse a nossa visão “fatalista”, certamente ele não teria sobrevivido ao desprezo de seus próprios irmãos, à prisão, e nem à uma existência de exilado numa terra estrangeira.
Mas José não lia os fatos de sua vida dessa forma linear que fazemos. Ele, sabedor que Deus está no controle e tem o mundo em Suas mãos, aprendeu a esperar no significado total e final dos fatos que lhe ocorreram. Ele não ficou preso a eventos parciais para daí tirar suas conclusões. Mesmo sem compreender o porquê desses fatos, ele confiou sua vida nas mãos Daquele que nos ama incondicionalmente. José aprendeu a esperar no Senhor. Por isso, ele chamou ao seu segundo filho Efraim, que significa: “Deus me fez próspero na terra da minha aflição” (Gn 41.52).
Aleluia! Quantos de nós somos capazes de perceber isso – que é justamente nas aflições que Deus se mostra consolador, que é na fornalha que aprendemos a valorizar as pequenas coisas, e que somente os que com lágrimas semeiam com júbilo ceifarão?
José, ao encontrar seus irmãos, necessitados de alimento, e ele, na corte do faraó, disse-lhes: “vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem…” (Gn 50.20).
É isso! Só Deus tem o poder de transformar o mal que nos ocorre, em bem. Não sabemos como, nem de que forma Ele o fará, mas o fará.
Na verdade, precisamos aprender a ler os fatos da nossa história através de uma perspectiva diferente. E nessa nova perspectiva sentiremos em nossas mente e coração o grande amor que Deus tem por nós.
Vamos, pois, aprender a ler com outros olhos a história que Deus está escrevendo em nossa vida. Nem sempre o que parece ruim é “ruim”, nem tudo que é mal é de fato “mal”. Faz parte de nossa maturidade espiritual saber ler da forma certa o que Deus está escrevendo em nossa existência. Foi assim com José do Egito, foi assim com Jó, foi assim com Paulo, e eu espero que seja assim com você.
É pastor da Igreja Metodista em Itaberaba, e psicólogo dadaro@uol.com.br
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