Mulher, grande é a tua fé

Autor: Pedro Brito

Depois de Jesus ter andado a espalhar pela Galileia junto dos seus
a chegada do Reino dos Céus (segundo Mateus, desde o início do seu ministério, do Evangelho, até aqui, cerca de 10 capítulos), ele decide-se a ir para terra estrangeira, para a região de Tiro e Sidon que fica ao norte da Galileia, no actual Líbano, uma terra estrangeira de estrangeiros onde a maior parte das pessoas eram não-judias, ao contrário da Galileia onde quase todos eram judeus. Uma delas era esta mulher que foi ter com Jesus. Esta mulher, sem nome, o evangelista Marcos chama-a de Síro-Fenícia, Mateus diz que ela é cananeia. Os dois títulos têm o mesmo significado: é uma mulher estrangeira.
Esta mulher estrangeira, certamente que já tinha ouvido falar de Jesus (a sua fama correu mais depressa, foi à frente, o evangelho chega sempre antes do evangelizador) e interpela-o três vezes chamando-o três vezes de Senhor (que no N.T. usa-se para se chamar Deus ou o próprio Jesus) e só à terceira vez é que Jesus lhe concede o que ela queria.
De facto, não deixa de parecer estranho o facto de Jesus, depois de ter somente anunciado a boa-nova da chegada do Reino aos da sua religião, da sua terra, ele próprio tivesse tomado a iniciativa de ir para o estrangeiro e no entanto, tivesse aparentemente ignorado precisamente uma mulher estrangeira que lhe procura e que ainda por cima reconhece-o como sendo o Senhor.
Terá Jesus tomado a iniciativa de ir ao estrangeiro, aquela região de Tiro e Sídon, somente para levar a Boa-nova da chegada do Reino aos poucos judeus que habitavam lá?
Olhemos para esta mulher que se aproxima de Jesus procurando ajuda, não para si, mas para a sua filha. No Evangelho que lemos, Mateus apresenta-a como alguém que é reduzida a muito pouco ou quase nada:

1) Esta mulher era estrangeira, ou seja, não-judia, não era de religião judaica, portanto, segundo os judeus daquele tempo, não pertencente ao povo israelita eleito por Deus, fora da Aliança com Ele. Os estrangeiros eram preteridos, os últimos em quem Deus pensava no seu plano de salvação, a qual, esperada por muitos judeus através de um Messias, viria para o povo eleito.
2) Esta mulher é praticamente chamada por Jesus de cadela. Os cães naquele tampo eram animais muito mal vistos, selvagens, comiam do lixo, seres desprezíveis, raramente era animal doméstico e quando o era não era tratado como o são agora com tanto carinho e dedicação.
3) Esta mulher era mulher. Considerada naqueles tempos como a serva do marido, a que lhe obedece e lhe é submissa. A quem lhe estava reservada uma parte muito modesta nos cultos religiosos.
No entanto, ela aceitou isto tudo, e chamou três vezes pelo seu Senhor:
Sendo estrangeira gritou: Senhor!
Aceitando ser cadela suplicou: Senhor!
Sendo Mulher disse: Senhor!
E Jesus finalmente respondeu e disse: “Ó mulher, grande é a tua fé”

Irmãos e irmãs, nós que somos cristãos, que vimos à igreja porque temos fé em Jesus Cristo não nos esquecemos muitas vezes daqueles que para nós são os estrangeiros, as mulheres e os cães do nosso tempo? Não estaremos tão convencidos da nossa fé, de sermos cristãos, de termos Cristo connosco que automaticamente, sem pensarmos nisso, excluímos os outros que não pertencem ao nosso grupo, à nossa religião, ao nosso país, à nossa igreja?
Ora, o que o evangelho hoje nos diz é que existia neste ser humano quase insignificante, nesta mulher, uma grande fé.
Por vezes, estamos tão agarrados ao nosso Senhor juntamente com o nosso grupo que nos esquecemos que existem neste mundo, fora de nós, seres aparentemente insignificantes aos nossos olhos vistos pelos olhos da nossa fé, que são significativos para Deus. Esquecemo-nos que Deus anda também nos corações e na vida daqueles outros que são os estrangeiros para nós, que são as mulheres para nós, que são os cães para nós. Os que nós marginalizamos, os que pomos à margem, os que deixamos fora de nós, os que nós achamos que não interessam.
Jesus veio, isto é claro no texto do evangelho desta manhã, incluir toda a gente no seu Reino, Judeus e não judeus como nos diz o apóstolo Paulo na sua carta, não excluindo ninguém, nem o estrangeiro, como diz o profeta Isaías, não deixando ninguém de fora. Veio trazer todos para o seu colo, veio tocar a todos com a sua mão. Veio salvar a todos, mesmo aqueles que aparentemente aos nossos olhos não merecem a compaixão de Jesus.
Jesus não teve pena desta mulher. Ele praticamente a ignorou e no entanto, este ser quase insignificante que esta mulher aceitou ser, perseverou forte na sua fé e apelou da baixeza da sua insignificância que ela assumiu. Perseverou na sua fé apesar da sua situação desesperada. E Jesus recompensou-a, ele deu-lhe a salvação, que ela nem sequer pedia para ela, mas para a sua filha.
Também nós, muitas vezes nos sentimos tão insignificantes, tão desesperados, que desistimos de chamar o nosso Senhor, de lhe suplicar. “O Senhor não nos ouve, eu sou demasiado pecador, se eu tivesse fé Ele já me teria ouvido certamente.” São algumas das frases que dizemos ou pensamos. Esta mulher não desistiu, a sua fé prevaleceu e Cristo atendeu ao seu pedido. A fé salva e se Deus achar por bem, Ele atenderá o nosso pedido se e quando Ele quiser, a Seu tempo. A salvação a que se chega pela fé por meio de Jesus Cristo, não nos traz aquilo que nós queremos quando queremos. Não. Quando Jesus diz: “Ó mulher, grande é a tua fé, pois seja como tu queres”, isto poderia ser interpretado como uma vitória da vontade daquela mulher. Não. É uma vitória da sua fé. É Jesus quem decide fazer-lhe a vontade, mas porque ele quis curar a filha. A fé é uma entrega total de nosso ser nas mãos de Jesus. Esta mulher entregou todo o seu ser de mãe nas mãos de Jesus, ela confiou plenamente, depositou a sua esperança nele, entregou a sua vida e Jesus curou-lhe a filha para que esta mãe pudesse ter vida em abundância. E é a vida em abundância que Jesus vem oferecer e a fé pode alcançar. Jesus achou que vida em abundância para aquela mulher seria curar-lhe a filha.
Apesar de nos podermos sentir em sofrimento como aquela mulher por causa da sua filha, apesar de nos podermos sentir insignificantes como aquela mulher, Jesus vem dizer-nos hoje para não o abandonarmos, para continuar a chamar por ele, para conservarmos a nossa fé, a nossa esperança. Se assim fizermos, Deus, a Seu tempo irá nos encontrar com a sua Salvação, com a vida eterna.
Jesus vem também dizer-nos hoje, que a certeza da nossa fé não pode deixar-nos cegos aos excluídos. Não. Nós temos de olhar com os olhos de Cristo, tocar com as mãos de Cristo que abraça o universo inteiro. Temos de tocar com a nossa fé os outros, mas também sermos tocados pela fé deles. Temos de abrir a Igreja às mulheres, aos estrangeiros, aos cães dos dias de hoje. Devemos e po
demos ver nos outros, naqueles que são os mais insignificantes aos nossos olhos, alguém que também pode transportar o Espírito do Cristo ressuscitado consigo e que nos pode ensinar e mostrar o que significa ter fé.
Jesus disse aquela mulher: “Ó mulher, grande é a tua fé”, que ele nos diga a nós também. Ámen.

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