Justiça Social – ontem e hoje

Autor: Leonardo S. Silva

Muito antes de aparecer a expressão moderna justiça social, a Bíblia já preceituava: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Embora esse princípio bíblico fosse um excelente slogan para uma das tantas campanhas sociais que se vê por aí, ele vai muito, mas muito além do que isso. Quem tem esse amor altruísta, independente das pressões da justiça social, é solidário filantropicamente com seu semelhante, seja ele irmão na fé, patrão, empregado, vizinho, e mesmo um oponente.

É salutar observarmos que a Igreja Evangélica (a instituição) Brasileira, tem investido na área social e isso vai além da distribuição de cestas básicas em comunidades carentes.

A união entre a religião e a justiça social não chega a ser uma novidade. A ênfase vai para os espíritas, cuja doutrina está diretamente ligada à realização das chamadas boas obras.

Mas, na verdade o principal articulador no conceito das boas obras foi o próprio Jesus Cristo, que sempre se mostrou interessado em ajudar aos menos favorecidos, fato esse que fica evidente em inúmeras passagens das narrativas de sua biografia evangelística.

Na epístola aos Romanos, em sua parte prática, o apóstolo Paulo mostra que Deus tem interesse no bem-estar social do ser humano. Essa realidade é facilmente encontrada em toda a Bíblia. Isso nos remete a uma outra realidade que não há como ser ignorada: as atividades sociais devem acompanhar o trabalho de evangelização.

O papel da Igreja na sociedade:

O objetivo principal da Igreja é glorificar a Deus (1Co 10.31). Alguém pode perguntar: “A tarefa principal da Igreja não é a evangelização?” A resposta é afirmativa. Isso, porém, é conseqüência do glorificar a Deus. A atividade da Igreja se direciona em dois sentidos: vertical – adoração, atividades espirituais; horizontal – servir ao próximo, atividades filantrópicas e sociais. Por isso Deus estabeleceu ministérios na Igreja. Ministério significa serviço. Deus incluiu entre os ministérios dados a Igreja, o serviço social (Rm 12.8).

Fé sem obras, uma decepção social:

Em Tiago 2.15, 16, vemos que a fé, da qual Jesus é o autor e consumador, opera por amor, voltado para o nosso semelhante. Veja Efésios 6.23 e Gálatas 5.6. Fé sem esse amor, bem como amor sem fé, ambos são inoperantes, como uma rede elétrica sem energia, ou um carro sem combustível. Para as obras resultantes da fé, na Igreja, no âmbito social. Não deve haver discriminação entre homem e mulher, no atendimento às necessidades básicas da vida, como vestuário e alimentação.

Fome Zero:

Não podemos ficar alheios ao sofrimento do próximo (1Jo 3.17). Convém lembrar que uma cesta básica não resolve o problema do pobre. O problema é resolvido à medida que as pessoas forem absorvidas no mercado de trabalho, ganhando seu pão com o suor do seu rosto. A cesta básica é só um paliativo. O que não se deve é despedir sem nada o necessitado, prática vergonhosamente comum em muitas igrejas Brasil afora (É tudo na base do “Jesus te ama e tchau, tchau!”).

Em tempos de “Fome (¿)Zero(?)”, onde um dos motes da administração federal do presidente Luis Inácio Lula da Silva (também conhecido como o “presidente do povão”) é uma alardeante (e nem sempre prática) investida no social, a Igreja evangélica não pode (e não deve) ficar aquém de uma intensa participação.

Filantropia:

A palavra filantropia significa “humanitário, amigo da humanidade”, e vem do grego filos, “amigo” e anthropos , “homem”. Ora, se os que não têm esperança estão sempre dispostos a ajudar o seu próximo, por quê não nós, que somos filhos da luz (pelo menos é o isso que afirmamos em palavras)? Jesus Cristo é o maior exemplo filantrópico que podemos ter e, como somos participantes da natureza divina (2Pe 1.4) é inexplicável Tentar nos eximir de nossas obrigações para com os menos necessitados.

Logo, a omissão dessa responsabilidade, caracteriza-se pecado. Qualquer omissão diante dessa responsabilidade espiritual, que pesa sobre a Igreja, pode resultar em graves conseqüências. Infelizmente ainda há igrejas que continuam insensíveis às necessidades do pobre e aos serviços sociais. Enfatizam a guerra espiritual, o mundo invisível, mas não se importam com o mundo visível, como se esse não existisse.

A justificação demonstrada pelas obras:

Muitos crentes usam a Bíblia para tentar se esquivar de suas responsabilidades sociais e alguns grupos religiosos a usam para tentar se esquivar das verdades messiânicas e inventam doutrinas equivocadas, que fogem do contexto escriturístico em relação à justificação do ser humano.

Analisemos por exemplo, a aparente contradição entre Tiago 2.24 e Rm 3.28. Ela é facilmente explicada quando explanamos os dois contextos dessas passagens. Com isso, concluímos que não há contradição alguma. Vejamos. Em Marcos 2.3-12, os amigos do paralítico de Cafarnaum, nada viram acontecer a princípio, quando Jesus disse ao doente: “Perdoados são os teus pecados”, e começaram a questionar o Filho de Deus. A seguir, quando Cristo disse: “Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa”, ficaram maravilhados e deram glória a Deus, porque viram o milagre acontecer.

O homem é justificado pela fé diante de Deus, sem as obras, para que ninguém se glorie (Ef 2.9). Para a salvação, Deus contempla a fé; não obras. Já o homem (a sociedade) vê as obras na vida do crente, e não a fé. Afinal, o mundo anda por vista e não por fé; mas no reino de Deus “andamos por fé e não por vista” (2Co 5.7). Ou seja, são valores opostos. Portanto, o ensino de Romanos 3.28 e Tiago 2.24, não são contrários e nem isolados, mas completivos entre si. Romanos trata da justificação diante de Deus, enquanto Tiago trata da justificação no seu aspecto visível diante dos homens. Usar uma passagem ou outra isoladamente como um subterfúgio, é um erro proposital.

Um texto sem contexto é mero pretexto. Que não substimemos o que pode realizar a graça maravilhosa de Deus no ser humano, e a fé em Deus, do lado humano (Hb 11.1, 6).

Grande Seara:

O campo de atuação eclesiástica no que tange ao social é bastante amplo. Essa seara é bastante extensa. O que está em falta são os ceifeiros, homens e mulheres, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos que se predisponham a por a mão no arado. Basta olharmos para os lados que seremos confrontados com as vítimas das mazelas sociais do nosso pais. E dizer que é tudo um problema para o governo resolver, é puro comodismo e conveniência, pois se no caso de o governo não fazer a parte dele, eu e você também não faremos a nossa? Absorveremos a síndrome de Pilatos e lavaremos as mãos? Não, pois antes de tudo, temos um compromisso firmado com o reino de Deus, que não deve em nenhuma hipótese andar em conformidade com o “esse século” , que sabemos bem de quem é o principado.

Exploração infantil, meninos de rua, prostituição, pessoas de renda mínima, moradores de vilas, favelas e aglomerados sem emprego, delinqüência, contravenção, dependência química, presidiários, idosos abandonados… cujo subproduto na maioria dos casos é o explícito e inquestionável crescimento no índice de violência nos chamados hiper centros. Então, diante de um quadro com matizes tão sombrios e sem brilho algum, a Igreja (eu, você… nós!) pode se dar o luxo da omissão e da indiferença?

Na realidade, nessas circunstâncias, somos constrangidos a praticar o amor que afirmamos sentir pelo próximo e não raramente chegamos a conclusão que somos hipócritamente mentirosos.

O verdadeiro discípulo de Cristo, que não apenas o segue, mas procura fazer o que Ele ordenou, cuida primeiramente, por todos os meios, de conduzir os pecadores à salvação (1Co 9.22b), mas também cuida de assistir os necessitados, de variadas origens e causas. O amor de Deus em nós deve ser o fator motivante para assim servirmos aos outros como uma expressão do Evangelho de Jesus. A generosidade cristã não deve restringir apenas nos trabalhos filantrópicos. Deve ser extensivo ao trabalho de Deus, nos dízimos e nas ofertas, para a expansão de Seu reino. Ou seja, a obra de Deus se faz com recursos financeiros – dízimos e ofertas -, e com milagres.

O bem-estar físico e material do ser humano deve ser também uma preocupação da Igreja enquanto ela estiver aqui na Terra.

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