Autor: Nelson Bomilcar
Pastorearei o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho” (1 Pedro 5.2)
10 “O ladrão vem somente para roubar; matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. 11 Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas 12 O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo, abandona as ovelhas e foge; então, o lobo as arrebata e dispersa. 13 O mercenário foge , porque é mercenário e não tem cuidado das ovelhas. 14 Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim, 15 assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas.”
1. Introdução
Com temor e tremor, compartilho sobre integridade pastoral. Tema difícil para qualquer pregador ou pastor, pois é necessário um auto-exame para ver onde de fato estamos nesta caminhada e busca de integridade em nossa vocação pastoral. Sei quem sou, de onde vim, conheço meus pecados e quanto necessito da graça do Senhor para continuar no pastorado.
Penso até que tantos pastores, já de cabelos brancos e em final de caminhada e ministério, que foram e são mentores e referencias para mim hoje de integridade pastoral, poderiam falar com mais propriedade. Muitos deles, heróis anônimos que com fidelidade e perseverança cuidaram do rebanho do Senhor em circunstância adversas, em meio à contínuas provas e desertos, longe dos holofotes e palcos, de maneira humilde e despretensiosa. Até porque integridade não é uma qualidade que nasce intrínsicamente conosco. Antes, é um movimento e construção em nossa personalidade e caráter de fora para dentro; é um valor ou virtude que vai sendo desenvolvida em nós pacientemente por Deus nosso Pai, através da ação contínua de Seu Espírito, à medida que aprofundamos nosso relacionamento com Ele.
Temos que reconhecer que muitas mudanças ocorreram quanto ao entendimento da vocação e trabalho pastoral. Uma nova cultura da vocação e atuação pastoral ganha terreno na igreja em nosso século; muitos estão confusos quanto ao papel do pastor na vida da igreja. As instituições de ensino teológico, principalmente na América, desde o século passado, tem abraçado, modelos secularizados de gestão e se tornaram reducionistas quanto à atuação pastoral. O cerne e foco essencial está no Fazer do pastorado e não no Ser.
Como nos chama a atenção do Pr. Ricardo Barbosa, “estas mudanças são de natureza semântica e que trouxeram desdobramentos na atuação pastoral e na vida da igreja”. Líder e terapeuta, palavras incorporadas na descrição da vocação pastoral nos dias de hoje, não aparecem durante 20 séculos de vocação e modelo pastoral. Palavras estas que não são necessariamente incorretas, mas que trazem uma nova compreensão e descrição do trabalho pastoral, modelada em imagens do executivo ou administrador, isto é, de um profissional dentro de estruturas eclesiásticas.
O Dr. J. Packer, escritor e teólogo renomado, em uma de suas palestras/aula no Regent College onde estudei, disse que esta nova imagem de liderança, vem ao longo dos anos, corrompendo a vocação genuína do pastor e também a imagem correta do Deus Pastor, tão bem descrito no Salmo 23.
Precisamos recuperar a visão correta da vocação pastoral e de próprio Deus a quem servimos, pois Ele nos vocaciona, capacita e envia como referências, como guias espirituais para um rebanho sedento de pastores-pastores, que, com amor e compaixão, consagram seu tempo em ouvir o clamor de almas cansadas, aflitas, ovelhas que estão em busca de orientação espiritual e transformação, pessoas a quem Jesus se entregou e deu sua vida.
É oportuno refletirmos um pouco sobre a integridade do ministério pastoral, para instrução, para ensino, para termos referênciais corretas e expectativas maduras sobre o pastorado, já que distorcemos ou temos perdido através dos anos em nossa cultura, a natureza desta vocação e ministério.
2. Desenvolvimento
O que temos que buscar ou fazer para sermos íntegros e vivermos na integridade de nossa vocação?
1. A integridade de nosso amor a Deus!
Nosso relacionamento pessoal com Deus e na vivência da vocação pastoral é fundamentada em um COMPROMISSO DE AMOR. Dt. 6:5 “Amarás o Senhor teu Deus de todo o seu coração, de toda a tua alma e de toda sua força”. No contexto de Deuteronômio, para amar a Deus e cultivar este amor é necessário um abandono de falsos deuses em nossas vidas. Nossa família, nossa formação e conhecimento, nossa denominação, nossa igreja local, nosso ministério, tornam-se objeto de culto muitas vezes.
Nosso amor a Deus é o combustível para honrarmos seu chamado e sermos íntegros no exercício de nossa vocação. Tomar cuidado para não transformarmos nossa vocação em carreira profissional é prudente e sábio. Cumprimos nossa vocação movidos pelo amor a Deus é essencial.
Só assim a oração, a meditação na Palavra e a prática da direção espiritual não se tornam funcionais, apenas tarefas. Amor a Deus é demonstrado numa vida de obediência aos seus mandamentos. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, este é o que me ama”. A pergunta do Senhor a cada um de nós continua? Pedro, tu me amas? Nelson, tu me amas? Fabrício, tu me amas? Deus ainda nos convida a sermos pastores, mesmo com a imperfeição do nosso amor! “Vá e apascente minhas ovelhas”.
2. Integridade com a natureza e conteúdo de nossa vocação
Temos que nos balizar no que a revelação bíblica fala sobre o pastorado.
Primeiramente vemos que os apóstolos mostraram e ensinaram que todos os cristão deveriam cuidar uns dos outros com amor disposição e em constante oração (Gl 6.1-2; Hb 12.15-16; 1Jo 3.16-18; 5.16). Apesar desta instrução, designaram também para cada congregação guias espirituais, supervisores chamados de “presbíteros” ou “anciãos” (At 14.23; Tt 1.5), que deveriam cuidar do povo de Deus como os pastores cuidam das ovelhas (At 20.28-31; 1Pe 5.1-4), conduzindo-os mediante seu exemplo.
Em virtude de seu papel no Corpo de Cristo, os presbíteros são também chamados “pastores” (Ef 4.11) e “bispos” (supervisores) (At 20.28; cf. 17; Tt 1.7; cf v.5; 1 Pe 5.1-2) e são chamados por outros termos que expressam liderança, apesar de não encontrarmos a palavra líder no Novo Testamento (1 Ts 5.12; Hb 13.7, 17, 24).
As ovelhas da congregação, por seu lado, devem então reconhecer a autoridade dada por Deus a seus guias (referênciais) espirituais e seguir a orientação deles (Hb 13.17). Quem não reconhece a autoridade neles, esta recusando a autoridade de Cristo em suas vidas. A congregação deve também sustentar em oração (1 Tm 2.1-3) e também materialmente, pois “devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino” (1 Tm 5.18)
O modelo do pastorado aparece no Antigo Testamento, onde Deus é o Pastor de Israel (Sl 80.1). Vemos reis, sacerdotes, profetas e anciões chamados a agir como ministros de Deus, no papel de pastores subordinados (Nm 11.24-30). No Novo Testamento, Jesus é conhecido como o Bom Pastor (Jô 10.11-30) e Supremo Pastor (1 Pe 5.4), e os pastores são seus subordinados.
O modelo de Jesus é conhecido como o Bom Pastor, é aquele que orienta, que serve com amor, compaixão e constância, que cuida, alimenta, protege, cura, discípula, treina, disciplina, caminha junto e não à distância; relaciona-se com seus discípulos e ovelhas, fazendo deles, não só servos, mas amigos de Deus (Jô 15.15).
3. Integridade em nossa atuação pastoral
O pastor Eugene Peterson, escritor e professor de teologia espiritual e pastoral, ensina que “os pastores são chamados prioritariamente para cuidar de almas, de pessoas; são chamados para levar pessoas à presença de Deus, a comungarem com Deus. Devem ser homens de oração e da Palavra”, isto é, que buscam diligentemente desenvolver estas disciplinas espirituais.
O trabalho de orientação espiritual é fundamental, precisa ser resgatado na compreensão da igreja quanto ao pastorado e não ser desprezado por aqueles que tem a vocação pastoral. Junto com a oração e meditação na Palavra, é um aspecto relevante, mas desprezado em nossa cultura.
O orientador espiritual não perde o foco e dá atenção aos detalhes específicos dos incidentes diários e às ocorrências cotidianas da vida contemporânea. O orientador espiritual resiste à pressão de moldar seu trabalho pastoral pelos padrões empresariais. A orientação espiritual é a tarefa de ajudar uma pessoa ou ovelha a levar a sério o que é deixado de lado pela mente no dia a dia, tomada por outros atrativos e pela constante presença de crises. É levar a sério com atenção e imaginação disciplinadas, o que os outros vêem casualmente ou sem nenhuma importância. “Ore por mim”, um pedido simples e aparentemente despretensioso que acontece no cotidiano, recebe a máxima atenção do orientador espiritual e é priorizado.
O pastor leva a sério os momentos em que os sinais de transcendência e atuação de Deus se manifestam no meio de nossas rotinas de explosão do louvor, da angústia de culpa, dos ataques de dúvidas semanais, do tédio em orar, meditar e adorar. Não desvia a sua atenção para os clamores da cultura de realizar grandes feitos ou programas mobilizadores, que perdeu a noção do que é realmente importante e fundamental e que não se submete às nossas urgências e pressa.
Manifestações de Deus no dia a dia, no comum da vida, são sinais centrais e não periféricos na atividade pastoral e temos que encarar estes atos como eternos e não efêmeros, essênciais e não acidentais.
Orientar espiritualmente é ajudar as pessoas a buscarem a santidade pessoal a pensarem em Deus, nos seus valores, e moldar o coração e à vida na obediência de Sua Palavra.
George Foster e Dr. Billy Graham concordaram que a administração e gestão de estruturas inicialmente criadas para ajudar a vida na igreja, é uma conseqüência da atividade pastoral, enriquecida e exercida por outros membros da igreja capacitados nesta área. Afinal, a igreja é, na linguagem do apóstolo Pedro, uma comunidade de pedras que vivem, de pessoas únicas amadas por Deus, com histórias únicas e não de peças descartáveis de uma máquina.
Pastores como Jesus devem conduzir o rebanho de Deus com uma espiritualidade simples e profunda, construída na oração, meditação e estudo da Palavra. Pastores como Jesus buscam intimidade com o Pai, sendo exemplo em seu estilo de vida bem ordenado e caráter maduro (1Tm 3.1-7) e em relacionamentos sinceros e saudáveis.
Esta essência no trabalho pastoral é na maioria das vezes, uma atividade silenciosa, longe dos holofotes, sem muito brilho, sem muito reconhecimento, que não atende o clamor do povo das grandes atividades mobilizadoras e realizadoras, mas é o coração do ministério pastoral. Não existe quase nenhum reconhecimento das ovelhas por isso, mas total reconhecimento de Deus e justa recompensa no futuro.
Pastores como Jesus procuram ouvir e conhecer a Deus, e estão diligentemente chamando a atenção das ovelhas para ouvirem, discernirem e obedecerem à voz do Senhor em Sua Palavra, fazendo a Sua vontade. Pastores como Jesus não subestimam a Satanás, reconhecem as estratégias do lobo, do inimigo de nossas almas, que tenta atacar e se misturar ao rebanho para causar baixas, roubar, matar e destruir. Pastores como Jesus resistem ao lobo, defendem e protegem as ovelhas e expulsa-o das proximidades.
Pastores como Jesus não aceitam o pecado que “tenazmente nos assedia”; rechaçam-no com firmeza e procuram ensinar as ovelhas a se lavarem no sangue de Cristo quando pecam, mostrando o caminho da confissão, do quebrantamento e da humildade. Pastores como Jesus reconhecem sua humildade e portanto, identificam-se com suas ovelhas em suas dores e limitações. Pastores como Jesus “se encarnam”, tornam-se iguais às ovelhas, isto é, reconhecem que são ovelhas também do rebanho do Supremo Pastor.
Pastores verdadeiros confiam e reconhecem o poder e autoridade de Cristo e ajudam as ovelhas a aprender o caminho da dependência e submissão em obediência à esta autoridade. Pastores como Jesus buscam sempre agradar a Deus e não a homens, ensinam todo o conselho de Deus e não só a parte da mensagem.
Pastores como Jesus reconhecem que o sofrimento faz parte da vida das ovelhas e é instrumento de Deus para crescimento, fortalecimento e aprendizado.
O Dr. James Houston, teólogo, pensador cristão e pastor, tem ensinado que os verdadeiros pastores, servos com coração pastoral, não são os que estão necessariamente à frente, ou brilhando do alto dos púlpitos ou ministérios, mas são os que estão atrás e no meio do rebanho, com o cajado e vara, encorajando os que desanimam, levantando os caídos, protegendo as ovelhas, trazendo esperança aos que estão descrendo e ajudando-os a perseverar na vida cristã, curando as feridas da alma das ovelhas, acolhendo os pecadores cansados e oprimidos, corrigindo e alimentando os que se afastaram do rebanho.
Que imagem fiel e bonita do pastor, mas quanta distância do que vemos hoje no meio evangélico. Uma geração de pastores e ovelhas que infelizmente abraçaram conceitos sobre liderança pastoral baseados em moldes empresariais secularizados, ovelhas que não desejam mais pastor-pastor, mas que “projetam suas frustrações pessoais em cima dos que estão à frente, criando expectativas erradas da atuação pastoral, sobrecarregando com exigências que jamais foram solicitadas por Deus” (Larry Crabb).
Um outro aspecto interessante: alguns presbíteros, mas não todos, ensinam.(em 1 Tm 5.17; Tt 1.9; Hb 13.7, e Ef 4.11-16 lemos que Cristo deu à igreja “pastores e mestres” para equipar cada um para o serviço). Na visão apostólica de liderança congregacional, provavelmente existiram mestres que não eram presbíteros, bem como presbíteros que não ensinavam, e, também aqueles que tanto ensinavam como governavam.
Pastores são ministros da graça de Deus. Não tem nada para oferecerem de si mesmos a não ser “suas próprias inutilidades e limitações” (Henry Nouwen). Paulo, o apóstolo, entende que é um “servo inútil” já em final de ministério. Ao reconhecer sua incapacidade e finitude, o pastor se torna instrumento do amor e graça de Jesus. O que os pastores tem a oferecer são suas próprias vidas dedicadas ao Senhor e às ovelhas, para que as elas conheçam, amem, obedeçam e andem na amizade e presença do Pai e glorifiquem a Deus aqui.
Pastores como Jesus se alegram e se realizam ao ver a manifestação do Senhor na vida das ovelhas; sentem-se recompensados em serem usados por Deus, quando há restauração na vida do rebanho e em seus relacionamentos, conversão dos maus caminhos, transformações na mente, coração, caráter e temperamento; sentem-se recompensados quando percebem que as ovelhas estão levando a Palavra de Deus a sério, vivendo os valores do reino e servindo ao Pai na obra, tornando-se mais parecidos com Cristo.
Pastores como Jesus sabem que não devem esperar reconhecimento humano; pelo contrário, devem ter consciência que é uma tarefa difícil, sujeita a profundas lutas espirituais, tentações, desertos, humilhações, traições, mas que a justiça recompensa virá das mãos Daquele que o chamou e vocacionou e que prometeu sua companhia e capacitação. “Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa de glória” 1 Pe 5.4
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