Implicações e desafios da Missão Integral

Autor: Antonio Carlos Barro, Ph.D
Introdução

O tema é amplo e oferece várias vertentes pelas quais podemos caminhar. Os desafios para a Missão Integral (MI) ainda permanecem como desafios frente aos mais diferentes contextos em que a igreja desenvolve a sua missão. Alias, podemos até mesmo afirmar que o título “Missão Integral” continua gozando de uma certa ambigüidade entre os evangélicos.

É lugar comum em qualquer ensaio missiológico usar o termo “missão integral”, assim como se usa o termo “reino de Deus”, sem maiores detalhes sobre o que realmente significa fazer missão de modo integral. O uso deste termo empresta uma áurea de seriedade ao que se escreve.

A verdade, é este tema já está desgastado e existe uma certa desilusão com o mesmo em vista das dificuldades que este modelo de missão impõe. Se de um lado vemos igrejas totalmente alheias aos postulados da MI, por outro lado vemos igrejas que gostariam de trabalhar mais estes ideais, mas encontram as mais diversas dificuldades. São dificuldades conceituais, estruturais, econômicas e ideológicas.

No contexto brasileiro sua pregação é por vezes confundida com os movimentos e partidos políticos mais radicais (PT, MST). Outras vezes a igreja rejeita tal pregação por não ser ela atraente tendo em vista que a mesma condena e rejeita o atual encantamento com a chamada “Teologia da Prosperidade”. Num período em que a fascinação com a riqueza e o poder grassam no meio evangélico, é difícil encontrar pessoas entusiasmadas com as propostas da missão integral.

Iniciaremos esta reflexão com algumas pressuposições que acredito são básicas na proclamação do evangelho.

O povo da missão – missio Dei. Entendemos que missão nasce no trono da graça de Deus e não o contrário. Muitas vezes, a prática da missão nasce do desejo da igreja, mas esta não deve ser a motivação primeira e sim a missio Dei.
O povo peregrino – caminha em direção ao final dos tempos. Nós somos o povo entre os “dois tempos tempos” (Costas, Cullmann). Vivemos neste mundo enquanto que olhamos para a consumação dos tempos quando o reino será totalmente implantado pelo Rei que virá. Duas figuras poderiam caracterizar a igreja. Uma positivamente: A igreja simbolizada pela tenda – igreja retirante – que move debaixo da orientação de Deus. A outra, negativamente, simbolizada pela catedral – igreja imobilizada – que não leva em consideração o mundo e seus problemas. É a igreja que onde tudo gira em torno dela.
O povo servo – manifestação de Cristo ao mundo. O povo de Deus serve no mundo à semelhança daquele que veio como doulos e diaconos. Não existe outra maneira de viver entres os povos que não a maneira como Cristo viveu entre nós.
O povo libertador – em todos os níveis da sociedade. Os fardos da sociedade são também os fardos da igreja e a opressão do povo é uma afronta contra Deus e o seu Ungido. A justiça de Deus impartida a nós no ato da salvação é marca característica em cada servo de Deus.
O povo responsável – cada um participa da construção do reino com seus dons e talentos. Este povo é amado por Deus que não faz nenhuma acepção de pessoas e como tal, este povo valoriza os dons e talentos de cada membro do corpo de Cristo. Cada um é responsável em trazer aquilo que tem e colocar à disposição do Mestre.
O povo obediente ao Espírito Santo. É no ouvir do sopro do Espírito que sopra onde quer que a igreja caminha realizando a missão de Deus. Segundo os ensinos das Escrituras o Espírito Santo é:
Originador da missão.
Condutor da missão.
Sustentador da missão.
O povo da Bíblia – única regra de fé e prática. As práticas da igrejas no desenvolvimento missionário são constantemente corrigidas pelas Escrituras. A leitura e estudo dos livros sagrados fornecem convicção e lealdade a Deus.

I. A Espiritualidade da Missão Integral

Poucos são os autores que têm trabalhado o tema da espiritualidade em relação à MI, até mesmo porque o integral com espiritual parecem não combinar. Integral pressupõe fazer, agir, tomar um posição mais radical, enquanto que espiritualidade está mais próximo do meditar, refletir, contemplar. Assim se alguém é integral, não é espiritual e se alguém é espiritual, não é integral.

No campo da missiologia existe um debate sem fim sobre o papel da ação social na vida da igreja. Este papel é primário ou secundário. Tem o mesmo valor da evangelização, oração? Desde o Congresso de Lausanne os evangélicos vem avançando mais no debate do papel da igreja na solução dos problemas da sociedade. As vezes a MI parece ganhar algumas trincheiras (Congresso Brasileiro em Belo Horizonte) e outras vezes parece que a mesma é vencida como foi o caso do Congresso de Lausanne em Manila nas Filipinas. Vários livros e artigos têm sido devotados sobre o assunto.

A espiritualidade da MI tem que encontrar as suas raízes principalmente e primordialmente na vida e obra de Jesus Cristo. São nas páginas do Novo Testamento que iremos encontrar aquele que nos forneceu não somente a missão mas também a espiritualidade da mesma. A palavra espiritualidade tanto significa a qualidade ou o caráter de espiritual bem como a doutrina acerca do progresso metódico na vida espiritual. A espiritualidade é qualidade inerente na vida de Cristo. Faz parte de sua natureza ser espiritual.

Em primeiro lugar vemos que ele tinha uma consciência muito clara a respeito da sua origem. Ele afirma por várias vezes ter sido enviado por Deus. A este Deus ele o chama de Pai. No Evangelho de João encontramos as seguintes declaração.

O Pai, que me enviou, esse mesmo é que tem dado testemunho de mim. Jamais tendes ouvido a sua voz, nem visto a sua forma (Jo 5.37).
Eu vim em nome de meu Pai, e não me recebeis; se outro vier em seu próprio nome, certamente, o recebereis (Jo 5.43).
Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6.44).
Ver ainda 6.46, 57; 8.18; 10.36; 12.49 e 16.28.
Em segundo lugar vemos que Jesus não dicotomizava a sua espiritualidade como nós fazemos hoje. Ele orava sozinho (Mt 14.23; 26.44; Lc 9.28), orava em público (Lc 11.1-2), conhecia as Escrituras (Lc 4.20-21), realizava milagres, pregava o evangelho do reino, libertava os oprimidos do diabo. A sua espiritualidade era o conjunto de tudo aquilo que fazia para glorificar o seu Pai.

Podemos ver em terceiro lugar que a espiritualidade de Jesus refletia os dez mandamentos dados ao povo de Deus no Êxodo. É um espiritualidade que possui uma dimensão vertical (amar a Deus) e possui ainda uma dimensão horizontal (amar o próximo). Jesus mostrou com a sua vida que ele amava a Deus e deste amor a Deus ela extraia a força para amar ao seu próximo e com certeza podemos afirmar que ninguém amou tanto a Deus como ele e ninguém amou tanto ao próximo como ele amou. Vejamos alguns exemplos desta espiritualidade.

O Sermão do Monte

Um dos textos que podem ser explorados para o desenvolvimento de uma espiritualidade para a MI é o rico discurso de Jesus Cristo no Sermão do Monte. Este discurso tem início com as bem-aventuranças e elas devem servem de fundamento para a MI. Devemos notar que as bem-aventuranças são bem mais do que um simples código de ética para o povo de Deus. Elas, na verdade, formam a receita de Jesus para alguém alcançar o verdadeiro sentido para a vida. Na medida em que a igreja ou alguém pratica a espiritualidade das bem-aventuranças, esta igreja ou pessoa está sendo feliz. Podemos notar que cada uma das bem-aventuranças está intimamente ligada com a vida do outro. Alguém é feliz quando participa ativamente na vida do outro. É, pois, através desta participação que exige humildade, choro, mansidão, busca da justiça que o modelo de Cristo para uma nova vida é exemplificado para o mundo.

Neste Sermão do Monte muitas das nossas relações são delineadas por Jesus. No capítulo cinco vemos o relacionamento e o comportamento do cristão em relação ao mundo (sal e luz). O testemunho frente ao sistema religioso vigente. O relacionamento com os outros cristãos, com a família, com Deus, com os inimigos. No capítulo seis ele mostra a prática da espiritualidade quando fala sobre a justiça, oração, jejum, acúmulo de bens, serviço cristão e ansiedade. No capítulo sete ele mostra que esta não é uma espiritualidade ingênua. Ela é sabedora do juízo de Deus, por isso, o cuidado quando julgar alguém. Ela é impregnada com o conceito da mordomia, adverte contra o perigo da religião atrativa mas destituída de valores e adverte ainda dos falsos arautos. Este discurso termina com uma nota interessante. É a prática dos ensinamentos de Cristo que irá demonstrar a espiritualidade de alguém e não o discurso ou a aparência de santidade. Podemos afirmar, então, que o verdadeiro cristão é aquele que faz, aquele que age fundamento nas palavras de Cristo.

Dependência do Espírito Santo

A espiritualidade de Jesus era também profundamente dependente do Espírito Santo. O Evangelista Lucas nos informa que no início do ministério o próprio Cristo afirmou: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor (Lc 4.18-19). Tempos mais tarde o Apóstolo Pedro em sua pregação na casa de Cornélio, dando testemunho sobre o ministério de Cristo, afirma: “Esta é a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos. Vós conheceis a palavra que se divulgou por toda a Judéia, tendo começado desde a Galiléia, depois do batismo que João pregou, como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele; e nós somos testemunhas de tudo o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém; ao qual também tiraram a vida, pendurando-o no madeiro (At 10.36-39).

Dependência de Deus

Vemos ainda que a espiritualidade de Cristo era baseada em um profundo relacionamento com Deus. Ele, desde o início de seu ministério recebeu de Deus palavras de amor: “Então, foi ouvida uma voz dos céus: Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (Mc 1.11). A partir deste momento, a trajetória do seu ministério apontará esta dependência do Pai. Nas mais diversas situações encontramos Jesus procurando a vontade de Deus.

E, despedidas as multidões, subiu ao monte, a fim de orar sozinho. Em caindo a tarde, lá estava ele, só (Mt 14.23).
De uma feita, estava Jesus orando em certo lugar; quando terminou, um dos seus discípulos lhe pediu: Senhor, ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos (Lc 11.1).
E aconteceu que, ao ser todo o povo batizado, também o foi Jesus; e, estando ele a orar, o céu se abriu (Lc 3.21).
Em seguida, foi Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar. (Mt 26:36).
É importante notar que na espiritualidade de Jesus ele mostra esta dependência até o último limite: a morte na cruz. Isto nos faz apontar para um outro detalhe na sua vida espiritual: o sofrimento. Para Cristo, não existe espiritualidade que não venha acompanhada do sofrimento, do martírio, da dor. O seu ministério tem início com o sofrimento das tentações no deserto impostas por Satanás. Este sofrimento o acompanha na marcha ao Calvário onde ele sofre todo o escárnio e crueldade impostas por um povo ignorante e um governo cruel.

Assim sendo, quando buscamos uma espiritualidade para MI da igreja, temos que voltar os nossos olhos para Jesus e ver nele o modelo que precisamos para o desenvolvimento da nossa própria espiritualidade. O desenvolvimento da mesma deverá nos conduzir ao coração da MI.

II. As Exigências da Missão Integral

Implantar um modelo de Missão Integral não é uma tarefa muito fácil. Nunca foi e nunca será. A igreja é por vezes muito comprometida com o sistema vigente e as estruturas deste sistema são violentas. São estruturas que esmagam e muitas vezes matam no nascedouro a tentativa de viver o evangelho de maneira integral. Vejamos algumas das exigências da Missão Integral:

Um profundo conhecimento da missão de Cristo.

A tendência da igreja de hoje em apresentar Jesus Cristo como tão somente aquela pessoa que quer fazer o bem a todos, curar as enfermidades e passar um óleo nas feridas do coração. Esta apresentação tem produzido uma caricatura do Cristo revelado nas Escrituras. Muitas e muitas vezes tem se a nítida impressão de que o Cristo das pregações de hoje não é a mesma pessoa descrita nos Evangelhos tamanha é a disparidade entre eles. O Cristo do Novo Testamento é radical, tem estilo de vida simples, não cede às pressões de grupo, associa-se com pessoas que não são de bem, conversa com quem não deveria conversar, faz perguntas incômodas, desafia os poderosos da religião e do estado.

Quando o evangelista Marcos apresenta Jesus, ele o aponta como o homem que vem de Nazaré da Galiléia (1.11). Nazaré era tão insignificante que não aparece citada no Antigo Testamento. As pessoas desta região eram inclusive ridicularizadas: “Perguntou-lhe Natanael: de Nazaré pode sair alguma coisa boa? Respondeu-lhe Filipe: Vem e vê” (João 1.46). Mas, ele não somente é de Nazaré, como também é da Galiléia cujos habitantes eram considerados como ignorantes pelos sábios de Jerusalém. Esta região habitada por pessoas que se misturaram em seus relacionamentos não recebia por parte dos judeus nenhum estima.

Existe alguma significado nos dias atuais que Jesus veio de Nazaré da Galiléia? As vezes nem nos lembramos deste detalhe. O Cristo de hoje é apresentado tão somente como aquela pessoa que pode fazer alguém prosperar ou alcançar uma bênção. Dá-se a impressão que este Jesus que está sendo anunciado veio de Londres, Paris, Tóquio ou Nova Iorque. É um Jesus que usa roupas da moda, as melhores grifes e freqüenta os melhores restaurantes de São Paulo e Rio de Janeiro. Poucas coisas do cristianismo atual recordam aquele homem simples das estradas empoeiradas da Palestina.

Compreensivelmente, a mensagem de hoje não destaca algumas das coisas que Jesus veio fazer ao mundo. Elas são deixadas de lado e assim vamos moldando um outro Jesus que não aquele revelado nas Escrituras. Leia os textos abaixo e selecione algumas características de Cristo que você não tem visto nas pregações de hoje.

Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada (Mt 10.34).
Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra (Mt 10.35).
Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores (Mc 2.17).
Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento (Lc 5.32).
Eu vim para lançar fogo sobre a terra e bem quisera que já estivesse a arder (Lc 12.49).
Supondes que vim para dar paz à terra? Não, eu vo-lo afirmo; antes, divisão (Lc 12.51).
Prosseguiu Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos (Jo 9.39).
O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10.10).
Eu vim como luz para o mundo, a fim de que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas (Jo 12.46).
Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido (Lc 19.10).
Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mc 10.45).
Tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mt 20.28).
Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo (1 Jo 3.8).
Este é o Cristo com a verdadeira mensagem. Fiel ao Pai ele não omitiu as verdades mais difíceis de serem assimiladas. Por isso, seria de bom alvitre que a igreja e seus pastores fizessem um releitura dos Evangelhos e pedir perdão a Deus pela mutilação que estão fazendo do nosso Senhor.

Um profundo compromisso com a missão de Cristo.

Se o Cristo que está sendo apresentado hoje está desfigurado do Cristo das páginas do Novo Testamento, podemos levantar então uma outra questão: Como comprometer-se com alguém que conhecemos tão superficialmente? Como comprometer-se com alguém que eu não sei o que fez, para que o fez e para quem o fez. O meu compromisso com a MI advém de um conhecimento bem maior com a vida e obra de Cristo. Ser um cristão significa embarcar em uma canoa sem volta, remar contra a correnteza, ser uma pessoa contra-cultural. Veja algumas coisas sobre como Jesus qualifica os seus seguidores(as).

Se alguém me serve, siga-me, e, onde eu estou, ali estará também o meu servo. E, se alguém me servir, o Pai o honrará (Jo 2.26).
Se me amais, guardareis os meus mandamentos (Jo 14.15).
Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele (Jo 14.21).
Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade (1 Jo 2.4).
Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora, os seus mandamentos não são penosos (1 Jo 5.3).
Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. Em verdade, em verdade vos digo que o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado, maior do que aquele que o enviou. Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes (Jo 13.14-17).
As exigências do Evangelho demandam dos seguidores de Cristo que eles conheçam a vida e obra do Mestre. Temos percebido que a modernidade tem contribuído para afastar os fiéis das Escrituras. A conseqüência deste afastamento é o analfabetismo bíblico que tem assolado as igrejas. Sabemos que quanto mais longe estamos do evento Cristo, mas fraca é a nossa memória quanto à sua pessoa e ministério. Faz-se necessário uma leitura constante dos evangelhos em nossas comunidades. Esta leitura deve ser feita no contexto em que a comunidade está inserida. Esta leitura deve produzir mudanças na conduta da igreja.

Sendo bem pessimista, talvez tenhamos avançado demais no nosso comprometimento com as forças ocultas dentro do mundo eclesiástico, das igrejas locais que não há mais retorno a nós. Nesta hora é necessário uma coragem indômita e um total arrependimento para que possamos dizer: “Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti;

já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores” (Lc 15.18-19). Quem sabe Deus ainda possa ter misericórdia de todos nós!

Eu penso que é quase uma ilusão nos dias de hoje pedir que os cristãos vivam as demandas do evangelho do Senhor Jesus Cristo. A sociedade conseguiu manietar os cristãos de tal forma que eles se vêem impotentes diante das armadilhas impostas pelo mundo. Um cristão luta para ser promovido em seu emprego, nesta sua luta ele não sabe, ou sabe, que naquela nova posição ele terá que fazer alguns acordos para continuar naquele cargo. Surge então o dilema: continuo na posição atual ou aceito aquela outra mesmo sabendo que terei de abrir mão de alguns princípios bíblicos?

As vezes não conseguimos enxergar que a sociedade nos odeia, como já havia nos avisado Jesus. A sociedade desenvolveu um sistema de perseguição que tem passado quase que imperceptível à maioria de nós. Esta perseguição se dá na forma do oferecimento da serpente: sutil, insinuante e tentador. Não é uma perseguição que exige o derramar do nosso sangue, mas sim a entrega da nossa alma ao tentador. O tentador não quer o sangue dos cristãos derramado nas arenas do mundo, pois isso poderia produzir algum tipo de reação por parte dos mesmos, mas o que ele quer é a entrega silenciosa da alma, pouco a pouco, até que ele tenha o total controle do cristão.

Esta perseguição se dá através de múltiplos oferecimentos. Uma amizade com alguém mais rico, uma ajuda de alguém no alto escalão do governo, a aceitação de um presente da mulher do chefe, aceitar o convite para passar um fim de semana na casa do presidente da denominação, fechar os olhos para a injustiça que está sendo cometida com o meu chefe, porque eu sou o próximo na lista das promoções. Aos poucos, o tentador vai silenciando as vozes dos cristãos. Ele vai amordaçando o ministério profético da igreja como boca de Deus ao mundo. O mundo nos odeia e nós não acreditamos que Jesus estava falando a verdade, afinal, quando foi que alguém nos maltratou, esbofeteou por causa do evangelho para provar o ódio do mundo? Não precisa, pois o velho tentador encontrou uma formula mais moderna para revelar o ódio do mundo pela igreja. Como aquele missionário ingênuo que oferecia presentes aos índios para ganhar a simpatia dos mesmos, ele (sem nenhuma) ingenuidade oferece também presentes aos crentes.

Os cristãos precisam urgentemente de um arrependimento, individual e coletivo (igreja), para voltar ao “primeiro amor” e viver as demandas do evangelho. Para isto, seria apropriado um novo encontro com Jesus Cristo e reiniciar com ele a jornada abandonada por causa do amor ao mundo. Pois sabemos todos de que nada adianta ganhar o mundo, pois seria o mesmo que ganhar o oferecimento do tentador, e finalmente perder a alma neste processo. Quem perder a vida por amor a Cristo vai ganha-la, mas quem ganha-la amando o mundo, vai perder a Cristo e a própria vida.

Este processo de retorno ao lar tem início com as advertências do Apocalipse: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”. Ouvir a voz do Espírito nos meio de tantas vozes que tentam nos seduzir é uma tarefa espiritual. O verdadeiro filho(a) de Deus que está seduzindo pela serpente sabe quando e como parar este processo de destruição na qual se encontra, pois quem um dia conheceu e ouviu a voz do Espírito Santo saberá como discerni-lá ainda hoje. O Apóstolo Paulo nos ensina que este processo continua com uma nova oferta da vida a Cristo. Poderíamos chamar isto de consagração. É a aceitação absoluta do senhorio de Jesus sobre a vida e todas as implicações que este senhorio exigir. Por fim, o cristão compromete-se a viver na dependência de Deus, sabendo que no Senhor ele é amado, protegido e guardado. Deus não vai sonegar a ele bem algum necessário. Ele não passará falta de nada conforme o Salmo 84.11. Deus e somente Deus é a razão da nossa existência.

III. As Implicações da Missão Integral

Os temas aqui propostos devem servir tão somente como ponto de partida para outras reflexões. Ao refletirmos sobre as implicações da MI devemos levar em consideração os nossos contextos: eclesiástico ou denominacional, bíblico-teológico e finalmente o cultural.

Empatia com o Povo

Empatia é “sentir o que se sentiria caso se estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por outra pessoa” (Dicionário Aurélio). Seria como colocar-se na situação do outro e calçar os seus sapatos, pois somente quando sabemos onde realmente o sapato aperta o nosso pé é que teremos empatia com o outro. Muitas vezes o nosso evangelho é muito teórico, pois temos as respostas para todas as perguntas e temos as soluções para todos os problemas. Os pastores, principalmente, são mestres em quase todos os assuntos da vida. Eles entendem de uma complicada doença, economia, casamento, política, carro, casa, seguro. Sabem como resolver os problemas da juventude e da velhice.

Devemos reconhecer que muitas das coisas que um pastor fala e aconselha, ele o faz sem nenhuma consideração pela pessoa à sua frente. Ele dá conselhos com a maior naturalidade e tem a mais absoluta certeza de que se a pessoa praticar o que ele está dizendo, todas as coisas serão solucionadas. Antes de nos aventurarmos a resolver os problemas das pessoas nós devemos ter:

Identificação

Até onde vai a nossa identificação? Qual é o limite da nossa inserção na vida dos outros? Na nossa identificação com o outro estamos dispostos ao sacrifício e até mesmo o sacrifício do tempo, dos bens, da posição, do conforto? Creio ser muito hipócrita atender as pessoas nos gabinetes acarpetados e não ter a mínima noção dos caminhos percorridos por alguém que sofre e geme as ingratidões da vida. Os “conselhos” que serão oferecidos não farão nenhum sentido para o outro.

Compaixão

Ter compaixão significa estar próximo de alguém e fazer alguma coisa para com aquela pessoa. A situação do outro nos comove e nos move a realizarmos alguma. A compaixão é um atributo de Deus e ele nos criou com a mesma capacidade. Pessoas destituídas de compaixão são as mais dignas de pena. As parteiras tiveram compaixão de Moisés (Ex 2.6). Neste caso significa que elas pouparam a sua vida.

Solidariedade

A identificação e a compaixão devem nos mover a um ato de solidariedade. Nós nos solidarizamos com a dor do outro. Aquela dor não é abstrata, ela é gerada de uma situação concreta e é nosso dever cristão perguntar: “O que eu posso fazer para ajudar você?” O cristianismo é a religião para outro e quando ele passa a ser a minha religião particular, privatizada, ele perde a sua essência e a sua beleza. O cristianismo somente sobrevive quando ele é dado, compartilhado. A fé em ação multiplica bênçãos e produz mais fé ainda.

Estilo de Vida Simples

Uma segunda implicação da MI é que precisamos refletir sobre o nosso estilo de vida. Devemos reconhecer que temos sido profundamente impactado e modelado pelo conceito do mundo sobre como deve ser a vida. Somos atropelados por uma propaganda massiva sobre o que devemos comer, vestir, morar, passear. Estar fora destes padrões é estar, literalmente, por fora.

Nossos jovens e adolescentes estão em rápido processo de falência quanto a identidade que eles devem assumir. Eles recebem uma educação em casa, outra na igreja, outra na escola e outra com os amigos. Eles não possuem pontos de referência. Os modelos da nossa juventude são modelos glamorizados pela televisão, filmes e novelas. Como incutir uma mentalidade de simplicidade de vida se o charme está em fumar Marlboro, dirigir um Jeep Cherokee e praticar alpinismo?

A Bíblia nos mostra outros tipos de heróis e heroínas. Pessoas que haviam aprendido a viver de maneira muito simples. Vejamos alguns destes exemplos:

Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: Mais bem-aventurado é dar que receber (At 20.35).
Apóstolo Paulo afirma: porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece (Fp 4.11-13).
Praticar as Demandas do Evangelho

O evangelho que nos foi confiado na tradição dos apóstolos traz uma demanda muito dura. Se alguém acha difícil as demandas dos dez mandamentos é porque ainda não leu atentamente as demandas que Cristo fez nas páginas dos evangelhos.

Ele resumiu o seu evangelho em basicamente duas colocações:

Amar a Deus acima de todas as coisas
Amar ao outro como se ama a Deus
Se isto estiver acontecendo continuadamente no meio da igreja, ela produzirá cristãos autênticos, comprometidos com a vida e com o reino de Deus. Esta igreja será sinal visível da presença redentora de Cristo no mundo.

IV. Os Desafios da Missão Integral

1. Nas mudanças rápidas impostas pela modernidade e pós-modernidade, a igreja dever ser o elo de ligação entre as pessoas.

2. Numa época impregnada pelo relativismo a igreja deve manter o conteúdo do evangelho.

3. Num período em que o que mais se leva em consideração é a experiência de cada um, a igreja deve lutar para manter vivo na memória da sociedade os conceitos eternos do evangelho.

4. Quando a privatização da religião torna uma realidade, a igreja não deve permitir que os ensinos de Cristo torne-se apenas uma das muitas opções presentes no mercado religioso.

5. Em uma época de consumismo desenfreado e pecaminoso, a igreja deve exercer domínio próprio, acentuar as prioridades do reino de Deus e ser padrão de conduta exemplar.

6. Enquanto o individualismo é levado ao extremo pela sociedade, a igreja valoriza a vida do outro através do serviço cristão, pois nada é mais poderoso do que o serviço abnegado em favor do outro.

7. Alguns outros desafios perenes na igreja evangélica:

O problema do nominalismo
O problema do materialismo
O problema da fragmentação
O problema do pluralismo

Conclusão

A pergunta que temos que fazer neste quase início de século é se a igreja como nós a conhecemos hoje será necessária na nova sociedade que está sendo construída.

Podemos afirmar que certamente a igreja institucionalizada está se tornando cada vez mais um mercado e que, portanto, atrai as pessoas com características consumistas. Pessoas que estão buscando, assim como num mercado, coisas específicas. E assim com num mercado, se elas encontram o que procuram, permanecem, caso contrário, vão procurar em outro lugar.

Algumas perguntas que talvez nem saibamos as respostas:

Para que afinal serve mesmo a igreja?
As pessoas estão dispostas a serem tratadas e curadas?
Quanto tempo alguém está disposto a conceder para ser tratado integralmente?
A igreja é comunidade terapêutica ou filantrópica? Ou ambas as coisas?
Existe espaço na igreja para compartilhar as aflições da alma e as dores do coração?
Missão Integral e crescimento de igreja podem caminhar juntos?
Albert Schweitzer afirmou: “A tragédia do homem é o que morre dentro dele enquanto ele ainda está vivo”. Poderíamos dizer que a tragédia da igreja é o que morre dentro dela enquanto ela ainda está viva.

Assim como foi profetizado o fim da história, será que chegamos ao fim da igreja? A igreja da Missão Integral está correndo sério risco de extinção. Cabe a nós, conscientes desta verdade, traduzir as boas novas de uma maneira significativa para um mundo em sofrimento e desordem.

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