Faça amigos

Autor: Daniel Costa

Assisti esta semana a um filme denso e terno ao mesmo tempo chamado “Fale com Ela”, de Pedro Almovoda, o qual conta a história de dois homens que se encontram em torno do destino de uma única mulher, e acabam por se tornarem amigos. Um chorava sempre que se emocionava porque não tinha ninguém com quem compartilhar as belezas, as sensações ternas que lhe encantavam a vida; o outro, um homem que nunca saiu de casa, mas que se apaixona por uma mulher que via da sua janela, da qual, mais tarde, acabou por se tornar enfermeiro devido a um acidente que a deixou em coma, mas vivia sempre feliz, porque por quatro anos amou aquela mulher, cuidou dela e falou com ela das belezas da vida, apesar do coma.
Mesmo com toda sua carga dramática, o filme trata na verdade da ternura do encontro da amizade, do encontro de duas pessoas que precisavam de alguém em quem confiar; que precisavam encontrar alguém para se relacionar sem julgamentos, mas com sinceridade, acolhimento e respeito. Eram duas pessoas que precisavam encontrar um amigo – “Amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito”. Quem encontra um amigo, encontra um tesouro. No entanto, eu sei que não é algo muito fácil de se achar nesses nossos dias marcados pelo egocentrismo, pela busca da realização pessoal, do próprio prazer, quando ninguém quer oferecer de si mesmo a outras pessoas.
Algum tempo atrás, almoçando com uma amiga, mulher que aprendi a admirar pela leveza do seu ser, pela lucidez de suas percepções e pela sinceridade de suas opiniões, falávamos do que denominamos o mal de nosso tempo: a solidão existencial. Pessoas cercadas de gente, mas que não têm em quem confiar, com quem contar, ninguém que as ouça de verdade. E lamentamos juntos a perda de relações significativas de amizade nesses nossos tempos. Foi então que ela fez uma colocação profunda: as boas novas do reino de Deus incluem o poder curador da amizade, porque, segundo as Escrituras, somente ela, e a relação sexual entre um homem e uma mulher que se amam, oferece igual poder de troca e interação entre duas pessoas. Então, eu agradeci pelos amigos que tenho, que conhecem a minha alma, com os quais posso falar.
Jesus disse que “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (João 15:13). Em seguida, diz algo revolucionário para nossa compreensão de Deus: “Já não vos chamo servos… Mas tenho-vos chamados amigos” (João 15:15). O tratamento e o nível de relação que Deus nos oferece em Jesus é o do poder da amizade. Quando aprendemos a ser amigos de Deus, nos tornamos mais seguros e livres para nos oferecermos em amizade ao nosso próximo. As boas novas do reino incluem a afirmação de que Deus se faz amigo de homens para que tenhamos o poder e condição de nos tornamos amigos uns dos outros. Madre Teresa de Calcutá disse certa vez o seguinte: “As pessoas de hoje estão famintas pelo amor, mas o amor que entende, que é a única resposta à solidão”. O mundo de hoje está carente do amor fraternal. A amizade precisa estar na base de todas as nossas relações, a primeira razão do amor, pois nela a virtude é o fundamento, a verdade seu alimento, a pureza seu desejo, a caridade seu trabalho e o acolhimento cheio de instrução na disciplina do seu caminho de vida.
Se há algo que podemos fazer de revolucionário nesse mundo como povo de Deus é vivermos a amizade e nos oferecermos como amigos. Nesses tempos onde o tema recorrente do coração das pessoas é a violência; onde a busca do sucesso é o grande ideal; onde gastamos todo o tempo que temos correndo atrás de fazer dinheiro; quero ir mais longe, mesmo que soe como utopia, quero tentar resolver o problema da solidão e indiferença na vida das pessoas. Faça amigos! Este é o grande desafio, sair de si mesmo e construir relações significativas de amizade. Ser marido e mulher, mas ser também amigos; pais e filhos, mas ser amigos; desenvolver com alguém a experiência descrita por provérbios: “Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão” (Pv 17:17). Fica mais fácil passar pelos momentos difíceis da vida quando se tem a ternura e as mãos dos amigos para contar.

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