Autor: Jonathan Menezes
Introdução
Bem, o evangelho… Ele é identificado como boas novas de Deus para a “casa da humanidade”. De Deus porque ele procede Dele (Mc 1.14), assim como quem foi a expressão máxima e verificável dessa mensagem, Jesus, também procedeu do Pai, sendo ele “um” com o Pai. O evangelho nasceu do coração de Deus como expressão de uma terna e incessante busca do Senhor por uma aproximação com o ser humano, distanciado dele em função do pecado.
O cunho “integral” é uma redundância – porque o evangelho não precisa desse nem de nenhum complemento, ele já é um todo. Certo, uma redundância, mas uma redundância que se fez necessária! Isso, porque nos deparamos nos últimos 50 anos com um evangelho esquartejado, fragmentado, isto é, com algumas partes sendo mais ou menos enfatizadas que outras. Se o evangelho corresponde às boas novas de Deus, a evangelização é o anúncio de um reino cujas premissas são precisamente essas boas novas. Logo, um evangelho concebido parcialmente gera uma evangelização e, por conseguinte, uma missão também parciais.
Isso começou a gerar incômodo em algumas pessoas – especialmente em países do terceiro mundo – cujo compromisso com o reino ia muito mais além de uma vida aburguesada entre quatro paredes: “triângulo da felicidade” (igreja-casa-trabalho), rígidas leis, práticas de piedade, bem-estar pessoal e prosperidade em todos os sentidos. Isso gera inquietude num povo marcado pela experiência de Jesus Cristo, que, “para santificar seu povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta”, de modo que nossa resposta não poderia ser outra senão a de também sair, pois, a ele, fora do arraial, levando nosso vitupério (Hb 13.12-13).
O teólogo costarriquenho Orlando E. Costas, um dos arautos desse movimento de “retorno” à vivência evangelho em sua integralidade na América Latina, faz uma interessante crítica sobre certa visão pragmática de evangelização e sobre o crescimento numérico da igreja evangélica, vigentes já na década de 80:
Quando lemos informes sobre o fenomenal crescimento numérico de algumas igrejas como resultado de seus esforços evangelizadores, e logo vemos como essas mesmas igrejas sacralizam o status quo, negando-se a mostrar um estilo de vida qualitativamente distinto e gerando obstáculos à transformação das instituições sociais, econômicas, culturais e políticas de sua sociedade, temos todo o direito de questionar a validade da ação evangelística dessas igrejas e sua fidelidade a mensagem da cruz. Dito de outra forma, a prática social de uma comunidade eclesial revela a qualidade de sua confissão. (Orlando Costas, Evangelización Contextual, p. 82).
Esse tipo de crítica nasce do discernimento de que a vivência da fé não pode estar separada de uma responsabilidade mais ampla com o todo criado por Deus, e de que missão, antes de tudo, é a ação de Deus por meio do Espírito Santo (o seu agente) visando resgatar a humanidade das situações de morte e pecado em que se encontra. O Espírito habita onde há liberdade, além de gerar e agir em liberdade. A igreja que compreende que ação do Espírito não está circunscrita a seu arraial e nem é seu monopólio, é aquela apta a ser agente com Deus dessa missão de transformação da realidade do ser humano como um todo.
O Espírito é irreverente e, portanto, promove as revoluções de Deus no meio da humanidade das formas mais inusitadas. Em função dessa consciência teológica mais atrelada à vida, ao humano, e de uma reflexão-ação missiológica integral, passa-se a demonstrar que Deus não é um ponto fixo e distante da história (“ele não vive longe lá no céu sem se importar comigo”, como diz a canção “Nas estrelas”), mas possui uma história, escrita por meio da encarnação de seu filho Jesus, que entrou em nossa história em solidariedade com a dor e a angústia humanas. Ele se identifica plenamente com a humanidade. Em especial, com as gentes crucificadas, injustiçadas e exploradas pela impiedade de outros humanos.
Ele faz “opções naturais”. E, ao fazer algumas opções, ele estabelece grupos de pessoas, os “bem-aventurados”, que têm “prioridade” no reino: os humildes de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça (Mt 5.1-12). Ele usa essas pessoas como modelo não porque são melhores que as demais, mas porque, dada a sua impossibilidade de alcançar êxito por suas próprias mãos (isto é, não têm “mérito” algum no que realizam), dependem exclusivamente da graça e favor divinos para viver; não têm nada mais além de Deus, assim podem pôr sua fé inteiramente Nele. Transpondo essa mensagem para a nossa realidade latino-americana, Orlando Costas fala sobre esses “privilegiados” do evangelho hoje:
São os povos autóctones e as minorias étnicas, os desempregados e os mal-pagos, os exilados, refugiados e imigrantes ilegais, os campesinos explorados e a subclasse social permanente que habita em guetos urbanos, subúrbios, favelas e lugares de miséria. São também as prostitutas, os presos, os alcoólatras e viciados em drogas; os idosos solitários e os jovens frustrados, as mulheres denegridas, os abusados, desprezados e os homossexuais rechaçados e deserdados (O. Costas, Evangelización Contextual, p. 85-86).
O mais interessante é que essas prioridades de Deus colocam à margem o que era central e no centro aquilo que é marginal: o maior é o menor no reino dos céus, e aquele que se humilha será exaltado – são princípios do evangelho, boas novas de um Deus interessado na justiça e restauração da dignidade ao ser humano. Deus parece ter paixão pelo marginal – enquanto nós, muitas vezes temos ojeriza. Os “centros” parecem estar quase sempre muito focados em si mesmos e na manutenção de suas estruturas. Assim, o Espírito encontra alternativas “comendo pelas beiradas”, promovendo suas revoluções a partir das periferias da vida. Senão, por que o Filho foi nascer justo em Belém da Judéia, e não em Jerusalém? Por que o lugar de sua criação foi Nazaré da Galiléia e a simplicidade de uma vida no campo, entre os plebeus, a não o conforto e as mordomias (dignas de “rei”) no interior dos palácios de Jerusalém?
Jesus sai do meio de gente desprezada e marginal, e passa a ser visto como um “comum” igualzinho a eles: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão?” (Mc 6.3), perguntaram os galileus ao se depararem com o Jesus profeta. Ele era muito galileu, muito humano, muito próximo deles para que pudessem enxergar o contrário. Todavia, as credenciais messiânicas de Jesus estavam precisamente em ele ter-se feito um desprezado, humano e pobre. E não apenas nisso, mas também, sendo Senhor e Rei, em ter-se feito servo de todos.
O texto de Marcos 3.1-6 é significativo para pensarmos nas prioridades do Reino e em como a vivência do evangelho requer muitas vezes confronto com as estruturas institucionais, religiosas e societárias (engessadas) predominantes. Após ter reinterpretado a Lei do sábado com autoridade e fundamento (2.23-28), Jesus se vê diante de uma situação prática: curar ou não curar no sábado?
Comentando o texto
O tema que me salta aos olhos aqui é, portanto, o da religião x vida; instituição x ser humano. O Evangelho nasce precisamente da ação de Deus em romper as barreiras e escravidão impostas pelos sistemas desse mundo, a fim de gerar libertação integral ao ser humano. É um Deus apaixonado pela vida e que ama e valoriza o humano acima que qualquer coisa.
*(v. 1) – O texto começa relatando um retorno de Jesus à Sinagoga. E o que importa aqui é ressaltar a “velha” polêmica (o homem ou o sábado? – 2.27).
- Por coincidência (ou não?), ali havia um homem com a “mão ressequida” – mão paralisada provavelmente por uma infecção nos nervos, que prejudicou a circulação sanguínea e a capacidade de movimento.
- Essa doença o marcava perante a sociedade: ela era sinal de maldição em Israel (1Rs 13.4-6; Zc 11.17).
*(v. 2) – Os fariseus estavam à espreita, como sempre, para achar alguma falta em Jesus. Essa passagem é um prova de que até mesmo eles criam no poder de Jesus em curar (como os demônios?).
*(v. 3) – Percebendo aquilo, Jesus o chama “para o centro”. Essa atitude é duplamente provocativa: (a) Jesus, como foi dito, costumava inverter as prioridades – traz p/ o centro aquilo que está à margem; (b) faz perguntas retóricas aos fariseus: o bem ou o mal? A morte ou a vida? (ver Dt 30.15-20).
*(v. 4) – Diante de Jesus, os fariseus emudecem: 1) para não ferir a própria lei; 2) para não dar o “braço a torcer”, a fim de não contradizer sua própria forma de espiritualidade. Sem debate algum, a resposta foi dada!
*(v. 5) – O silêncio dos fariseus deixa Jesus profundamente indignado: como podem líderes que falam “em nome de Deus” terem a mente e o coração tão fechados? Em que se sustenta seu discurso austero sobre Deus e a “boa religião”?
- Em uma obediência cega ao mandamento, que se recusava a refletir; negava a própria dinâmica da lei em relação às dinâmicas da vida.
- “A letra mata” (2Co 3.4-6); servimos na novidade do Espírito e não caducidade da letra (Rm 7.6). Entre o jugo, as algemas e estreitas imposições da religião, e a opção pela libertação, cura e vida plenas, Jesus escolhe, outra vez, a vida. Ele tem paixão pela vida.
Em Jesus, não apenas a mão daquele homem foi restaurada, mas houve uma libertação integral, por pelo menos três razões:
(a) Ele saiu da margem e veio para o centro. As pessoas são mais importantes que as instituições. Essa é a mensagem de Jesus aqui. Mas, muitas vezes, amamos mais as instituições que as pessoas, e isso deve ser motivo de preocupação.
(b) Recebe amor, perdão e salvação. Jesus ama aquele homem à medida que o chama para o centro, dando importância a ele como pessoa. Ele o perdoa, porque não lhe imputa maldição alguma. E ele salva quando escolhe fazer a cura (não há tensão aqui entre curar e salvar).
(c) Sua dignidade como pessoa é restaurada por meio da cura. Ele não precisaria mais viver à margem da sociedade por causa de sua doença. Poderia olhar as pessoas nos olhos, sem vergonha, e viver normalmente como qualquer pessoa, respirando a vida com mais intensidade.
Considerações finais
(1) Confrontados por uma encruzilhada que nos coloque entre a vida e a morte, o bem e o mal, não podemos nos esconder atrás da religião. A omissão é tão ou mais fatal do que os muitos pecados que a “convenção” nos leva a rechaçar (Ex. beber, fumar, adulterar, vícios, etc.).
(2) Devemos lutar para que a vida seja preservada, contra as intolerâncias e pragmatismos religiosos de nosso tempo. Muito preocupados em “não-fazer” uma série de coisas, deixamos de fazer o bem que nos cabe. Não servimos a um Deus sádico, mas a um Deus de amor, graça e misericórdia.
(3) Nossa missão de amar as pessoas indistintamente implica em romper com as barreiras de lícito e ilícito, sagrado e profano, mais e menos “espiritual” do nosso universo religioso (ler Tg 1.10-16).
(4) Mentes e corações corrompidos geram imposições falsas, contra uma falsa “corrupção”. Todas as coisas passam a ser santas para aqueles que são santos no Senhor.
(5) A verdadeira corrupção, porém, precisa ser combatida; essa corrupção que gera injustiça, miséria e dor, e que tanto tem se proliferado no nosso país. Como disse, parte de nossa missão é não nos omitir perante as escolhas que o próprio Deus fez: pela vida, pela justiça, pelo amor, paz, alegria e esperança. Esperança de dias melhores na “casa da humanidade” e de uma vida vindoura na eternidade, onde não haverá mais lágrima, choro ou dor.
Mas, e até lá? Empunharemos a bandeira da esperança apenas como um ideal vazio, ou a vivenciaremos de maneira concreta, nas lutas pela paz, pela justiça, dignidade e igualdade entre os seres humanos? Não basta falar de esperança, é preciso lutar para que ela se mantenha viva. Como afirma Orlando Costas, “o signo de esperança para o mundo que provê o o Espírito na comunidade eclesial se confirma no serviço libertador do povo de Deus em favor da humanidade. Falar de esperança para um novo mundo, sem participar em esforços concretos para fazer desse mundo um melhor lugar de vida, é negar essa mesma esperança; com efeito, é fugir para uma abstração vaga do outro mundo, que paraliza a força transformadora da missão escatológica do evangelho e termina sacralizando o status quo. A esperança para a redenção do mundo sem a ação redentora no mundo é uma blasfêmia” (Costas, Evangelización Contextual, p. 80).
Encerro com a profética canção de Tom Zé e Ana Carolina, “Brasil Corrupção”:
Neste Brasil corrupção pontapé bundão
puto saco de mau cheiro do Acre ao Rio de Janeiro
Neste país de manda-chuvas cheio de mãos e luvas
tem sempre alguém se dando bem de São Paulo a Belém
Pego meu violão de guerra pra responder essa sujeira
E como começo de caminho quero a unimultiplicidade
Onde cada homem é sozinho a casa da humanidade
Não tenho nada na cabeça a não ser o céu
não tenho nada por sapato a não ser o passo
Neste país de pouca renda senhoras costurando
pela injustiça vão rezando da Bahia ao Espírito Santo
Brasília tem suas estradas mas eu navego é noutras águas
E como começo de caminho quero a unimultiplicidade
Onde cada homem é sozinho a casa da humanidade
(“Brasil Corrupção”. Ana Carolina e Tom Zé).
A MENSSAGEM DA IGUALDADE.
“O rico não dará mais, e o pobre não dará menos. Êxodo 30.15
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As Santas Escrituras (“Velho Testamente”)sugerem “conduta assumida” ante suas mensagens. SER OU SER, obediantes aos livre arbítrio.