Autor: Walter Cruz
Sentou-se na guia. Vinte e três de dezembro. Não conseguira nada. Tentaria chorar todas as lagrimas ali mesmo, antes de subir o morro novamente. Nos outros anos, havia pelos menos um franguinho. Esse ano, nem isso.
Foi quando aconteceu.
Ele veio andando. Passo imponente. Terno claro. Maleta de executivo. Alto. Barba bem feita. Sentou-se silenciosamente ao seu lado
Estavam agora os dois, lado a lado. Um, uma bota usada, jeans surrado e uma camiseta de propaganda política que havia ganhado meses atrás. O outro, parecia-lhe um príncipe. Mas, pensou, o lugar de um príncipe não era ali.Será que havia algo de errado com ele? Talvez ele estivesse passando mal. Respirou fundo e junto o último resto simpatia que lhe restara após aquele dia amargo.
– Bom dia sinhô. O sinhô carece de algo?
Recebeu um sorriso de volta
– So me sentei aqui para descansar um pouco.
Pareceu-lhe totalmente descabida essa frase. Mas gente rica era dada a essas estranhezas…
– E não me chame de sinhô não. Sou gente gente igual a você.
– Sim sinhô, disse escondendo as lagrimas.
– Mas diga, você tem um nome, não?
– Tenho sim sinhô.
– E qual é?
– Alberto.
– Então diga-me Alberto, você gosta de pescar?
– Gosto sim sinhô. Pesquei muito quando era criança.
– Não me chame de sinhô, já lhe disse. Meu nome é Pedro. Já ouviu falar de Jesus.
– Já ouvi um pouco sinhô Pedro. A modo de que?
– Ele era amigo dos pescadores. Sabia disso?
– Sabia não sinhô.
– Uma vez, um outro Pedro igual eu passou a noite inteira no mar e não pegou nada…
Aquela conversa pareceu-lhe totalmente sem pé nem cabeça. Mas agora queria ver onde ia dar.
– E o que aconteceu?
– De manhã cedinho, quando Pedro tinha chegado na praia, alguém na praia pediu-lhe algo de comer.
– E ele não tinha nada, né sinhô? – Lembrou-se que logo seus filhos iam lhe pedir algo para comer.
– Não, na tinha. Mas algo engraçado aconteceu Alberto. O cara na praia disse que lançassem a rede no lado direito do barco. Já pescou de rede?
– Não sinhô, só de vara seu Pedro.
– Pois bem, o fato é que a rede se encheu de peixes.
– Puxa seu Pedro, que historia danada de boa. Quem era o homem na praia. Era o tal Jesus?
– Sim Alberto, o homem era o tal Jesus.
Por um instante ele quis encontrar o tal Jesus. Achava que ele podia ajudá-lo.
– Mas deixe-me ir que estou atrasado. Foi um prazer conversar com você Alberto.
– Foi bom proseá com o sinhô também seu Pedro.
“Gente excêntrica”, pensou. Pelo menos, havia parado de pensar na sua pobreza. Foi quando olhou para a direita, onde estava sentado o seu Pedro. Contou as notas. Três de cinqüenta, três de um. Correu atrás dele.
– Seu Pedro, acho que esse dinheiro é seu. Tava onde o sinhô tava sentado.
– Tava é?
– Tava sim.
– Mas num é meu não. Pode ficar pra você.
Ainda insistiu com ele. Mas o tal de Pedro não batia bem da cabeça não.
Ia subir o morro. Mas antes tinha de achar um padre que lhe contasse direito a historia que seu Pedro lhe contou.
– Ora, mas está no evangelho essa história Alberto…
Lembrou como gostava de ouvir o nome. Sentia-se mais gente.
– O sinhô podia ler pra mim seu padre?
O padre pareceu meio aborrecido a principio, mas acabou cedendo.
– “Simão Pedro, entrou no barco e arrastou a rede para a terra, cheia de cento e cinqüenta e três grandes peixes; e não obstante serem tantos, a rede não se rompeu. Disse-lhe Jesus: Vinde, comei. Nenhum dos discípulos ousava perguntar0lhe: Quem es tu? Porque sabiam que era o Senhor”.
Naquela noite, Alberto também soube.
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