Autor: Pollianna Milan
Ensino religioso e casamento estão entre os principais pontos criticados, mas a maior parte da concordata já estaria prevista na legislação brasileira
Publicado em 27/08/2009
A legalidade do casamento feito somente na Igreja Católica e a oferta, mesmo que optativa, do ensino religioso nas escolas públicas são dois assuntos que devem esquentar as discussões entre parlamentares, religiosos, juristas e professores. Os temas fazem parte da concordata, acordo que poderá ser firmado entre o Estado do Vaticano e o governo federal. Em linhas gerais, o documento, se sancionado pelo presidente Lula, irá regularizar a personalidade jurídica das instituições eclesiásticas católicas e terá valor de lei ordinária.
O acordo prevê que o ensino religioso católico, e de outras religiões, pode ser oferecido, de maneira facultativa, nas escolas públicas de ensino fundamental. Para o professor Sylvio Fausto Gil Filho, especialista em geografia da religião da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a concordata fere até mesmo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). “No Paraná, por exemplo, a questão do ensino religioso é discutida há 12 anos. Depois de muita análise, ficou estabelecido que esta disciplina só pode ser estudada a partir de uma visão científica. Não deve ser tratada como fenômeno teológico, mas no sentido amplo, de como ocorrem estas manifestações religiosas no mundo”, diz. Já para o sociólogo da UFPR Gustavo Biscaia de Lacerda, o artigo 11 é tendencioso porque destaca a religião católica. “Os defensores do acordo dizem que a palavra católico está ali porque, pela lógica, trata-se de um documento da Igreja Católica. Mas há reflexos sociais e políticos se o acordo for aprovado. A religião católica vai ter preferência no ordenamento jurídico brasileiro, e um Estado que se declara laico não pode ter doutrina”, explica Lacerda.
Os artigos
Conheça os pontos mais polêmicos do acordo que pode ser firmado entre a Santa Sé e o governo brasileiro:
Patrimônio
O governo assegura as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e dos objetos culturais contra toda forma de violação (o que já é previsto na legislação)
Cursos superiores
O Estado reconhece, como gra¬dua¬ção, cursos como o de Teologia mi¬nistrados em seminários (hoje, isso ocorre apenas com cursos de ins¬tituições reconhecidas pelo MEC).
Ensino religioso
O ensino religioso, católico e também de outras confissões religiosas, pode ser ofertado, como disciplina facultativa, em escolas públicas de ensino fundamental.
Casamento
O casamento, feito na Igreja Católica, vale como registro civil se seguir as determinações legais.
Vínculo empregatício
Os ministros e fiéis que voluntaria¬mente prestam serviços à Igreja não têm vínculo empregatício (já é o en¬tendimento da Justiça do Trabalho)
Estrangeiros
Os bispos terão liberdade de pedir a concessão do visto em nome de estrangeiros que vão exercer atividade pastoral no Brasil.
Leia a íntegra da concordata
O relator do acordo, o deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), diz que o artigo 11 não fere a Constituição porque o Estado, mesmo sendo laico, tem uma sociedade extremamente religiosa. “Acredito que o Estado tem obrigação de cuidar de seu povo, protegê-lo e dar apoio às associações religiosas”, exemplifica. O secretário-geral da Con¬¬fe¬¬rência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, afirma que o acordo – do modo como será feito – respeita a laicidade. “Duas entidades autônomas e independentes podem, eventualmente, ser parceiras. O ensino religioso não é catequese, é área do conhecimento também porque discute as outras religiões. Além disso, é optativo”, ressalta.
Casamento
O acordo pede ainda que o casamento celebrado apenas no religioso (sem passar pelo cartório), desde que em conformidade com o Direito brasileiro, tenha validade civil. Assim, se a Igreja julgar também a nulidade do casamento, esta decisão seria acatada pelo Estado, como se fosse o divórcio da legislação brasileira. “Isto é questionado juridicamente. Se o acordo for sancionado, o Estado perderia a autonomia de legislar a respeito deste tema porque, em tese, teria de conversar com a Santa Sé também”, afirma o juiz federal e especialista em Direito Internacional Frie¬¬dmann Wendpap. Para o secretário-geral da CNBB, o acordo não impede que a pessoa recorra à legislação brasileira para pedir o divórcio. “Se, no futuro, o governo mudar a legislação, isso poderá ser revisto também”, explica. Wendpap ainda acrescenta que todos os artigos da concordata já são, de alguma forma, previstos na legislação brasileira.
Em novembro do ano passado, o acordo foi assinado entre os diplomatas do Brasil e do Vaticano e, nos próximos dias, deve ser votado na Câmara Federal. Depois se¬¬gue para o Senado e, se aprovado, vai para sanção presidencial. Para o bispo Geraldo Tenuta, da Con¬¬federação das Igrejas Evangélicas Apostólicas do Brasil, se o acordo for sancionado ele irá abrir precedentes para que as outras religiões também tenham o mesmo direito. No Congresso Nacional já existe um projeto de lei, de autoria do deputado George Hilton (PP-MG), que estenderia as decisões da concordata a todos os outros grupos religiosos no Brasil.
A ONG Católicas pelo Direito de Decidir, que apesar do nome não tem o reconhecimento da Igreja, divulgou anteontem uma pesquisa feita pelo Ibobe segundo a qual 75% dos católicos seriam contrários ou teriam restrições ao acordo. A ONG, no entanto, não explicou se a pesquisa também avaliou o nível de conhecimento dos entrevistados sobre o teor da concordata.
Fonte:
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=918666&tit=Especialistas-criticam-acordo-com-Vaticano
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