Ecumenismo e reconciliação

Autor: José Broa
APRESENTAÇÃO

Porquê e como surgiu a paixão pelo Ecumenismo em terras brasileiras? A razão do porquê nasce das divisões que assolam a humanidade, quer sejam econômicas, políticas, sociais e religiosas. Como cristão e cidadão dum país denominado Angola (África), tomei a consciência de dar o meu contributo neste pedaço de pastoral para a qual a Igreja Católica desde o Concílio Vaticano II deu seu voto favorável para o empenho com as outras denominações cristãs. E esta paixão minha tem suas fontes na realidade do meu país em particular e, em geral dos países do continente que conheceram suas independências na década dos anos 60, pois antes estiveram sob o domínio colonial que desrespeitou as culturas dos povos encontrados.
No caso de Angola, ela precisa de caminhar mais e mais para as diversas realidades duma nação mais estruturada e que possa viver uma fase de reconstrução nacional que passa indubitavelmente pelo diálogo aberto e fiel que reuna as famílias desavindas.

Esses sintomas tiveram maior influência na escolha do tema, pois, as divisões dos cristãos ao longo dos séculos V e VI, nas chamadas “Igrejas Orientais”, afastadas pelo monofisismo; a provocada de modo “oficial”, no século XI (1054), na Igreja dividida entre oriente e ocidente; a produzida no interior da Igreja do Ocidente, durante o século XVI, entre as chamadas “reformas protestantes”, por um lado e a “Igreja Católica Romana”, por outro.

Obviamente a partir do contato da minha pastoral ecumênica, pela região Ipiranga, Regional Sul I, motivei-me irresistivelmente em aprofundar o ecumenismo, trabalhando com os relatórios do Movimento de Unidade dos Cristãos – MOFIC.

Deste modo, a busca de unidade dos cristãos por este órgão, define o que é o ecumenismo.

Este trabalho compreende 7 capítulos refletindo o Ecumenismo vivido pelo MOFIC. É uma realidade que deve ser considerada, visto que as diversas posições que emergem, refletem o grau de maturidade e o consenso tomado pelos membros dessa instituição ecumênica. A partir da experiência do MOFIC, podemos sim, tirar algumas pistas de como devíamos trabalhar a questão da unidade nos nossos locais de ação para sermos mais pragmáticos. Portanto, o fio condutor desta reflexão não prescindi do diálogo e da capacidade no poder de escuta do diferente, considerando-o nos seus valores, na sua tradição religiosa e no seu valioso contributo de que juntos podemos refletir e juntar forças para testemunharmos ações promotoras duma vida plena de mais humanidade. O 7º capítulo, está consagrado exclusivamente a Dom Paulo Evaristo Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo. Não podíamos ignorar pura e simplesmente seu contributo e o mérito que merece, pois, a ampliação do espaço ecumênico e não só, sua dedicação na defesa da vida da pessoa humana deve-se a ele. Estão aí, refletidos os grandes desafios se quisermos viver aquilo que está expresso em Jo 17,21 “que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que todos eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste”. Efetivamente todos somos convidados a não ignorar essa realidade que conosco convive no nosso cotidiano e, daí a razão pela qual preferi intitular a minha síntese: O Ecumenismo e reconciliação.

CAPÍTULO I
ECUMENISMO VIVIDO: MOFIC

O Movimento de Fraternidade de Igrejas Cristãs (MOFIC) é uma associação de caráter ecumênico, integrada por Igrejas, cujos membros confessam a redenção em Jesus Cristo, que nos faz todos irmãos e irmãs, pelo Batismo, e membros de seu corpo, a Igreja. Ele surgiu em São Paulo aos 27 de abril de 1977 com a participação de leigos, pastores, padres e religiosos das Igrejas-membros.

A oficialização mais solene vem com o primeiro compromisso assumido pelas Igrejas fundadoras cuja assinatura deu-se em 9 de junho de 1984: pela Igreja Episcopal da Comunhão Anglicana, assinou o Bispo Sumio Takatsu, pela Igreja Católica Romana, D. Paulo Evaristo Arns, pela Igreja Evangélica Confissão Luterana no Brasil, Pastor Murl Eugenio Foehringer, pela Igreja Metodista no Brasil, Pastor Ronaldo Sthler Rosa. Este ato teve lugar na Igreja Metodista da Luz, Avenida Tiradentes, 53. Este compromisso foi renovado pelas atuais Igrejas-membros em 18 de maio de 1991, na Igreja Presbiteriana Unida, Jardim das Oliveiras, na Alameda Jaú. Pela Igreja Episcopal da Comunhão Anglicana, assinou o Bispo Glanco Soares de Lima, pela Igreja Católica Romana, D. Paulo Evaristo Arns, pela Igreja Presbiteriana Unida, Pastor Joel Soares, pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Pastor Herman Wille, pela Igreja Metodista no Brasil, Pastor José Carlos de Souza e pela Igreja Armênia Apostólica, Bispo Ohannes Datev Karien.

No dia 18 de novembro de 1992, o MOFIC foi reconhecido como representação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, CONIC, na cidade de São Paulo.

O objetivo geral da associação pode ser definido como um esforço para desenvolver o Espírito de fraternidade e de cooperação entre Igrejas Cristãs em São Paulo (cf. reconcilicao@cidadanet.org.br ‘MOFIC’).

No cumprimento do objetivo geral a associação procura concretizar o ideal elevando as comunidades religiosas de São Paulo a viverem momentos e movimentos que as possam fazer sentir que o ecumenismo é desejado e exequível. Por isso ela procura:
a) implementar o Compromisso de Unidade dos Cristãos assinado por autoridades eclesiásticas, perante o Povo de Deus na celebração da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, na véspera da festa de Pentecostes em 1984.
b) planejar, promover e avaliar as suas atividades ecumênicas realizadas em São Paulo, nas áreas de oração, celebração, estudo e ação social.
c) colaborar com outros movimentos, pastorais e entidades nas atividades ecumênicas que realizam.
d) representar o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs na cidade de São Paulo.

São muito numerosas as ocasiões em que esse movimento pode ser posto em prática. Atualmente promovem-se ou colabora-se na promoção de:
Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, Semana Teológica Ecumênica entre faculdades e seminários das Igrejas Católicas, Metodistas, Presbiterianas e outras, Celebrações Ecumênicas no Advento, formaturas e em outras ocasiões Estudos Bíblicos, Seminários, Programas de rádio, Encontro de Dirigentes Cristãos de São Paulo, Encontro de grupos, entidades ecumênicas etc…

Na animação do movimento muito tem contribuído a conta de intenções do MOFIC, (idéia expressa no compromisso dos membros dessa instituição) cujo texto é expressão da teologia e da ação que se quer desenvolver:
Nós, membros de diferentes confissões cristãs, redimidos por Jesus Cristo, que nos fez todos irmãos, pelo batismo, membros do seu corpo – a Igreja (cf 1Cor12).

1. Confessamos nossa firme convicção no conteúdo das palavras do apóstolo Paulo “Há um só corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação com que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, há um só Deus e Pai de todos, por meio de todos e em todos”(Ef 4,4-6).

2. Cremos que, na busca para superar o escândalo das nossas divisões (cf 2Cor 6,3), aquilo que nos une é mais importante do que aquilo que nos separa. Estamos unidos em uma autêntica comunhão universal dos fiéis que ainda peregrinam na terra com a imensa multidão de testemunhas mencionadas nas escrituras (cf Hb 11; 12,1-2), pois somos de Cristo, e Cristo é de Deus (cf 1Cor 3,23).

3. Reconhecemos o tesouro inesgotável de dons espirituais e heranças históricas que não nos separam, mas nos enriquecem mutuamente e respeitamos o direito de nos unir em diferentes confissões da única Igreja, conforme nossos peculiares posicionamentos doutrinais, expressões de culto e normas disciplinares, sem prejuízo da unidade em torno do soberano Pastor (cf Rm 12,3-10), fundamental para que o mundo creia (cf Jo 17, -21-22).

4. Declaramos engajados, sob a ação do Espírito Santo, no esforço para superar os preconceitos que causam as nossas infelizes divisões, lamentando profundamente qualquer nova retaliação do corpo de Cristo.

5. Manifestamos nossa culpa perante a triste realidade do povo, por causa de nossas omissões, iniciativas isoladas, auto-suficiências, falta de diálogo e, por isso, pedimos perdão ao Senhor e aos irmãos por não estarmos cumprindo devidamente a missão que Cristo nos confia (cf Jo 13,35).

6. Comprometemo-nos a denunciar as forças que geram a morte, entre as quais o desemprego, a fome, o abandono do menor, a falta de participação política, a precária situação da saúde, o deficiente sistema educacional, o problema habitacional, a discriminação da mulher, a manipulação dos meios de comunicação, o racismo, a idolatria do dinheiro e do poder, bem como, a anunciar a vida que se concretiza na união do povo e na unidade da Igreja.

7. Assumimos, a partir de agora, o compromisso de trabalhar sempre juntos e de dar sinais de nossa união em Cristo, testemunhando ecumenicamente, por meio da oração e ação comuns, o evangelho no mundo de hoje.

Na verdade os encontros mantidos entre os dirigentes e agentes de pastoral do Ecumenismo vivenciam a dimensão dialogal. Isso está bem claro em todos os relatórios.

Existem muitos trabalhos feitos em comum sobretudo os de pastoral urbana. Eles têm a consciência plena do seu dever: “o mundo é campo de missão para todos nós e é preciso reconhecer a importância do pluralismo..

CAPITULO II
O ECUMENISMO COMO SITUAÇÃO
1. O NOME “ECUMENISMO”
O termo ecumenismo não é de fácil compreensão intuitiva. Abrange muitos sentimentos e experiências diferentes. Torna-se necessário ir à sua raiz para conhecer sua procedência.

A palavra oikoumene pertence a uma família de palavras, do grego clássico, relacionadas com termos referentes à moradia, ao assentamento, à permanência. Alguns termos – raiz dessa família:
– Oikos: casa, vivenda, aposento, povo.
– oikeiotês: relação, aparentado, amizade.
– Oikeiow: habitar, cohabitar, reconciliar-se, estar familiarizado.
– Oikoumene: terra habitada, mundo conhecido e civilizado, universo.
A raiz primeira da qual são hauridos outros termos é, pois, Oikos, casa, lugar em que se mora, espaço habitável e habitado. Oikoumene será por conseguinte, o mundo habitado em que coexistem diferentes povos, com diversidade de línguas e culturas. Porém, em seu sentido primeiro e mais óbvio, seria a “terra habitada pelos helênicos”, isto é, por um povo civilizado que oferece uma cultura aberta a todos, dando essa unidade básica de cosmovisão exigida por uma civilização autêntica. Daí decorrem que oikoumene chegou a ser entendido como o “mundo habitado” até onde se estendia a influência grega, porque para além das fronteiras helênicas ficava o mundo dos bárbaros. Logo as perspectivas geográfica e cultural, entrelaçadas, aparecem como o significado primeiro da palavra ecumenismo.

Roma oferecerá, mais tarde, uma perspectiva política, a “pax romana” será o símbolo da oikoumene, a todos, os povos que aceitam viver sob a influência do “mundo civilizado”, identificado com o império romano.

Este termo aparece também na literatura bíblica. No Novo Testamento é empregado em quinze ocasiões, recuperando em algumas delas o antigo sentido do mundo (At 11,28) ou do império romano (Lc 2,1). Na Epístola aos Hebreus (2,5), enfatiza-se de maneira especial o caráter transitório da presente oikoumene, para afirmar com vigor a chegada iminente de uma nova e transformada oikoumene, regida diretamente por Jesus Cristo.

Em perspectiva neotestamentária, oikoumene, deve ser entendida, ao que parece, como um processo em contínuo desenvolvimento que se inicia como a “terra habitada”, que vai se tornando “lugar habitável”, a casa em que cabe toda a família humana e cuja a realidade não se encerra na fronteira imanente da história. A resposta do homem nesta terra diante do chamado de Deus é como o germe de uma nova oikoumene, em que o homem torna-se partícipe dessa obra de Deus.

Quanto ao cristianismo, o termo oikoumene – de acordo com a trajetória bíblica – é usado nas acepções já conhecidas: mundo, império romano, mundo civilizado etc. A palavra é introduzida na linguagem eclesiástica oficial quando o concílio de Constantinopla (381) dá ao concílio de Nicéia – celebrado em 325 – a denominação de “Concílio ecumênico”. A partir desse momento o termo “ecumênico” designará as doutrinas e os usos eclesiais que são aceitos como norma de autoridade e dotados de validade universal em toda a Igreja.

Com a queda do império romano, obviamente o termo deixa de ter conotações políticas transitando para um sentido de uso exclusivo eclesial: a oikoumene é a Igreja universal. Sobresaiem três personagens designados “doutores ecumênicos”: Basílio, o Grande, Gregório de Nazianza e João Crisóstomo. A partir daí a palavra é empregada para designar os Concílios que falam em nome de toda a Igreja. Para a Igreja Católica, um concílio é ecumênico quando toda a Igreja espalhada pelo mundo tiver aceitado suas decisões. Por esses motivos segue-se que essas Igrejas falam somente dos sete concílios ecumênicos pelo fato de neles estar exposta a “doutrina ortodoxa” aceita por todas as Igrejas do Oriente e do Ocidente.

Em 1846 é constituída em Lourdes uma aliança Evangélica com a finalidade de preparar um “concílio ecumênico evangélico universal”, cujos participantes pertencem a diferentes denominações.

Não obstante isso, o uso do termo não goza ainda de muita aceitação. Na Conferência Missionária Mundial de Edimburgo (1910), o título de “ecumênica” é eliminado, devido a ausência das Igrejas ortodoxas e católica – segundo seus organizadores – torna-se inadequado seu uso.

Com a Conferência de Oxford (1937), o termo “ecumênico” terá o cunho de relações amistosas entre as diferentes Igrejas com o expresso desejo de realizar a Una Sancta e de estreitar a comunhão entre todos os fiéis em Jesus Cristo. Só após da fundação do Conselho Ecumênico das Igrejas – em Amsterdã (1948) existe a preferência de referir-se a ele como Conselho Mundial de Igrejas, exprimindo o propósito de reconciliação das Igrejas cristãs como expressão visível da “universalidade do cristianismo” e como sinal “para que o mundo creia”.

Às primeiras acepções de tipo geográfico, cultural e político acrescenta-se a referência à Igreja, tanto à Igreja espalhada pelo mundo como, mais tarde, no interesse pela tarefa missionária e no desejo inequívoco de unidade cristã que contagia as diversas Igrejas separadas durante séculos3.

2. OS CAMINHOS DA DIVISÃO

A religião de Cristo vive a realidade da história do seu passado. É sabido que a história do cristianismo abarca diferentes épocas e situações, principalmente na Europa, durante vinte séculos. Contudo, desde os seus momentos iniciais houve quem saísse para evangelizar os povos que viviam muito além do espaço europeu. Este testemunho constata-se através da presença de missionários que chegaram ao sul da Índia poucas décadas depois da morte de Jesus Cristo, como também a evangelização da Etiópia e do Norte da África, além – naturalmente – da presença cristã no Oriente Médio e na Ásia Menor4. As divisões estagnam a comunhão entre grandes setores de cristãos e se mantiveram até hoje:
– As que ocorrem ao longo dos séculos V e VI, nas chamadas “Igrejas Orientais”, afastadas pelo monofisismo.
– A provocada de modo “oficial”, no século XI (1054), na Igreja dividida entre o oriente e o ocidente.
– A produzida no interior da Igreja do Ocidente, durante o século XVI, entre as chamadas “reformas protestantes e anglicana”, por um lado, e a “Igreja Católica Romana”, por outro. Mas essas divisões produzidas pelas reformas do século XVI tiveram conseqüências, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, em novas Igrejas surgidas do seio do protestantismo e do anglicanismo, e sobretudo através da obra missionária desenvolvida nos países hoje chamados do terceiro Mundo5. De fato, foi a partir do século XVI, que o cristianismo começou a se fazer presente em terras da América, da Ásia e da África. Desse modo chegou a se concretizar a universalidade, a catolicidade da Igreja, que corresponde à catolicidade da fé: o cristianismo não é uma religião exclusiva de um povo ou de uma cultura, mas deve ter raízes na vida de todas as nações, abrindo-se às suas tradições e a seus valores.

Constata-se que o amplo progresso do movimento missionário do cristianismo ocorreu quando o corpo de Cristo mostrava suas grandes dilacerações. É verdade que desde os primeiros tempos da história surgiram cismas que dividiram as comunidades cristãs: o marcionismo e o arianismo criaram situações desse tipo. Mas, as divisões que perduram hoje entre as Igrejas são as que se concretizaram entre os séculos XI e XVI. Quando as Igrejas se lançaram à evangelização dos povos que estavam fora das fronteiras e do Oriente Médio, elas já conheciam a dor e a tragédia de estarem divididas.

Esse fato vai indubitavelmente contra a credibilidade da proclamação do Evangelho de Jesus Cristo. Jesus anuncia o Reino de Deus. Dificilmente o mundo poderá crer neste anúncio se os que o fazem competem entre si. O “Reino dos Céus” significa que a presença de Deus em Cristo chega a ser “tudo em todos”. São Paulo expressou muito bem o objetivo de toda obra missionária ao escrever aos Colossenses enfatizando que para entrar no novo tempo que Deus abriu na história através de Jesus Cristo, somos chamados a ser homens novos. “Já vos despojastes do homem velho com todas as suas obras, e vestistes o novo que se vai renovando no sentido do verdadeiro conhecimento segundo a imagem de quem o criou. Então não haverá nem judeu nem grego, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas somente Cristo que será tudo em todos”(Cl 3, 9b-11).

Deus procura concretizar a unidade de todo o seu povo: superar as divisões, derrubar as barreiras, abrir canais de compreensão e diálogo entre todas as nações e entre os grupos sociais. Como aceitar uma mensagem que proclama a unidade se os que dão testemunho dessa mensagem estão separados e sem comunicação?

Quem participou ativamente do movimento missionário tomou consciência desta situação. As divisões da Igreja eram (e ainda o são hoje) um escândalo especialmente para aqueles que pertenciam a povos que não haviam recebido a herança histórica judeu-cristã. Por isso que a partir do século XIX, entre vários setores do movimento missionário, surgiu a necessidade de relacionar com a unidade dos cristãos o propósito de Deus de reunir todos os povos num só, em seu povo. Dessa tomada de consciência se definiu o movimento ecumênico.

Colocados estes pressupostos, emerge uma pergunta pertinente para a nossa reflexão: qual é a praxidade para o ecumenismo progredir? Quem nos vai ajudar a responder é o Decreto “Unitatis Redintegratio” do Vaticano II no seu nº 5 “A solicitude para instaurar a união se impõe a toda a Igreja, tanto aos fiéis como aos pastores e afeta a cada um em particular, de acordo com sua capacidade, quer na vida cristã quotidiana, quer nas investigações teológicas e históricas”. De fato é necessário que haja discussão a níveis: leituras tradicionais, sobre o mistério “serviço”, o lugar dos fiéis (“vivência”). Numa palavra – o movimento ecumênico deve trazer modificações humanas na fé da Igreja.

Parece-nos que aí está o papel de todos os homens e mulheres de boa vontade colaborarem nessa obra com o declínio do século e coroá-lo de êxitos e assim pudéssemos concretizar aquilo que está expresso pelo Vaticano II., no nº 5.

Deste modo glorificaríamos a história da Igreja que durante o século XX foi alvo de acontecimentos de vulto na humanidade. Esses fatos deram origem a vários processos que de maneiras diversas ajudaram a renovação das instituições cristãs. Alguns desses processos ainda estão longe de se cristalizar. É o caso do movimento ecumênico, que se nutriu de outros esforços de renovação de vida cristã. A compreensão do caminho em direção à unidade dos cristãos só é possível se se leva em conta a evolução do movimento missionário desde o final do século passado, o novo impulso que tomara os estudos bíblicos a partir das primeiras décadas do século atual, o interesse renovado pela patrística que se manifestou durante os últimos sessenta anos, bem como o reflorescimento da atração pela vida litúrgica que ocorreu em quase todas as igrejas cristãs. Embora não seja possível dizer que o movimento ecumênico seja fruto dessas renovações, ou que de uma ou outra maneira tenha contribuído para elas fossem tomando forma durante nossa época, é evidente pelo menos que há uma relação entre todas elas e que também estão relacionadas com a tomada de consciência, que ganha espaço nas Igrejas, de que viver o Evangelho exige que se faça uma opção pelos pobres.

Possivelmente quando no futuro se escrever a história da Igreja de nosso século, uma das suas caraterísticas principais será o esforço feito por muitos cristãos para superar divisões que vinham de séculos anteriores, tentando plasmar a unidade do corpo de Cristo na história, ou pelo menos de criar condições que tornassem real essa unidade em termos possíveis, concretos, tanto no nível da ação como no das instituições.

A necessidade de dar formação aos agentes de pastoral, é uma constante nos encontros do MOFIC8.

E estamos às portas do novo milênio. Houve progressos e descompassos na caminhada. Ficam algumas questões abertas aos agentes da pastoral do ecumenismo e não só: será o próximo milênio do cristianismo o milênio da unidade? É isso que auspicia o Papa João Paulo II nas suas cartas apostólicas Tertio millenio adveniente, Orientale lumem e na carta encíclica Ut Unum Sint, convidando todas as Igrejas a fazer um sério exame de consciência a começar de si mesmas, isto é de sua própria casa, da Igreja de pertença, relendo de verdade sem arrependimento, sem pedir perdão e perdoar, com o propósito de remediar (cf. UUS 88).

3. OS DESAFIOS QUE SE IMPÕEM ÀS COMUNIDADES DE BASE

Com efeito, os responsáveis das comunidades não são os únicos a unirem-se no empenho pela unidade. Muitos cristãos de todas as comunidades, motivados pela sua fé, participam juntos em projetos corajosos que se propõem à mudanças no mundo no sentido de fazer triunfar o respeito pelos direitos e necessidades de todos, de modo especial dos pobres, humilhados e desprotegidos.

É preciso tomar consciência dos grandes problemas que agitam a vida dos povos. Isto ocorre de forma lenta, e enfrentando muitíssimos obstáculos. Que as lideranças trilhem por este caminho e saibam convergir para a unidade com o povo, a exemplo do que acontece com as Igrejas cristãs da América Latina.

Não ir ao encalço das necessidades dolorosas da realidade dos grupos sociais explorados e marginalizados seria encobrir e pactuar com a dor dos mais pobres entre os pobres, os mais oprimidos e esquecidos11. E tudo isso só se torna real na medida em que se viva o espírito ecumênico, prescindindo das diferenças religiosas de nossos destinatários, sua condição político-social, mas sim olhar para eles como irmãos e irmãs e dignificá-los uma vez que todos somos chamados à vida. Só nesta medida em que os desafios enquanto enfrentados e assumidos com transparência e fidelidade terão um perfil de maturidade, do qual os seus agentes entram em diálogo sério, em pé de igualdade, com as formas religiosas das culturas.

E não raras vezes foram tristes as realidades sobejamente conhecidas, o descaso que as culturas sofreram no contato com as religiões. Não vamos nos debruçar sobre a cultura, mas queremos tão somente relembrar o quanto, o Evangelho no encontro com as culturas, seus protagonistas a violaram.

Vários são os desafios. Queremos crer que não estaríamos longe da leal situação se dissermos que muitos ainda não encarnaram o espírito ecumênico, não obstante o empenho de seus agentes. Parece-nos que é algo constrangedor na vida dos fiéis para não falarmos que razoável número se preocupa com o aporte ecumênico como se de realidade de além-mar se
tratasse.

Perante este quadro não queremos ser pessimistas, mas acreditamos na vontade tenaz daquelas pessoas que lutam lado a lado com os irmãos e irmãs de diversas confissões religiosas, promovendo a unidade do povo, construindo a casa duma forma gradual em que todos são convocados a colaborar, realizando assim a oração de Jesus na hora de amargura dando-se por nós “Que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que tu me deste, a fim de que sejam um como nós somos um” Jo 17,21-22.

Todavia, dos desafios enfrentados pelo movimento ecumênico, há dois de especial magnitude: o primeiro refere-se às seitas, o segundo, ao próprio diálogo.

As seitas e os Novos Movimentos Religiosos. No passado, o fenômeno sectário analisado pelos sociólogos, interessou também aos homens de Igreja por implicar uma ameaça a seus próprios fiéis. A dimensão proselista da seita tirou o sono de mais de um eclesiástico. Frente a isso, as Igrejas tinham tradicionalmente se defendido desmascarando a identidade, os métodos e as crenças dos mais conhecidos grupos sectários. Destes destacam-se as Testemunhas de Jeová, os Mórmons etc.

Contudo, o desafio suscitado nos últimos anos por algumas seitas especiais e pelos chamados Novos Movimentos Religiosos, que entraram em cena com força desconhecida, ultrapassada os limites do velho proselitismo. O forte atrativo desse fenômeno desafia a situação ecumênica de um modo inteiramente original.

Portanto, o fato de que o fenômeno sectário em geral e o dos Novos Movimentos Religiosos em particular – afeta negativamente o movimento ecumênico é um dado aceito por todas as Igrejas. Não é mera casualidade que nos últimos anos diferentes Igrejas e o próprio Conselho Ecumênico das Igrejas tenham publicado uma série de documentos centrados nessa temática. Em 1986, o Secretariado Romano para a Unidade, junto com outros organismos vaticanos, publica um informe progressista intitulado Seitas ou Novos Movimentos Religiosos. Desafios pastorais; no mesmo ano é publicado um documento da reunião conjunta, celebrada em Amsterdã, de peritos da Federação Luterana Mundial e do Conselho Ecumênico das Igrejas; e, por último em (Equador), há a publicação de um comunicado da Consulta de Bispos e Pastores da América Latina e do Caribe diante do enorme desafio que significa a proliferação das seitas fundamentais no continente americano, proliferação que afeta igualmente a Igreja Católica e as Igrejas protestantes.

4. COMO SÃO VISTAS AS AÇÕES “ESPORÁDICAS” DO ECUMENISMO

A praxidade sobre as ações esporádicas do ecumenismo, pode buscar seu substrato, no Documento Conciliar Vaticano II., UR5 “O empenho pelo restabelecimento da união cabe a toda a Igreja, tanto aos fiéis como aos pastores, a cada um segundo sua capacidade, seja na vida cristã, seja nas investigações teológicas e históricas …”.

Quer queiramos quer não, se quisermos que o comboio ecumênico continue a fazer a sua marcha sobre os carris, ele precisa da colaboração espontânea de homens e mulheres nutridos pelo ideal do restabelecimento da união, cujos resultados virão a longo, a médio ou a curto prazo, dependendo da dinâmica da velocidade e qualidade do ‘produto’. Todo este trabalho perpassa sobre a necessidade de ações conjuntas. Contudo, essas ações se concretizarão na medida em que houver iniciativas particulares, individuais, quer isso significar que as pessoas imbuídas desse espírito, são as mais predispostas em cujo terreno a semente cai e produz abundantes frutos. Dessas pessoas espera-se mais compreensão e menos fechamento para embarcar em iniciativas conjuntas.

A competência em assumir o trabalho ecumênico não está restrita apenas às Igrejas, mas através dos mistérios da comunhão eclesial (o batismo, a fé em Cristo, a proclamação do Evangelho, etc.) que são celebrados e constantemente renovados, constituem a base da colaboração ecumênica. Ao serviço desta colaboração encontra-se um grande número de organismos. É necessário ter em conta também o fato de que, na época atual, um grande número de cristãos prefere trabalhar no plano local no âmbito dos grupos ‘informais’, de natureza mais espontânea, a trabalhar em grupos ‘formais’ ou institucionais.

Obviamente é preciso sair ao encontro de todos e de cada um. A efetividade da unidade cristã em meio a um mundo em ruptura depende, em última instância, da obra do Espírito de Deus, que deseja que cada um de nós participe. Deus nos diz hoje as palavras que dirigiu a Adão e a Eva: “Onde estás?” (Gn 3,9) e a Caim: “Onde está teu irmão?” (Gn 4,9). Todos os cristãos deveriam estar conscientes – e conscientizar aos demais – quanto a quem são, onde estão suas irmãs e seus irmãos, e quanto a onde se situa cada um em relação a eles, se perto ou longe (Ef 2,17). É preciso animá-los a que saiam a encontrá-los, a envolver-se com eles.

5. ABERTURA DA IGREJA ÀS OUTRAS RELIGIÕES

Dentro da Igreja católica, o Ecumenismo é: conversão de coração para reconhecer o que há de bom nas outras Igrejas cristãs:
– ficar alegre com o muito que temos em comum, em vez de ficar buscando motivos para briga;
– procurar conhecer as outras Igrejas, sem preconceito e sem ingenuidade também;
– colaborar com os irmãos de outras Igrejas em tudo o que ajuda o progresso do projeto do Reino;
– orar pela unidade, com seriedade e ternura;
– tratar as outras Igrejas como gostamos que a nossa seja tratada;
– buscar a verdade juntos, lealmente, no desejo sincero de sermos, todos, cada vez mais fiéis a Jesus.

A palavra grega oikoumene, usada já no NT como sinônimo do mundo habitado (Lc 2,11) foi empregada pela Igreja para designar os concílios de âmbito universal. Nos tempos mais recentes, os esforços para a construção da unidade entre todos os cristãos recebem o nome de “Movimento Ecumênico” ou simplesmente de “Ecumenismo”.

O Vaticano II constituiu o marco principal que inaugurou uma nova fase da vida da Igreja Católica e de seu relacionamento com a sociedade. Com efeito, o Concílio consagrou os esforços de abertura e de diálogo com o mundo e a cultura contemporânea; promoveu a imagem da Igreja como povo de Deus; favoreceu a participação dos leigos, o pluralismo e a comunhão; deu origem a uma reinterpretação da atividade missionária e, no que diz respeito às outras religiões, Igrejas e culturas, permitiu a passagem de atitudes de superioridade e exclusividade para uma fase de respeito e de diálogo.

Foi sem dúvida, um evento de renovação no catolicismo.

Uma das notas caraterísticas do Concílio foi sua abertura ecumênica marcada pela necessidade de a Igreja Católica se redefinir em frente às outras Igrejas cristãs e trilhar o caminho do diálogo: diálogo ecumênico (UR4) e com as outras religiões (NAe), diálogo com o ateísmo (GS 21) e diálogo nas missões (AG 11-15).

Na Declaração Nostra Aetate, sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs, convida os cristãos a que “reconheçam, mantenham e desenvolvam os bens espirituais e morais, assim como os valores socioculturais que se encontram entre os seguidores de outras religiões, olhar para o que está presente nos “próprios ritos e culturas dos povos” (LG 17).

Os primeiros e fundamentais passos oficiais em direção ao diálogo no ano de 1964 foram dados pelo papa Montini. Em janeiro, Paulo VI se encontrou com judeus e muçulmanos em Belém e Jerusalém . O Secretariado para os não-cristãos com a finalidade de influir em vários níveis, no mundo cristão para promover o conhecimento, respeito e diálogo para com os não-cristãos exigidos pelo Vaticano II. Meses depois, em 6 de agosto, o Papa publicava sua primeira encíclica, a Ecclesiam Suam, que veio a ser considerada o texto que consagrou o diálogo como o novo caminho da Igreja católica. Pela primeira vez, a palavra “diálogo” aparecia num documento do Magistério: “a Igreja deve entrar em diálogo com o mundo que vive. A Igreja faz-se palavra, faz-se mensagem, faz-se colóquio” (ES 38).

Este espírito conciliar renovador e dialogal é encarnado por Paulo VI em Bombaim, na Índia em 3 de dezembro de 1964 ao afirmar diante de membros representantes de religiões da Índia: “Acaso não estamos unidos nessa batalha por um mundo melhor, neste esforço para dar a todos os povos aqueles bens que são necessários à realização do seu humano destino e para viver vidas dignas de filhos de Deus? Devemos, pois, unir-nos mais estreitamente, não somente através dos modernos meios de comunicação, (…) devemos unir-nos com os corações, em mútua compreensão, estima e amor. Não devemos encontrar-nos somente como turistas, mas como peregrinos que empreendem uma viagem à procura de Deus, não nos edifícios de pedra, mas no coração dos homens”

A atitude e desejo de diálogo deve transparecer sempre como pano de fundo a atitude dialogal. O ecumenismo é fundamentalmente uma atitude; é uma atitude do espírito que se define como dialogal. Na atitude dialogal, existem dois agentes. Cada um dá a própria interpretação de si mesmo, mas escuta a do outro, pelo fato de que existe a capacidade de escuta. Leva-se a sério o que os outros dizem de si mesmos.

A atitude e desejo de diálogo, entretanto, chega cedo ou tarde à convicção das dificuldades que pressupõe a transposição dos limites da compreensão das outras igrejas. Essas dificuldades estão inerentes ao peso da própria tradição, dos próprios costumes, da maneira caraterística de apresentar e viver a fé cristã. A atitude do diálogo produz uma incessante mobilidade nas formulações da problemática da desunião cristã. É uma atitude criativa e dá novos enfoques forjando utopias.

CAPÍTULO III
OS ECUMENISMOS POSSÍVEIS
1. A EXPERIÊNCIA CRISTÃ DO DIÁLOGO
Podemos notar que no decorrer da caminhada ecumênica houve mudanças significativas acontecidas nos últimos anos. Daí que podemos falar de “um olhar diferente”, promovido principalmente por novas práticas eclesiais e novas reflexões teológicas. Em relação ao começo dos anos 60, quando estava prestes a acontecer o Concílio Vaticano II., podemos afirmar sem receios que estamos realmente diante de uma outra mentalidade e de outras atitudes. Contudo, ninguém deve pensar que isso seja suficiente para estabelecer novas relações de diálogo, de respeito e de comunhão entre os cristãos e os fiéis de outras religiões. Na verdade, este olhar diferente está ainda em construção: não é tão só um projeto ou um sonho, mas também não é uma realidade já acabada. É algo que está a caminho de se afirmar ou, para sermos mais precisos, é uma maneira de pensar e de atuar que convive ainda conflitivamente com olhares excludentes ou discriminadores. Mas é suficiente forte para firmar passos e difundir sempre mais, pois nasce de práticas libertadoras, as promove e as renova continuamente.

2. VISÃO SOCIOLÓGICA DOS ECUMENISMOS
Segundo Jean Paul Willaime que falou recentemente do ecumenismo fragmentado, e Roger Mehl escreveu sobre as estratégias ecumênicas, num período em que se vaticinava o “fim do ecumenismo”. A leitura feita por ambos, bem como a dos outros autores, exorta a classificar em dois grandes momentos a experiência ecumênica vivida pelas Igrejas cristãs durante o século XX.
1. De um lado estaria a compreensão do ecumenismo como movimento social: seus agentes, carismáticos e leigos intelectuais com clara consciência do papel do indivíduo dotado de certos carismas no âmbito da instituição eclesial.
O ecumenismo fenômeno social tem um primeiro impulso num contexto em que se valorizam ao extremo os intercâmbios ideológicos e culturais.
Os sociólogos detectaram que este tipo de ecumenismo está chegando ao fim. Isso não significa necessariamente a “morte do ecumenismo”, mas o final do ecumenismo como movimento social.
2. Numa segunda fase, o movimento ecumênico apresenta algumas caraterísticas sem dúvida diferentes que permitem falar da evolução ou, se preferir, da transformação do ecumenismo.
Como primeiro dado desse novo estágio fala-se da institucionalização. A institucionalização ecumênica, produto de várias premissas, sobressaindo entre elas a mudança das classes sociais que protagonizam a ação “profetas” e os “visionários” nos postos de direção.
Essa segunda etapa na qual cada Igreja – depois de um período de abertura às outras – volta a uma reafirmação de si mesma, a uma nova tomada de consciência do seu passado, não para repudiá-la, mas para justificar precisamente suas diferenças.
Este é um ecumenismo, segundo Willaime, que se desvinculou de sua carga utópica e social, confinando-se nos limites mais estreitamente eclesiais. Ele está se centrando em diálogos teológicos e doutrinais, dirigidos sempre a partir do topo das hierarquias eclesiásticas. Mas evidentemente a sociologia – por mais lúcida que sejam suas análises – tão pouco tem neste assunto a última palavra. Não obstante a afirmação anterior, a sociologia sem dúvida dá algumas pistas para a compreensão do fenômeno ecumênico na atualidade21.

3. EXPERIÊNCIAS DIVERSIFICADAS DE ECUMENISMO

Na dimensão ecumênica existem diferentes modos de exercitar os paradigmas ecumênicos. E esta diversidade não significa divisão, mas sim, unidade na diversidade. Portanto, as diferentes modalidades em que alguns autores tentam descrever, são pura e simplesmente maneiras de explicitar, demonstrar de que forma o ecumenismo deve ser vivido em nossos ambientes.

3.1. ECUMENISMO POPULAR

O despertar da leitura bíblica nas CEBs e a luta por melhores condições de vida têm aproximado os católicos aos cristãos de diferentes denominações. Na busca dos seus direitos os cristãos de várias Igrejas se uniram e souberam celebrar juntos as vitórias.
Em escolas, hospitais, prisões, onde há gente de várias Igrejas, frequentemente se pede um trabalho ecumênico. Quando aconteceu grandes tragédias que comovem o país (desastres, violações de direitos humanos…), protestos e orações costumam ser feitos por vários grupos em conjunto. Portanto, percebeu-se deste modo outra dimensão do ecumenismo: a que une na luta, na fidelidade ao mesmo Deus da vida, no compromisso contra as injustiças. Esta leitura de um Deus fiel à vida e aos pobres, defensor dos humilhados, libertador, é fortalecida pelas Sagradas Escrituras.

3.2. ECUMENISMO INSTITUCIONAL

Existe uma tensão entre o pessoal e o institucional. O individual sobressai no início, mas é depois sacrificado no institucional. Os pioneiros ecumênicos, com uma visão profética, empreenderam a caminhada ecumênica antes que esta assumisse as formas próprias do “institucional”. Porém a vinculação desses pioneiros, que nunca renunciaram a ela, os singelos organismos surgidos a partir da Conferência Missionária Mundial de Edimburgo (1910) e das Assembléias de Lausanne e de Edimburgo, que geraram os Movimentos “Fé e Constituição” (Faith and Order) e “Cristianismo Prático” (Life and Work), falam-nos da imperiosa necessidade que há no próprio movimento de apoiar-se na estrutura, por mais simples que seja, a fim de zelar por sua própria sobrevivência.

Este é o sentido primordial que se dá à expressão ecumenismo institucional. Logo, sem certo grau de organização, não é viável a ação ecumênica. A julgar pela caminhada da Igreja Católica, é impensável que a doutrina ecumênica emanada do Concílio tivesse podido ser “traduzida” para a Igreja universal sem a mediação, por exemplo, do secretariado Romano para a Unidade dos Cristãos e sem os textos elaborados para essa instituição, entre os quais mencionamos o Diretório Ecumênico.

3.3. ECUMENISMO ESPIRITUAL

O nº 8 da UR do Vat. II, incentiva a necessidade da oração em comum: “Esta conversão do coração e santidade de vida, juntamente com as preces particulares e públicas pela unidade dos cristãos, devem ser tidas como a alma de todo o movimento ecumênico e, com razão, podem ser chamadas de ecumenismo espiritual”.

3.4. ECUMENSIMO LOCAL

Embora com certas ambiguidades, pelo fato de alguns autores preferirem em seu lugar o ecumenismo da base, indentificando-o inclusive com a expressão ecumenismo secular, mas também porque obriga significados que penetram em domínios de outros tipos de ecumenismo.
Ecumenismo local, significa a entrada, no espaço ecumênico, dos leigos, das paróquias, das pessoas que em determinada terminologia constituem “a base” e que na terminologia eclesial formam os grandes espaços do povo de Deus.

3.5. ECUMENISMO SECULAR

Esta expressão desfruta ampla aceitação em muitos fiéis. Vários autores (Marc Lienhardt, Per Lonning, Georges Gasalis etc), referem-se a grandes três etapas do Movimento ecumênico sem hesitar:
1- Época dos pioneiros, a que se inicia com a Aliança Evangélica (1846) e vai até a formação do YMCA e da Federação Mundial de Estudantes Cristãos, no final do séc. XIX. Tem como protagonistas, em sua maioria, leigos.
2- Etapa Eclesiástica, momento em que as Igrejas enquanto tais tomam a iniciativa ecumênica e iniciam um caminho que impulsionou ao extremo a busca da união cristã. Os agentes são os representantes cristãos das respectivas Igrejas com toda a carga confessional. Nesta fase – Edimburgo (1910), Amsterdã (1948), Roma (1962-1965) – são criadas as grandes instituições ecumênicas e se privilegia o diálogo doutrinal.
3- Etapa do Ecumenismo secular – resulta, por um lado, do estado de “beco sem saída” em que ficou o “ecumenismo eclesiástico” depois das indecisões e da atitude reticente das hierarquias não seguindo os impulsos do Espírito num caminho incansavelmente criativo rumo à unidade. O Ecumenismo secular se apresenta também como fruto de uma reflexão teológica elaborada a partir do pressuposto de que é impossível avançar no diálogo entre Igrejas reproduzindo, comparando, tentando harmonizar suas posições tradicionais.

G. Gasalis define Ecumenismo secular assim: “É a consequência ecumênica de uma teologia e de uma fé que vêem no compromisso total da Igreja com o mundo secular seu ponto de partida” e acrescenta depois: “… o ecumenismo secular não é tanto uma moda, mas uma decisão fundamental”, … que em suas expressões mais nobres trabalha na perspectiva da justiça, da paz, da ecologia, e sobretudo em comunhão com as reivindicações dos cristãos de países mais pobres expressas nas diferentes “teologias da libertação” e em organismos como a Associação Ecumênica de teólogos do Terceiro Mundo.

CAPÍTULO IV
MISSÃO E ECUMENISMO
A MISSÃO LEVA AO ECUMENISMO
1. UM OLHAR SOBRE A REALIDADE

Uma pergunta pertinente e emergente é imprescindível e digna de ser feita para medirmos o termômetro da missão do ecumenismo: qual é a atmosfera de ecumenicidade na nossa missão? Para responder a essa pergunta nada melhor senão escutarmos as vozes que se inquietam sobre a questão da cidadania e missão. Os agentes de pastoral urbana têm estado preocupados com a vida da População de Rua que vive numa desumanidade absurda.
Para isso, o MOFIC, sempre preocupado com a questão urbana e motivado pelo PPU (projeto pastoral urbano), convidou líderes de várias entidades (monitores e agentes de pastoral) que trabalham com a população de rua: Sofredores de Rua, Mulher Marginalizada, Meninos (as) de Rua. Deste encontro surgiu o grupo denominado até hoje Ação Pastoral na cidade. Seu objetivo tem sido ajudar aqueles que ajudam através da partilha de experiências e de preocupações comuns. Após um ano de encontros mensais, constatamos que não podíamos continuar reunindo pessoas que trabalham com os diferentes grupos da População de Rua. A realidade dessas pastorais, assim como suas metodologias de trabalho diferem muito. Após reflexão, foi decidido que o grupo Ação Pastoral na cidade iria se dedicar mais aos Sofredores de Rua. Os dois outros grupos já têm uma tradição mais antiga de atendimento. A partir desta decisão, encontros com pessoas que atuam em diferentes trabalhos com os Sofredores de Rua vêm acontecendo mensalmente. Em novembro de 1996, para concluir os trabalhos do ano, o grupo moveu um dia de Convivência, sempre para monitores e agentes de pastoral. O encontro contou com a participação de 40 pessoas de diferentes entidades e denominações. Os trabalhos foram assessorados por uma psicóloga e uma pastora da Igreja Metodista.

2. “PARA SER MISSIONÁRIA, UMA PESSOA TEM QUE SER ECUMÊNICA”

Partamos do fato da diversidade de crença da nossa gente. A pergunta é: quem são os nossos destinatários na nossa missão?

A essa pergunta ajudam-nos a refletir os dirigentes das Igrejas cristãs, quando nos seus encontros enfatizam da necessidade de evangelizar de forma ecumênica, respeitando a cultura, a raça e o nível social de cada pessoa 28.

De 18 a 23 de julho, realizou-se em Belo Horizonte o 5º Congresso Missionário Latino Americano, COMLA 5, promovido pelas POM- Pontifícias Obras Missionárias da América Latina e Caribe. Estiveram presentes no Congresso 1 delegado papal, 6 cardeais, 27 arcebispos, 148 bispos e uma assembléia de 3.000 pessoas. O tema geral foi “O Evangelho nas Culturas caminho de vida e esperança” tratado a partir de 3 ângulos: os horizontes, as caraterísticas e as exigências da missão “ad gentes”.

Uma conclusão forte do bloco sobre Ecumenismo e Diálogo-Inter-Religioso: “para uma pessoa ser missionária ela tem que ser necessariamente ecumênica”.

Parece-nos que está aí o paradigma indispensável para exercermos nosso serviço junto de nossos irmãos e irmãs mais necessitados, sem preconceito, nem preferências por ninguém. Importa viver a homologia de Jesus na tríplice dimensão: desprendimento, encarnação e serviço.

3. A MISSÃO COM OS OUTROS

O decreto Ad gentes, do Vaticano II diz que “a Igreja peregrinadora é missionária por natureza, visto que procede da missão do Filho e da Missão do Espírito segundo o desígnio de Deus Pai” (AG 2). A Igreja, mais do que ter missões, é missão. O envio do Senhor ressuscitado – “Ide, pois, e fazei que todas as nações se tornem discípulos”(Mt 28,19) – carateriza toda a Igreja.

O dom do Espírito impele as Igrejas a trabalhar juntas naquilo que é essencial: a evangelização e o testemunho comum 30. Uma Igreja que não fosse missionária se contradiz a si mesma. Cada cristão batizado está chamado, em certa medida à Missão. Ela se realiza através dos múltiplos dons espirituais e ministérios dos membros do Corpo de Cristo, visando a salvação e o bem-estar do homem todo e realizar-se no contexto em que vive a Igreja local, e deve estar aberta para relacionamentos interpessoais.

A vida social e cultural oferece amplos espaços de colaboração ecumênica. Com freqüência sempre maior, os cristãos aparecem juntos a defender a dignidade humana, a promover o bem da paz, a aplicação social do Evangelho, a tornar presente o espírito cristão nas ciências e misérias do nosso tempo: a fome, as calamidades, a injustiça social.

O MOFIC defende a pastoral de conjunto. Ela tem incentivado a luta pela melhoria da qualidade de vida das pessoas à margem da sociedade. Para o efeito tem-se trabalhado a questão de formação de agentes para a pastoral urbana. Eles vão mais longe quando afirmam: “Esta terá certamente repercussões na pastoral rural, mas é diferente dela. Paulo e os apóstolos começaram a evangelizar primeiro nas cidades e só depois foram ao campo.

4. A PRECE JUNTO COM OS OUTROS

História. O século XIX é o marco em favor da prece comum entre cristãos oficialmente divididos.

Essa história é detalhadamente estudada por Ruth Rouse na obra A History of the Ecumenical Movement, na qual se enfatiza a contribuição da “Igreja da Inglaterra” à Igreja Romana. Por volta de 1840, um sacerdote católico, o padre Ignatius Spencer, entra em contato com John H. Newman e com o Dr. Pusey, em Oxford, e juntos editam um Plano de Oração para a união. Anos depois como conseqüência de Oxford, é criada a Associação para a Promoção pela Unidade dos cristãos (1857) que congrega vários milhares de anglicanos, católicos e ortodoxos gregos. Em 1864, Roma proíbe os católicos de participar dessa associação.

Os esforços no sentido de incrementar uma prece comum são reforçados em 1906, quando o arcebispo de Cantuária e os moderadores da Igreja da Escócia (presbiteriana) e da Igreja Unida Livre convidam todas as comunidades locais de suas respetivas Igrejas a orar insensantemente pela unidade de todos os cristãos.

Leão XIII instituira a novena de pentecostes, por volta da 1895, para “acelerar a obra de reconciliação dos irmãos separados”.

Grande mérito deve-se a Paul Couturier, sacerdote da diocese de Lyon. Ele expõe seu pensamento pela primeira vez – num artigo da “Revue Apologétique” (dezembro de 1935)- sua Semana de Oração Universal, o padre traça três dimensões dessa prece:
a) Uma prece universal – a oração deve ser partilhada por todos que crêem em Cristo e por suas respetivas comunidades, a partir de lugares comuns e de espaços compartilhados.
b) Uma prece contemplativa – O próprio fato de orar juntos é já expressão da unidade dada, mas é também presságio expectante da unidade que se espera. Por isso a prece ecumênica é contemplativa.
c) Uma prece eficaz. A contemplação não significa negligenciar a história. Ela convida, pelo contrário, a novos enfoques e formulações de todas as coisas a fim de refazê-las segundo o plano de Deus. É um voltar-se para a vida de Jesus e celebrar no hoje os sacramentos que de certo modo é um viver com dignidade o nosso cotidiano.

A acertada fórmula de Couturier – orar pela “unidade que Deus quiser” para “o tempo e
pelos meios que ele mesmo desejar “- descarta desde o princípio qualquer tentativa, por parte de uma Igreja, de propor de antemão às outras as próprias convicções sobre a unidade ou as estratégias e meios para alcançá-la. Nesse sentido, fala-se de uma “prece incondicional”. Não há condições prévias. Deixa-se tudo nas mãos de Deus.

Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente com as orações particulares e públicas pela unidade dos cristãos, devem ser tidas como a alma de todo o movimento ecumênico, e com razão podem ser chamadas ecumenismo espiritual.

Avança-se pelo caminho que conduz à conversão dos corações ao ritmo do amor que se dedica a Deus e, ao mesmo tempo, aos irmãos: a todos os irmãos, inclusive àqueles que não estão em plena comunhão conosco. Do amor nasce o desejo de unidade, mesmo naqueles que sempre ignoram tal exigência. O amor é artífice de comunhão entre as pessoas e entre as Comunidades. Se nos amamos, tendemos a aprofundar a nossa comunhão, a orientá-la para a perfeição. O amor é dedicado a Deus como fonte perfeita de comunhão – a unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo -, para dela haurir a força de suscitar a comunhão entre as pessoas e as Comunidades, ou de restabelecê-la entre os cristãos ainda divididos. O amor é a corrente mais profunda que dá vida e infunde vigor ao processo que leva à unidade.
Esse amor encontra a sua expressão mais acabada na oração em comum. Essa oração comum é “um meio muito eficaz para impetrar a unidade”, “uma genuína manifestação dos vínculos pelos quais ainda estão unidos os católicos com os irmãos separados”. A oração comum dos cristãos convida o próprio Cristo a visitar a comunidade dos que Lhe rezam: “Pois onde estiverem reunidos, em meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles”(Mt 18,20)35.
Quando os cristãos rezam juntos, a meta da unidade fica mais próxima. Na comunhão de oração, Cristo está realmente presente; reza “em nós”, “conosco” e “por nós”.

No caminho ecumênico para a unidade, a primazia pertence, sem dúvida, à oração comum, à união orante daqueles que se congregam à volta do próprio Cristo. Se os cristãos, apesar das suas divisões, souberem unir-se cada vez mais em oração comum ao redor de Cristo, crescerá a sua consciência de como é reduzida o que os divide em comparação com aquilo que os une. Se se encontrarem sempre mais assiduamente diante de Cristo na oração, os cristãos poderão ganhar coragem para enfrentar toda a dolorosa realidade humana das divisões, e reencontrar-se-ão juntos naquela comunidade da Igreja, que Cristo forma incessantemente no Espírito Santo, apesar de todas as debilidades e limitações humanas.

Vejamos a experiência por que passou o MOFIC nos seus 17 anos:
1. Participou de muitos cultos ecumênicos e atos inter-religiosos. Para estas ocasiões criou os mais variados formulários e esquemas: cultos para formaturas, festas civis, aniversários de firmas e organizações, direitos humanos, justiça e paz, encontros pastorais, casamentos interconfessionais. Foi através do MOFIC que foram organizados três momentos particularmente significativos:
a. o culto ecumênico celebrando a visita do Arcebispo Ramsey de Canterbury, na Inglaterra;
b. um ato inter-religioso por ocasião da visita do Dali Lama a São Paulo;
c. um ato inter-religioso “Momentos de oração” celebrando a visita dos monges budistas do Tibet.
2. A Semana de Oração pela Unidade Cristã, antes da festa de Pentecostes, tem sido celebrada, amplamente, pelo MOFIC. De início apenas três cultos ecumênicos durante a semana. Atualmente as celebrações com a participação das Igrejas-membros do MOFIC, e também de outras denominações, realizam-se nas mais diferentes Igrejas e Comunidades da cidade. A pedido do CONIC, e contando com a colaboração das Igrejas-membros, o MOFIC responsabilizou-se, desde 1992, pela montagem do livrinho usado para a celebração da Semana, a nível nacional. O tema da Semana, as celebrações assim como o subsídio sobre o tema são elaborados, anualmente, por diferentes grupos, a pedido do Conselho Mundial de Igrejas e o Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos. No Brasil, adota-se sempre o tema proposto. Mas, o MOFIC, ao elaborar o livrinho, procura adaptar as celebrações à realidade de nosso país e de nossas comunidades. Ano após ano, vemos crescer o interesse e a participação dos cristãos neste momento tão especial para o Ecumenismo. Vamos assim aprofundando nossa oração pela unidade.
3. Tornou-se uma tradição para o MOFIC: a celebração de um culto do Advento com a participação das Igrejas e a confraternização de Natal, conclusão das atividades de cada ano.

5. QUE BARREIRAS A ULTRAPASSAR?

Dos pontos acima referidos é perceptível o quanto o MOFIC faz para tornar a barca ecumênica atracar nos seus portos. Ilustra-o bem as conclusões tiradas dos 17 anos a serviço do ecumenismo:
“As atividades têm por finalidade informar e formar os fiéis de nossas Igrejas em vista de um melhor conhecimento e compreensão do ecumenismo. Visam igualmente incentivá-los a assumirem um compromisso com a oração e o trabalho, em conjunto, pela causa da unidade e pelo bem da sociedade. Os nossos esforços visam superar os preconceitos através de um mútuo conhecimento. O conceito de ser um só corpo, cujos membros são dotados de dons e talentos, beneficiando a todo o corpo, é muito enraizado” (cf I Cor 12,1 ss).
Acreditamos que é conseqüência de um profundo anseio enraizado em nossos corações e no seio de nossas denominações cristãs. Este anseio é melhor descrito pelas palavras que Jesus disse aos seus discípulos: “Nisso reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35).

CAPÍTULO V
PRAXIS DO ECUMENISMO
1. O PONTO DE PARTIDA DA VIVÊNCIA ECUMÊNICA: O DIÁLOGO
O mais normal para uma família desavinda poder retornar ao clima de união, é sem dúvida alguma o diálogo. Para se chegar ao estágio do diálogo é mister parar para pensar, pensar para procurar as causas que estão na gênese da rixa. Chegar até aí implica caminhada, um passo positivo, um ato revestido de heroicidade em termos de coragem e de consciência; não se procura quem é o/a culpado/a, mas entra-se num processo dialogal baseado na reciprocidade e interesse comum em se estabelecer a harmonia rompida. Estamos chamados a viver esta recriação na liberdade.

E todo o diálogo implica lucidez e participação. Todo o diálogo é afrontamento. O afrontamento implica a esperança de se transformar, uns aos outros, uns através dos outros. O homem lúcido não procura impor aos outros uma verdade pronta e concebida como uma coisa, mas pôr-se a serviço de uma verdade que é a vida. Nós fazemos um ídolo da própria verdade, dizia Pascal: a verdade fora da caridade não é Deus39.

Efetivamente ao lermos a caminhada ecumênica é impossível prescindir no preâmbulo do tema, o conceito de diálogo. Ele é a condição sem a qual não se pode progredir na caminhada, porque ele é a alma norteadora, o alicerce que suporta a barca ecumênica.
Quando os dirigentes das diferentes confissões de São Paulo, assinaram o Compromisso de unidade dos cristãos, pela primeira vez em 1984, e outros aderiram em 1991, enquanto os primeiros renovavam o compromisso, fizeram-no precedido por consultas, num diálogo aberto e construtivo em que a transparência é e continua sendo a tônica com que as questões têm vindo a ser abordadas. Por isso, a melhor expressão das relações inter-humanas é o diálogo.
Logo, é impossível falar do ecumenismo sem o diálogo. É um fato evidente que ele é imprescindível na história da humanidade. O diálogo é a passagem obrigatória do caminho a percorrer para a auto-realização do homem, tanto do indivíduo como de cada comunidade humana40. Esse pensamento é partilhado na obra, Presença de Mounier, e a isso se vai chamar de personalismo, que é antes de tudo uma pedagogia: uma filosofia de serviço e não de dominação. Seu sucesso não é avaliado pelo poder nem pelo número, mas pela transformação dos espíritos e dos relacionamentos humanos, pelo nascer de uma inquietação, pela consciência de uma responsabilidade. E isto acontece pouco a pouco.

2. O DIÁLOGO COMO ATITUDE E COMO MÉTODO

Acabamos de ver como o diálogo é importante na vivência ecumênica. Ele está inerente na estrutura do ser humano, não apenas na sua dimensão cogniscitiva, mas também na base de sua própria constituição. Não podemos conceber a existência do homem ou da mulher sem considerá-la em relação com, pelo fato de que seu destino não é a solidão, mas a vida partilhada.

O diálogo socializa e humaniza. “O diálogo pode ressuscitar uma relação morta. Ele pode engendrar uma relação nova e também pode dar nova vida a uma nova relação que morreu”.
No relatório das atividades do MOFIC, dos anos 1991 e 1992 afirma-se: “Sempre demos importância ao estudo da realidade em que vive o povo de nossas igrejas. Buscamos provocar, a partir de temas de atualidade, a reflexão sobre possíveis pistas para a ação pastoral”.

Uma vez que. a estrutura do ser humano implica a condição dialógica para que se possibilitem o equilíbrio da pessoa e sua própria capacidade cognoscitiva, se pode falar do diálogo como atitude quando ele é assumido pelo indivíduo.
– o diálogo como atitude em relação a si mesmo. Nesta dimensão busca-se a transparência. O diálogo implica, contudo, o risco de certas perdas, embora prometa o ganho da complementaridade da contribuição de outros.

Esta afirmação de fato exige minúcias de acordo ao ambiente vital em que se vive. Em tratando-se de São Paulo, e relendo os relatórios, o balanço é animador. Existe transparência entre os dirigentes, e tudo, leva-nos a crer que se existe alguma perda, é dentro do espírito ecumênico em que se respeitam as diferenças de outrem, amar o outro tal como é, acolhe-lo como detentor de direitos e revestido da mesma dignidade. Ele é possível entre aqueles que se situam no mesmo nível. É nesta dimensão em que falamos do diálogo como atitude com relação ao outro. O outro é um interlocutor. É preciso compartilhar a verdade, inclusive quando nem todos entenderam em profundidade os outros, porém possibilitou descobrir o “outro” como pessoa, seu mundo, e o fez colocar-se em seu lugar, e isso é o começo de entendimento.

Contudo, para os fiéis das diversas confissões na sua maioria, parece-nos que carecem de certo modo, dalgum conhecimento ecumênico. Lê-se no relatório dos dirigentes: “Quando ministros de diferentes igrejas estão juntos, trabalha-se bem. Mas há ainda muita distância e medo entre os cristãos. O ecumenismo é ainda muito pouco conhecido nas bases das nossas comunidades; as cúpulas tratam do ecumenismo de maneira mais racional. Mas a mudança virá das bases e não das cúpulas, donde a importância da educação para o ecumenismo” 43.
Com probabilidades somos levados a julgar de que ainda persiste no inconsciente coletivo da maioria dos fiéis de que, quando se fala de ecumenismo, significa, passar para a outra igreja. Ainda não assumiram o diálogo como atitude.
– o diálogo como atitude recíproca. Nessa deve haver esforço de ambos os interlocutores. O esforço por parte de apenas um deles invalida a possibilidade de levar adiante o verdadeiro diálogo. Isso porque, por ser mudança recíproca, todo o diálogo implica que ambas as partes se abram ao duplo movimento que gera o intercâmbio dos dois interlocutores.
O diálogo como método não é, pois, um fim em si mesmo. Dialoga-se para algo e por algo.
Todo método tem algumas leis próprias que de certa maneira estão previstas na análise que recordamos na consideração do diálogo como atitude. Porém falar de leis é falar de condições.

3. PRESSUPOSTOS DO VERDADEIRO DIÁLOGO

O diálogo não deve ser imposto pela força, mesmo que ele se mostre necessário.
O objeto do diálogo é a compreensão. Se se escondem algumas certezas, deixa de haver verdadeiro diálogo.

Algumas pistas que permitem conhecer as condições do diálogo:
a. a mesa redonda e a linguagem comum;
b. a convicção de que os outros possuem um mundo espiritual que pode enriquecer-nos;
c. a comunhão na diversidade;
d. a exclusão de qualquer forma de proselitismo e de falso irenismo;
e. para o diálogo ser iniciado supõe que se crie um estado de simpatia e de disponibilidade entre os interlocutores;
f. deve ser conduzido de igual para igual.
Na verdade é este o espírito norteador que reina na praxidade: “(…) é notável o espírito fraterno que existe entre nós. Cada um se sente bem. Cada um se sente à vontade de expressar os seus mais profundos sentimentos negativos ou positivos a respeito dos assuntos tratados. Todos expressam livremente as suas convicções, expressões de fé, preocupações e esperanças”.

4. OS PROTAGONISTAS DO DIÁLOGO ECUMÊNICO

O texto do Concílio Vaticano II. afirma:
“O empenho pelo restabelecimento da união corresponde a toda a Igreja, tanto aos fiéis como aos pastores, a cada um de acordo com sua capacidade, seja na vida cristã ou nas investigações teológicas e históricas…”( UR 5).

Isto eqüivale a afirmar que o protagonista do movimento ecumênico é a Igreja, isto é, as Igrejas, que entraram na dinâmica ecumênica. Por esta razão, seus verdadeiros sujeitos são todos os membros do povo de Deus, que precisam de técnicos e especialistas como interlocutores válidos, dadas as especiais dificuldades implicadas por alguns dos problemas que dividem as Igrejas46.
O MOFIC, fazendo o balanço dos seus 17 anos a serviço do ecumenismo diz:
– O MOFIC tem por objetivos desenvolver o espírito de fraternidade e cooperação entre as Igrejas cristãs de São Paulo e, especificamente implementar o “Compromisso da Unidade Cristã”.

Os membros dirigentes vão mais além quando postulam que – o mosaico do Cristo no qual cada parte contribui para a beleza do todo é o símbolo que marca o espírito ecumênico do MOFIC47.

Essa gradatividade da caminhada do MOFIC no seu relatório do ano de 1996 é considerada com satisfação, porém observa que se deve ajudar a tornar o ecumenismo mais conhecido e mais assumido nas bases das Igrejas.

É com transparência e liberdade de expressão que os dirigentes das diversas confissões se têm debruçado sem rodeios do itinerário do ecumenismo.
Algumas dificuldades encontradas estão naqueles que têm o maior poder decisivo na estrutura das comunidades. Como tornar possível o conhecimento do ecumenismo nas comunidades de base, se tivermos em conta o que se afirma daqueles que têm o maior poder decisivo na estrutura eclesial das comunidades? Ora, vejamos o que soa:
– nesta área há ainda os intermediários (há mesmo bispos) que ignoram o ecumenismo. Seria necessário que fossem conhecidas de todos as orientações das diferentes Igrejas em relação ao ecumenismo.

Por aí podemos perceber paulatinamente porque existem deficiências na ignorância ecumênica nos fiéis. Não é tranqüilo. Nos perguntamos: será que não seria possível soltar um pouco mais do leite, claro, por parte daqueles que têm o poder decisivo para conscientizar e tornar prático o ecumenismo, ou seja, juntar a palavra à ação?

De que modo se dará a conhecer o ecumenismo aos filhos, se os “pais” são contra? Quem seria o maior protagonista numa determinada jurisdição geográfica?

4.1. CRITÉRIO SUBJETIVO

Vontade real de dialogar. Este é o primeiro condicionamento, cuja exigência implica a vontade de pôr-se em pé de igualdade, sem pretensões de protagonismo que refletem desejos de superioridade; consciência viva de que também os outros, se estamos em atitude de escuta, podem enriquecer-nos; a aceitação da diversidade, que não deveria de modo algum romper a comunhão; a tentativa de aproximar-se de uma linguagem comum capaz de engendrar entendimento e coerê

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