Autor: Josivaldo de França Pereira
Uma das experiências mais marcantes na vida de pelo menos três discípulos de Cristo foi a da transfiguração de nosso Senhor. Pedro lembrou-se dela e a fez conhecida em uma de suas cartas assim: “Porque não vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo seguindo fábulas engenhosamente inventadas, mas nós mesmos fomos testemunhas oculares da sua majestade, pois ele recebeu, da parte de Deus Pai, honra e glória, quando pela Glória Excelsa lhe foi enviada a seguinte voz: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo. Ora, esta voz, vinda do céu, nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo” (2 Pe 1.16-18). Esse episódio aparece subentendido nas primeiras declarações de João em sua primeira carta. E Tiago, seu irmão, provavelmente o teria relatado em alguma epístola se porventura não houvesse sido morto precocemente (At 12.1,2).
Foi sem dúvida uma experiência marcante e inesquecível. Contudo, mais impressionante foram as lições que Cristo deixou para eles e para nós.
“Senhor, bom é estarmos aqui, façamos três tendas…”. Estava tudo muito bom, mas faltava uma coisa, posto que aquela visão não tinha um fim em si mesma. A gloriosa transfiguração de Cristo era um prelúdio de Sua exaltação e também não tinha um fim em si mesma. Os discípulos não sabiam o que diziam quando desejavam ficar ali para sempre. Estava bom. Estava gostoso. Quem não gostaria de desfrutar de uma comunhão tão gloriosa como aquela na presença de Deus? Apesar disso, não sabiam o que diziam. Era preciso descer imediatamente daquele monte porque lá embaixo a realidade era outra; e bem diferente!
Era preciso descer do monte imediatamente. E enquanto desciam, imaginamos o que se passava na mente daqueles três. “Já que não podemos ficar, vamos contar a todos o que acabamos de presenciar, logo que chegarmos lá embaixo”. Entretanto, o Senhor que conhece os intentos do coração, a presunçosa vaidade humana, diz aos seus discípulos que eles não deveriam, por enquanto, falar a ninguém o que aconteceu ali. O que aconteceu naquele monte foi fantástico e fabuloso, mas podia ficar para depois, para outra hora. Novamente Jesus ensina que algo mais urgente carecia de uma atenção especial.
Ao sopé do monte acontecia uma batalha espiritual sem precedentes. Nunca os discípulos, que lá estavam, se sentiram tão humilhados e impotentes diante de um quadro como aquele. Um pai desesperado com seu filho endemoninhado; pressão por todos os lados para que o menino fosse liberto, e nada do diabo sair daquele corpo. O que houve? Excesso de auto-confiança? Exibicionismo, presunção, arrogância? Não. Simplesmente falta de mais preparação e dependência do Senhor, mesmo que Ele parecesse distante. Jesus vem ao encontro deles. E vem em resposta a suas orações. Pense no desespero deles. Olhando uns para os outros e todos olhando para o cume do monte, suplicando desesperadamente em seu íntimo pela descida imediata de Jesus. Nunca o Mestre fez tanta falta como naquele momento.
Jesus, amigo fiel e verdadeiro, jamais abandona os seus. Mas não foi somente por causa dos seus discípulos que ele desceu. Ouviu a oração do coração aflito de um pai que não sabia mais o que fazer. Trouxe o menino aos discípulos e nada de cura e libertação. A fé se esvaiu. A esperança acabou e o homem não sabia mais o que fazer. “Por acaso, podes fazer alguma coisa?”. É a última tentativa de quem não sabe o que fazer e nem a quem recorrer. De onde virá o socorro? Jesus é a última tentativa. Disseram ao homem que Ele curava, que Seus discípulos também faziam maravilhas, porém, os discípulos não puderam fazer absolutamente nada. “Será que Jesus pode fazer algo pelo meu filho?”. “Mestre, oh! Mestre, me ajuda. Teus discípulos não puderam fazer nada por ele; mas se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos”. O amor pelo filho, o desespero em vê-lo naquela situação, arrancaram do fundo de seu íntimo uma gota escondida de esperança: “Se podes fazer alguma coisa, ajuda a ele e a mim porque não agüento mais”.
É impressionante o contraste entre a cena da transfiguração no cume do monte e o da desfiguração presenciada no sopé dele. Na primeira temos a gloriosa manifestação de Cristo a ponto de suas vestes se tornarem resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na terra poderia alvejá-las. No segundo episódio contemplamos a degradação de uma vida escravizada por Satanás, necessitada desesperadamente de alívio e libertação, levando ao caos e desespero aqueles que presenciavam ou conviviam com aquela triste realidade.
Que deve significar para a igreja do novo milênio a transfiguração de Cristo “no monte santo” e sua descida cá embaixo? Qual a relação entre a atitude de seus discípulos, tanto dos que estavam no monte como dos que estavam embaixo, com a dos discípulos de hoje? O que aprendemos com aquele pai e seu filho endemoninhado mas liberto por Jesus?
Hoje em dia a busca de uma vida contemplativa parece mais em moda do que nunca. O que antes era comum de se ver e ouvir no mundo zen, passa para o lado de cá, da igreja. Cada vez mais livros e livros são escritos sobre o tema. Pastores buscam a contemplação e levam seus rebanhos a imitá-los. A igreja está mais espiritualista do que nunca. A igreja de hoje e não poucos líderes parecem viver a realidade de dois mundos distintos. O mundo contemplativo, a nossa “verdadeira” realidade, e o mundo real que não faz parte de nossa realidade. Isso tudo tem algum sentido prático? Não estaria faltando ortopraxia na teologia conceitual de nossos pastores e igrejas? Qual o valor de uma fé sem obras?
Não estou dizendo que a contemplação não faça parte da vida cristã. O que estou dizendo é que a vida cristã não se resume nisso. As pessoas nas quais eu percebo uma alienação absurda do mundo são as que dizem ou se julgam ser as mais espirituais. Tenho visto pouco empenho evangelístico e missionário por parte dessas pessoas, além de pouco ou nenhum envolvimento social da parte delas. É preciso orar sim; é preciso buscar a comunhão de Deus sim; precisamos nos congregar para adorar ao nosso Deus, mas isso tudo (válido e importante), não pode ter um fim em si mesmo. Cantamos que “bom é estarmos aqui, louvando a Deus”. Dizemos ainda que esta é “a casa de Deus”. Mas e daí?
Do alto do monte de nossa contemplação é preciso aprendermos com o Mestre a olharmos para baixo e vermos a sociedade escravizada da qual fazemos parte, com compaixão e misericórdia. São muitos os que não têm voz e nem vez nesse mundo desumano.
A igreja é a voz profética da sociedade. Há um ditado popular que diz que “quem cala consente”. Por isso mesmo, precisamos ser e fazer a diferença aqui e agora. O mundo precisa saber pela igreja que Jesus é a melhor escolha; a única alternativa de vida. A esperança do desesperado; a vitória de quem guerreia contra a carne, o mundo e Satanás. Que Ele ergue do pó o desvalido e do monturo o necessitado. Enfim, que Ele, e somente Ele, é vida de verdade.
No alto do monte Jesus viu a Deus e não se esqueceu dos que estavam embaixo. No alto do monte Ele olhou para baixo; estando embaixo não deixou de olhar para cima. Ajudar os aflitos era parte de sua missão e culto a Deus. Pedro e João aprenderam as lições do Mestre, como os demais também, porque mais tarde, com um outroTiago, Pedro e João recomendaram a Paulo e Barnabé que se lembrassem dos pobres, “o que também me esforcei por fazer”, disse o apóstolo.
Para refletir: Suba o monte santo sem se esquecer dos que ficaram embaixo.
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