Autor: Teotonio R. de Souza
Estamos a viver uma nova fase de globalização que se iniciou com a chamada “era dos Descobrimentos” liderada pelos países ibéricos há quinhentos anos.[1] Poderíamos admitir que houve outros tipos de globalização. Não se entende doutra forma como o Islão, o Budismo, o Cristianismo, ou ainda o Hinduísmo, poderiam ter chegado às regiões bem distantes do seu solo de origens. O colonialismo europeu conseguiu substituir essa globalização com novos métodos de produção e estruturação das sociedades. A ação missionária cristã que acompanhou este processo participou activamente na vertente social e cultural da reestruturação das sociedades colonizadas. A criação duma secção da sociedade nativa afecta aos colonizadores e dependente deles para o seu melhoramento social era uma peça fundamental da estratégia de colonização, especialmente quando a exploração colonial se fazia a partir de um país muito distante e com poucos recursos humanos.
As estruturas eclesiásticas de jurisdição continuam sedeadas no Ocidente e não estão livres das influências políticas e económicas dos interesses do capitalismo moderno. Após a descolonização que marcou a segunda metade deste século, as estruturas eclesiásticas adoptaram uma nova política (teologia) de abertura para com as outras religiões, e foi introduzido o discurso de “igreja local” (uma recuperação conveniente dos primórdios do cristianismo) para reconhecer a autonomia das antigas “missões” no Terceiro Mundo descolonizado. É curioso que a necessidade desse tipo de discurso ou linguagem de “diálogo” não foi sentida na era colonial. Houve casos de “adaptação” estratégica, tal como aconteceu com a missão promovida por Matteo Ricci na China ou por Roberto de Nobili na Índia. Os missionários italianos, provenientes duma cultura italiana cosmopolita e sem mácula do nacionalismo cultural da Europa ocidental manifestaram essa capacidade de adaptação cultural no Oriente. Fez-se também nas zonas onde a presença militar-naval portuguesa era fraca. Não existem casos de diálogo inter-religioso nas regiões fortemente dominadas pelas forças europeias.[2] A estratégia “dialogante” foi adoptada no caso do imperador Akbar, no sul da Índia, na China e no Japão. A sobrevivência comercial e a política dos portugueses dependia das boas relações com os poderes dominantes dessas regiões, ou como no caso de Madurai no sul da Índia, foi apoiada uma secção marginalizada da sociedade local, os Paravás, mas com atenção à sua potencialidade de se servirem de apoio estratégico para o controle do Golfo de Manar e do comércio português no Golfo de Bengala e mar de China.[3]
O que acontece na Ásia descolonizada? Com a excepção das Filipinas, a Índia apresenta numericamente o grosso da presença cristã. Os dois países representam de certa forma as tradições religiosas dos dois países ibéricos na Ásia. Serviram-se também de base para as actividades comerciais e missionárias dos rivais ibéricos da época dos Descobrimentos no Oriente. A política colonial anglo-saxónica e americana deixou as suas marcas no cristianismo na Ásia, mas são as tradições do século XVI e XVII que dominam o comportamento das igrejas na Ásia, e o relacionamento dessas Igrejas com as sociedades maioritariamente não-cristãs. São elementos dessas igrejas com uma longa tradição que constituem as elites cristãs da Ásia. Essas elites sentem-se inseguras perante a aquisição do poder pelas elites sociais não-cristãs nos respectivos países neo-independentes. Qualquer discussão da “nova presença missionária” na Ásia requer uma análise séria dessa componente social, nomeadamente das ambições e rivalidades das elites nacionais. Nesta fase actual de globalização, as elites nacionais da Ásia exploram o fenómeno religioso e as suas implicações histórico-culturais em benefício dos seus interesses de classe. É o fenómeno de fundamentalismo.
As elites nacionais não-cristãs da Ásia desconfiam que os elementos cristãos das suas sociedades sejam utilizados pelas suas ligações missionárias / eclesiásticas / culturais com o Ocidente para a penetração e subversão dos seus mercados e economias. Afora esta preocupação que tem fundamento no passado e nos casos que se verificam até os nossos dias, as sociedades asiáticas continuam a ser profundamente espirituais. O que é importante frisar, é que não se espera que a espiritualidade continue a ser um instrumento ou um produto da globalização das multinacionais e dos governos que elas controlam. Atrevo-me a afirmar que a espiritualidade de satyagraha de Mahatma Gandhi, como o movimento sarvodaya de Acharya Vinobha Bhave serviram mais indianos do que a actividade missionária tanto nobelizada e publicitada de Madre Teresa. Resumindo e concluindo, a nova presença missionária deverá assumir a missão de Cristo buscando meios para reforçar, e não enfraquecer as forças anti-sistémicas na sociedade internacional. Caso contrário, e como tem acontecido com mais frequência, a ação missionária é instrumentalizada pelas forças de globalização para destruir as forças anti-sistémicas que lhes fazem resistência, particularmente nas sociedades do Terceiro Mundo.
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Observamos na Ásia pós-colonial um crescente empobrecimento das populações como resultado das políticas de desenvolvimento e empréstimos das agências do capitalismo financeiro. A promoção do consumerismo em benefício das elites privilegiadas dos países do Terceiro Mundo e uma destruição sistemática do ambiente e de bio-diversidade vão reduzindo cada vez mais a qualidade de vida das grandes maiorias das populações asiáticas. Essa situação alarmante tem tido reacções populares violentas contra as forças de opressão capitalista. Grupos de cristãos, inspirados pela leitura “libertadora” da Bíblia, têm marcado a sua presença com expressões anti-sistémicas. Mas quase sempre o protagonismo deste tipo não tem partido das estruturas oficiais da igreja que teme pela segurança dos seus interesses institucionais, mas não tem sempre faltado a sua simpatia e participação discreta em alguns desses movimentos. Atraíram maior atenção o movimento Minjung (massas populares) na Coreia, a teologia de “struggle” (luta) nas Filipinas e a teologia dos “dalits” (oprimidos dos excluídos das castas) na Índia.[4] São respostas asiáticas e brotam duma visão cultural asiática marcada pelas tradições de hinduísmo, budismo e confucionismo. É uma visão orgânica da realidade. [5] Qualquer discurso à moda ocidental, incluindo uma discussão de “nova presença” missionária, corre o risco de continuar a ignorar a matriz cultural asiática e perpetuar os erros do passado colonial e do neo-colonialismo em curso.
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Felix Wilfred,[6] um teólogo conselheiro da Conferência dos Bispos da Ásia, citava em 1993, durante um encontro dos bispos em Hong-Kong, as estatísticas de quase duzentos casos de conflitos menores e maiores no Terceiro Mundo desde a última Grande Guerra. O número dos mortos nesses conflitos tinha excedido o dos mortos na Grande Guerra. Por trás dos conflitos estava a realidade de sofrimentos de uma grande maioria das populações, uma realidade que se tenta esconder com os meios cada vez mais sofisticados, incluindo discursos sobre os direitos humanos e de harmonia. O citado teólogo indiano oferecia as suas reflexões sobre o que poderia ser uma teologia de harmonia como uma resposta asiática aos discursos ocidentais. Perguntava se a harmonia já existia e era somente necessário descobri-la, ou se era um desafio à injustiça reinante. Subjacente à harmonia no discurso ocidental parece estar o conceito de unificação, que hoje se traduz em termos de globalização. É, na realidade, uma unificação de nivelamento das diferenças, em vez de ser um enriquecimento baseado num reconhecimento da diversidade e pluralismo. É a esse nível que se deve compreender o sistema hindu das castas em que o Ocidente somente viu um determinismo kârmico e uma inflexibilidade cruel. Foi uma maneira de integrar proveitosamente para a sociedade todos os grupos étnicos que se foram encontrando. Era uma solução ariana / hindu às limpezas étnicas. [7]
Quero aproveitar das reflexões do citado teólogo indiano e de alguns outros autores citados nas minhas notas de rodapé para distinguir dois modelos culturais de conceber a realidade: um modelo orgânico e outro modelo arquitectónico. Uma harmonia verdadeira é possível no primeiro modelo, enquanto o segundo permite coordenação, e não harmonia. Pode-se dizer que o modelo arquitectónico prevalece na cultura ocidental, enquanto no Oriente prevalece o modelo orgânico. Dos dois modelos depende a abordagem que se faz no Ocidente e no Oriente das problemáticas sociais. Não é raro ouvir as acusações de insensitividade asiática e dos regimes políticos aí vigentes face aos valores democráticos e os direitos humanos. A assistência económica que se oferece aos países do Terceiro Mundo é quase sempre ligada e está dependente da prática desses valores. Só que na concepção oriental orgânica, a justiça ética não tem espaço ou sentido distinto, e traduz-se melhor pela integração. É diferente no modelo arquitectónico em que as componentes precisam de ser equilibradas, e torna-se necessário falar de ética e de justiça, geralmente distributiva. Aqui “faz-se” justiça. No modelo orgânico a integração é uma comunhão ontológica e vivida que reconhece a diferença e afirma a pluralidade. A linguagem de democracia e de direitos humanos satisfazem as necessidades de evitar conflitos no modelo cultural ocidental e as suas tendências centralizadoras e globalizantes. Por trás de interesses políticos de ambos os lados, existem as duas visões diferentes de vida. Uma crescente corrupção e despotismo são a consequência prática quando se força um modelo arquitectónico sobre os povos asiáticos.
A visão asiática da realidade implica também uma concepção diferente de conflito. No modelo arquitectónico o conflito é visto como antagónico e polarizante. No modelo orgânico o conflito é criativo, necessário para produzir nova vida. “Se o grão não cair no solo e morrer, não produz nenhum fruto”, dizia Jesus. É muito diferente do conflito destruidor do modelo ocidental. No Oriente é a política de consenso que fala mais alto do que os argumentos e confrontos ocidentais. Isso implica também duas concepções diferentes de poder. Como o modelo arquitectónico tem como o ponto da partida objectivos e meios pré-definidos, o poder para alcançar esses objectivos pode tornar-se coercivo. No modelo orgânico, o divino está sempre presente e as suas manifestações históricas evoluem. O poder divino sustenta o processo, e é a ausência da consciência deste poder que resulta no mal e injustiça.[8] É o que se representa na dança cósmica do Shiva-Natraja. Os seus gestos impetuosos representam a contínua criação-destruição do universo, a morte contrabalançando o nascimento, a aniquilação sendo o final de cada surgimento. A sua face mantem a calma e um sorriso transcendentes. Revela uma tensão harmoniosa entre o movimento e a tranquilidade. [9]
Quando se manifesta a preocupação pela “nova presença” missionária, isso pode significar uma preocupação característica da visão arquitectónica pelos objectivos a serem atingidos. Faz parte dessa preocupação muita arrogância e dogmatismo, militância e complexos de mártir. É uma preocupação de fazer vingar o monopólio da verdade! Numa visão orgânica os meios são importantes, não o fim. O fim não depende de nós. De nós dependem os meios, a caminhada. Jesus dizia ser ele o caminho, mas assegurar um lugar à direita ou à esquerda do pai isso não era com ele. Lemos também nos evangelhos: “Quando tiverdes cumprido tudo o que vos mandarem fazer, dizei: ‘somos empregados inúteis, fizemos o que devíamos fazer’ (Lc. 17:10). No hinduísmo, Bhagvadgita recomenda nishkama karma, ou uma actividade que não se preocupa com os frutos. Foi o que inspirou e motivou o Mahatma Gandhi na sua prática de satyagraha ou não-violência como uma expressão de actividade sem apego. [10] O caminho do meio e a nobre óctupla via (ashtangika-marga) de Budha, ou a essência do Taoismo (Tao = caminho) inserem-se na mesma tradição oriental.[11]
Muito importante é também o conceito de tempo. Muita pressa e agitação no mundo ocidental é provocada pelo conceito linear do tempo. A unidade e a harmonia são concebidas em termos de passado, presente e futuro. É uma mundividência em termos de historicidade. O modelo orgânico baseia-se numa visão ontológica de presença contínua. Isso manifesta-se na música oriental que se distingue da música ocidental que distingue os movimentos entre o princípio e o fim. A música indiana, por exemplo, não distingue os tempos, e concentra-se na experiência que se vive no presente na sua totalidade. Nota-se nesse sentido a preocupação da cultura ocidental em respeitar as filas em que se atende a uma pessoa cada vez. Na tradição oriental, quanto mais forem atendidos ao mesmo tempo tanto maior é a perfeição do atendente. A tradição indiana aprecia os dasadvani (quem consegue atender a 10 pessoas ao mesmo tempo) e sadadvani (quem consegue atender a 100 simultâneamente). A atitude ocidental tem o seu reflexo na exclusão do outro para definir-se a si próprio. A habilidade oriental de tomar consciência de várias coisas ou pessoas ao mesmo tempo significa também a sua aceitação de uma experiência religiosa sem excluir a validade das outras. Para a cultura ocidental isso seria um sincretismo num sentido pejorativo.
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Esta reflexão leva-me a salientar a importância de diálogo inter-religioso, que deverá substituir a preocupação ocidental do passado com o diálogo ecuménico que vejo como ultrapassado com a nova fase de globalização. O ecumenismo como diálogo entre as igrejas cristãs é pouco abrangente, e no contexto asiático foi sempre considerado como um problema doméstico das igrejas de Europa. A globalização oferece uma oportunidade nova para um diálogo mais abrangente com as grandes religiões orientais. É um desafio que a Ásia viveu desde os inícios do cristianismo através dos cristãos de S. Tomé e dos nestorianos que chegaram até China no século VII.[12] Para os asiáticos este diálogo inter-religioso e inter-cultural não é uma mera opção, tal como se apresentava a alguns missionários do período colonial, como foi o caso de Matteo Ricci ou De Nobili.
Os bispos católicos da Ásia reunidos em Manila em 1970 formularam a sua decisão de iniciar uma jornada de um diálogo “aberto, sincero e contínuo com os irmãos e irmãs das outras religiões, para aprendizagem mútua e para mútuo enriquecimento espiritual, e para juntar os esforços de uma maneira eficaz na tarefa de desenvolvimento total e humano”. [13] Após mais de uma dúzia de encontros oficiais de reflexão entre os representantes de vários grupos religiosos, chegou-se à conclusão que o “Espírito de Deus está activo em todas as tradições religiosas e que o mesmo Espírito está a conduzir os crentes de todas as tradições para um compromisso e uma comunhão que ultrapassa todas as tradições”. Conclui uma declaração dos bispos asiáticos: “ Estamos convencidos que nós cristãos devemos participar na missão de Jesus que morreu para dar vida, lembrando o que ele nos ensinou, nomeadamente, que ‘somente quando o grão de trigo cai no solo e morre, ele produz colheita abundante” (Jo. 12:24).[14]
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É essencial compreender a natureza do diálogo inter-religioso: É um diálogo de vivência em solidariedade no contexto do quotidiano e partilhando as preocupações e as tenções da vida na comunidade local. É um diálogo cheio de riscos e desafios, um diálogo que não permite a ninguém gabar-se da superioridade das suas crenças religiosas. A crescente globalização multiplica as situações de carência e injustiças, tornando a solidariedade da comunidade multi-religiosa uma necessidade urgente. As igrejas cristãs ou as outras religiões não podem continuar a viver no isolamento das suas estruturas e dos seus muros. Chegou a hora de reconhecer e apreciar os valores espirituais que todas elas podem contribuir para uma luta comum contra a deshumanização globalizante marcada pelos ódios fundamentalistas e inter-étnicos.[15] Já não é oportuno para os adoradores de um Deus “ciumento” dos Judeus, Cristãos ou de Islão agredir os crentes das outras religiões. É mais oportuno reflectir, por exemplo, sobre o comportamento de Mahatma Gandhi que proclamou que “Verdade” era Deus, ao contrário do que ele mantinha até então. Sat em sânscrito significava literalmente “o que é”. Aproximava-se desta forma da definição de Deus nas outras religiões, tais como Islão e Cristianismo. Para Gandhi o nome específico de Deus em cada religião era uma questão da tradição histórica de cada religião. Os nomes diferentes não eram uma barreira para atingir a verdade, e o caminho para todos era o mesmo, nomeadamente, não-violência e auto-disciplina. Isso incluía respeito por todas as religiões como expressões mais ou menos imperfeitas da verdade. Gandhi iniciava assim um diálogo de vida, baseado numa fé que ultrapassava as diferenças das religiões. Foi um diálogo que mobilizou as massas indianas e imobilizou as forças imperiais britânicas.[16] Quando um missionário cristão perguntou uma vez ao Mahatma Gandhi como poderia pregar o evangelho de uma maneira mais eficaz, ele teve a seguinte resposta: “Basta vivê-lo de começo até o fim. Preguem menos por palavras e mais através das vossas vidas.” E respondia a um outro missionário que foi pedir o seu conselho: “Tudo o que eu posso dizer é que deveis ocupar-vos com menos teologia e mais verdade em tudo o que dizeis e fazeis”.[17]
Para concluir: Estará a igreja pronta para uma “nova presença” de diálogo que se traduza num acompanhamento sem reservas na miséria das massas, mesmo que isso cause um permanente desconforto aos beneficiários de globalização e provoque represálias contra os interesses institucionalizados da Igreja? Até que ponto um tal diálogo com essas consequências seria aceitável às estruturas eclesiásticas no Ocidente? Sabemos da história do passado que a ação missionária cristã foi uma ponta da lança colonial e continua a ser instrumentalizada pelo neo-colonialismo no presente. Não vai ser fácil pôr de lado as dúvidas e desconfianças enquanto, como afirmam os bispos da Ásia, “permanece a imagem colonial da igreja nas suas estruturas eclesiásticas e na sua dependência económica no ocidente…. Isso levanta suspeitas…. A igreja continua a ser estrangeira no seu comportamento, na sua organização, no seu culto, na formação dos seus líderes e na sua teologia…. A igreja serve bem através das suas instituições de poder e serviços eficientes nos campos de educação e saúde a ponto de parecer uma empresa de negócios ao serviço das elites e levantando dúvidas acerca da sua missão profética em prol dos pobres e dos marginais.[18]
Admitiam os bispos da Ásia em 1992 que a igreja asiática precisava de fé maior para ultrapassar o medo do desconhecido e necessitava de coragem para abandonar uma ovelha do rebanho para ir em busca das noventa e nove que estavam fora.[19] Reafirmavam os riscos de diálogo inter-religioso, e rezavam para que a igreja tivesse a coragem de arriscar a vida para a poder encontrá-la (Mc.8:35).[20]
Se Deus responder à essa prece poderá realizar-se o milagre de diálogo e harmonia das duas visões culturais até hoje em conflito, e poderemos chegar a experimentar o que escreveu S. João no seu evangelho: “Vai chegar a hora em que os verdadeiros adoradores vão adorar o Pai em espírito e verdade” (Jo. 4:23). Será uma revelação de Cristo ressuscitado, de Cristo desacorrentado, que já não é posse de ninguém.[21] Dá também para compreender S. Lucas quando escreve: “Virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul para sentar-se à mesa no reino de Deus. Há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos”.
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[1] Walter Fernandes & Anupana Dutta (eds.), Colonialism to Globalisation: Five Centuries after Vasco da Gama, Vol.I: Main Issues Around Colonialism and Globalisation, New Delhi, Indian Social Institute, 1999, pp. 22-23.
[2] Teotonio R. de Souza (ed.), Discoveries, Missionary Expansion and Asian Cultures, New Delhi, Concept Publishing Company, 1994, pp. 33-44.
[3] Jorge Manuel Flores, Os Portugueses e o Mar de Ceilão, Lisboa, Ed. Camões, 1998, pp. 146-148, passim.
[4] Michael Amaladoss, Life in Freedom: Liberation theologies from Asia, Anand, Gujarat Sahitya Prakash, 1997.
[5] S. Radhakrishnan, The Hindu View of Life, New Delhi, HarperCollins Publishers India, 1996 (3rd ed.), p. 93.
[6] Felix Wilfred, “Towards a Teology of Harmony”, Yearbook of Contextual Theologies, Aaachen, Missionswissenschaftliches Institut Missio e.V., 1993, pp. 146-156.
[7] Adeodato Barreto, Civilização Hindu, Lisboa, Seara Nova, 1935, pp. 142-143. Vide supra n. 5: Refere-se à visão orgânica da sociedade e explica o sistema das castas como uma maneira de evitar uma sociedade de rivalidades funcionais. Serviço da comunidade era considerada como um dever sagrado.
[8] Francis X. D’Sá, “Incarnação cristã e avatar hindu”, Há Lugar para Cristo na Ásia?, Concilium /246, Petrópolis, Ed. Vozes, 1932, pp. 89-99. Enquanto Avatar é uma manifestação divina em tempos de crise, a Vibuti é uma manifestação divina no mundo para “todas as estações”. É o que há de melhor, sagrado, e mesmo morte. É a sacramentalidade da presença divina no universo. Lemos no Bhagvadgita: “Sou a fonte de tudo e tudo procede de mim” (10.7), “Sou a semente de todas as criaturas” (10.39), “Sou aquele que mora no coração de todas as criaturas; sou seu começo, seu meio e fim” (10.20), passim.
[9] Heinrich Zimmer, Mitos e símbolos na arte e civilização indianas, Lisboa, Assírio & Alvim, 1997, 160.
[10] Poema do Senhor: Bhagvad-Guitá, trad. António Barahona, Lisboa, Ed. Relógio d’Água, 1996, 223; M.K. Gandhi, The Bhagvadgita, New Delhi, 1997 (7th ed.), p.30. Na lição 18, v. 23: “Qualquer acção prescrita feita sem apego / sem desejo nenhum e nenhum ódio / e também sem jamais esperar seu fruto / esta acção com certeza, que é chamada sáttvica” (Niyatam sadgahitmaragdveshatah kritam / Aphalprepsuna karma yatatsatvikamuckachayate)
[11] Ray Billington, Understanding Eastern Philosophy, London, Routledge, 1997, pp. 62-64, 107 ff.
[12] Samuel Hugh Moffett, A history of Christianity in Asia, Vol. I, chapters 2, 3 & 15.
[13] For all the Peoples of Asia: Federation of Asian Bishops’ Conference Documents from 1970 to 1991, ed. Gaudencio Rosales & C.G. Arévalo, N.Y., Orbis Books, 1992, p. 325.
[14] Ibid., p. 326.
[15] Ibid., pp.328-329. Cf. S. Radhakrishnan, op. cit., pp. 39 ff.
[16] Rustom Barucha, The Question of Faith, New Delhi, Orient Longman, 1993, pp. 74-75.
[17] Citado por Arun Shourie, Missionaries in India: Continuities, Changes, Dilemmas, New Delhi, HarperCollins Publishers India, 1997, p. 239.
[18] Ibid.,pp. 337-340.
[19] Uma inversão bíblica de Lc.15:4.
[20] Ibid., p. 347.
[21] Teotonio R. de Souza, “Algumas faces de Cristo na Ásia”, Concilium /246, 1993, Vol. 2, pp. 173-180.
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