Autor: Carlos Caldas
Há um aspecto que, conquanto muito importante, nem sempre tem sido devidamente considerado pela igreja. A questão é: a quem pertence a missão?
A resposta mais comum é a que diz ser a igreja proprietária da missão. Daí falar-se tanto em “missão da igreja”. No entanto, um cuidadoso exame da questão à luz de fontes criteriosas e equilibradas de teologia de missão mostra que a missão não é da igreja. A missão é de Deus. Vem de Deus. Missiólogos usam a expressão latina missio Dei para referir-se à missão, que tem origem no Deus Triúno.
O resgate do conceito bíblico-teológico da missio Dei é de importância transcendental para a igreja contemporânea. A perda desta noção traz graves prejuízos para a vida da igreja. Quando a igreja se julga a senhora da missão, acontece uma mudança desastrosa: ela deixa de se preocupar com sua organicidade (ser corpo de Cristo) e concentra-se em ser uma estrutura pesada e burocrática, voltada para si mesma, não raro dominada por política eclesiástica nociva. Quando a igreja se imagina dona da missão, seus líderes não se preocupam em servir, mas em brigar por espaço, poder, influência e dinheiro na denominação. Na verdade, em vez de ser senhora da missão, a igreja é serva; e como serva deve viver. Quantas vezes, pela ausência desta visão, líderes denominacionais preocupam-se mais com a sua própria glória do que com a glória do Deus senhor da missão!
Não é difícil imaginar quantas e quão radicais mudanças podem acontecer na vida do corpo de Cristo desde que haja plena compreensão de que a missão é de Deus e a igreja é serva desta missão. Um único exemplo: quanto do orçamento de uma igreja, seja em nível “micro” (uma comunidade local), seja em nível “macro” (uma denominação), é destinado à manutenção de uma “máquina” eclesiástica? E quanto desse orçamento é efetivamente destinado ao cumprimento da missão integral da igreja no mundo? Muito provavelmente gasta-se mais com a manutenção do culto e com o marketing da própria igreja e seus líderes do que com a missão propriamente dita. Tal não acontecerá se a igreja compreender-se serva da missão de Deus no mundo.
Esta triste situação pode (e precisa!) mudar. Basta que as igrejas e seus líderes entendam algo muito simples, mas com implicações tremendas: a missão pertence a Deus. Nas palavras de Timóteo Carriker, “a missão, antes de ser da igreja, é missio Dei. Esta perspectiva nos guarda contra toda atitude de auto-suficiência e independência na tarefa missionária. Se a missão é de Deus, então é dele que a igreja deve depender na sua participação na tarefa. Isso implica uma profunda atitude de humildade e de oração para a capacitação missionária, uma dependência confiante em Deus…”
Tal perspectiva da dinâmica da missão nos guarda, por uma lado, contra uma identificação completa dos programas missionários das denominações e agências missionárias com o propósito e missão global e integral de Deus. O povo de Deus reflete, apenas parcial e imperfeitamente a missio Dei.
Não há dúvida de que ser instrumento nas mãos de Deus para o cumprimento da missão integral no mundo é um imenso privilégio. A compreensão de que a missão é de Deus é necessária para que a igreja recupere sua humildade. Além de ser um privilégio, é uma honra para a igreja ser serva desta missão. Afinal, o modelo maior da igreja é aquele que “não veio para ser servido, mas para servir”. E o servo não é maior que seu senhor…
Carlos Caldas é doutor em ciências da religião e diretor acadêmico do Centro Evangélico de Missões, em Viçosa, MG. (Texto extraído do site www.ultimato.com.br)
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