DE CORPO E ALMA

Autor: Pr. CLEISON MLANARCZYKI

Ação social coerente à Palavra de Deus

Lembro-me da cena de um filme em que um sacerdote cristão recusa-se a oferecer ajuda a um mendigo por afirmar que “a igreja cuida apenas do alimento espiritual”. O filme, a priori uma comédia, motivou-me a perceber uma realidade nada “engraçada” da igreja cristã.

Não há dúvidas de que a Palavra de Deus sempre enfatizou a preocupação social, voltada principalmente às figuras da viúva e do órfão, do pobre e do enfermo. As inúmeras bases bíblicas para o trabalho social mostram a evidente preocupação divina com o necessitado ao longo de toda a história de Israel até os dias de Jesus (Lv 19.9-10; 23.22; 25.8-34; Dt 24.19-21; Mt 5.7; 6.1-4; 7.12; 25.31-46 e Lc 10.30-37).

Mas tenho uma preocupação. Como historiador, conheço a influência do pensamento helenista sobre a igreja primitiva, e a divulgação da idéia de que o ser humano é dividido em corpo, alma e espírito (dicotomia para alguns ou tricotomia para outros). Entretanto, enquanto teólogo, não posso admitir um ser distintamente “departametalizado”. Pensar que não fomos criados por Deus como seres unitários é uma violência à concepção divina.

Somos seres integrais e não um amontoado de porções. Assim, também, o Evangelho contempla todas as realidades da vida, não apenas a espiritual. Provavelmente você já leu, ou ouviu, ou disse, que a igreja de Cristo deve “salvar almas”. Concordo, em parte. Mas o corpo não necessita de libertação?

A igreja há muito pode estar agindo de maneira contrária à perspectiva missionária de Jesus. As bases filosóficas do mundo ocidental foram fundamentadas sobre uma interpretação incompleta da Bíblia, gerando uma conclusão que somente o trabalho em prol das almas é importante. Mas Jesus mostrou ser necessário pregar e viver um Evangelho completo, onde o ser humano todo é valorizado.

Aqui fica o convite para (re)pensarmos a motivação em fazer Ação Social. Todo cristão deve amparar um necessitado, mas nenhuma Ação Social deve apresentar um Evangelho mutilado. A vida abundante é uma realidade destinada à alma e ao corpo, ambos criados a partir do eterno amor de Deus.

Contudo, antes de ser historiador ou teólogo, sou servo de Jesus, e reconheço que a prática integral da missão cristã nem sempre é fácil. Sempre executamos o nosso serviço a Deus pensando em excelência, mas às vezes esbarramos em nossa incompreensão das Sagradas Escrituras.

Ao ler o relato da primeira multiplicação de pães e peixes (Mc 6.30-44) fico pensando se um dia conseguirei desenvolver a missão de Deus de maneira eficaz. Entre os muitos versos deste texto bíblico, confesso que as palavras de Jesus no verso 37 me constrangem: dote autois humeis phagein (dai-lhes vós de comer).

As “ovelhas sem pastor” (v. 34) precisavam de direcionamento espiritual, e, também, de comida. Jesus mostrou que a multidão aflita necessitava conhecer o caminho para se chegar a Deus, mas também conhecer um jeito de matar a fome.

Jesus mostrou que a libertação integral do ser humano compreende não apenas caridade, mas compromisso ético, técnico, profissional e social. A Bíblia não nos permite ignorar o desafio social da Igreja de Cristo. Mais do que assistir ao próximo, deve haver proclamação da justiça social, “nadar contra a correnteza” em um mundo oposto à dignidade humana. A missão cristã não é apenas redentora, é também profética, levando o Evangelho que salva e denuncia toda e qualquer estrutura injusta que atente contra a vontade de Deus entre nós.

O alvo da proclamação do Evangelho de Cristo é a pessoa toda. A igreja não pode primeiro pregar para depois fazer Ação Social, ou vice-versa, mas deve fazer os dois concomitantemente. Da mesma forma, a mensagem cristã não deve ser direcionada apenas ao “corpo”, como se gerar libertação de um sistema econômico opressor fosse o suficiente para a libertação do pecado.

Por tudo isso, a proclamação do Evangelho deve ser completa. O ser humano precisa ser suprido de maneira integral, pois sente fome na alma, e também no corpo. Se entendermos desta forma, um dia diremos ao mundo as mesmas palavras de Marcos 6.42: “todos comeram e ficaram satisfeitos”.

Pense nisto!

Um grande abraço. Deus te abençoe. 

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