Autor: Sigmar Reichel
Outubro no Brasil é o mês da criança. Parece que o destino quis que esta homenagem se localizasse dentro da primavera. Estação de muita alegria, muito broto, folhinha nova nas árvores que perderam as folhas, enfim, algo novo, nova vida e muita disposição, assim como o percebemos em toda criança.
Fico feliz quando vejo campanhas em prol da salvação de crianças de rua, de crianças soro positivas, de crianças com câncer, portadoras de deficiência, sem pais, etc. É animador como existem boas notícias de instituições que promovem o bem-estar da criança e do adolescente brasileiros.
No entanto, a situação não está nada boa; mesmo com uma acentuada queda no índice da mortalidade infantil, ainda morrem crianças de fome e violência, ainda existem estatísticas assustadoras do índice de analfabetismo, de doentes e crianças de rua. Crianças e jovens são apreendidos e aliciados para o chamado tráfico de formiguinhas. Conforme informa o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, em 2002 aumentou em 26% o aliciamento de menores para a venda de drogas. Muitas crianças estão fora da escola porque precisam trabalhar. A jornalista Andréia Peres, em seu livro “A Caminho da Escola”, revela que 3,8 milhões de crianças ainda trabalham no país. Esta é uma situação nada alentadora. No Brasil está enraizada uma cultura de que uma criança trabalhando é uma a menos vagando pelas ruas, roubando, se drogando ou se prostituindo. Poucos se indignam e questionam, porque ela, ao invés de trabalhar, não está estudando? Portanto, esta maneira de ver o trabalho infantil como uma solução, e não como um problema, é uma concepção cultural do nosso povo e fomentada por muitos apresentadores de TV.
Neste contexto devemos nos perguntar, como Igreja, que lugar a criança ocupa em nossa igreja? Nos nossos cultos? Como é o ambiente dos cultos infantis (ou escolinha dominical)? Considerando que somos uma Igreja de Confissão Luterana, é importante que observemos a história e as preocupações do reformador Martim Lutero pois, além da profissão de fé e da palavra, ele tinha como um dos grandes objetivos a educação. Dr. Walter Altmann, presidente da IECLB, em seu livro “Lutero e Libertação”, resgata isto muito bem quando comenta que Lutero escreveu um tratado, exortando os pais a que mandem seus filhos à escola. Havia resistência por parte dos pais, pois os filhos eram criados para ajudarem na receita da casa. Mesmo assim, Lutero chegava a admoestar que uma das tarefas do diabo era convencer-nos de que a educação não era algo importante. Em outras ocasiões, Lutero afirmava que a educação é um mandato de Deus.
Não é vontade de Deus que as crianças levem uma vida de abandono. No discurso de Cristo, a criança é parâmetro para a entrada no Reino (Mt 18. 2), ou a elas pertence o Reino (Mt 19. 13). No Antigo Testamento encontramos a preocupação desde cedo pela educação: “ensina a criança no caminho que ela deve andar…” (Pv 22.6).
Assim, prezado leitor ou leitora, é preciso mobilizar a sociedade e gritar a todos os cantos de que a criança não é a causa, e sim a vítima dos transtornos sociais. Uma sociedade que não cuida, ou até mata suas crianças, é uma sociedade que opta por um futuro sem esperanças. Como igreja cristã somos desafiados a nos posicionar e lutar contra as injustiças sociais, contra uma estrutura opressora e discriminadora. Como missão profética cabe a nós denunciar as injustiças e anunciar a palavra da graça: que todos somos aceitos e amados por Deus somente por graça e nada mais. A esperança nos é dada, não estamos sozinhos nesta empreitada, pois “Deus enxugará dos olhos toda a lágrima”, e com isso poderemos partilhar com todos que o “nosso mundo tem salvação”.
Quem acolhe uma criança a mim acolhe, diz Jesus.
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