Contribuições Femininas (Feministas?) para a Educação1

Autor: Regina Maria Mac Dowell de Figueiredo2


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Não é recente a preocupação em rever e readequar o conteúdo programático e a metodologia do ensino na escola pública. Desde a iniciativa de educadores da chamada Escola Nova (anos 40 a 60), isso tem se tornado objeto de reflexão, dado que a expansão da escola pública em nosso país, atingindo setores pauperizados, ocorreu adotando-se os modelos antigos da escola de elite, com relação ao conteúdo programático, aos propósitos da escolarização e, mesmo, à metodologia de ensino. Esse artigo aborda três temáticas que foram introduzidas nos anos 80 no Brasil, na maior parte por autoras que tiveram a preocupação em reestruturar o conteúdo e a metodologia de ensino integrando perspectivas femininas aos temas: a introdução da mulher como sujeito histórico, a educação não diferenciada entre meninos e meninas e a educação sexual. Defende-se aqui que tais contribuições não foram apenas femininas, mas principalmente feministas, porque levam a uma mudança na percepção do papel feminino e na ação das mulheres em nossa sociedade. Abordar a mulher como sujeito histórico, significa integrá-la nos feitos e processos desde o início da humanidade. Adotar uma educação não diferenciada remete a transformações no desenvolvimento de papel feminino, refletindo em vários campos de comportamento profissional, político, doméstico e íntimo. Encarar a Educação Sexual retoma toda a reestrutura toda a problemática da mulher construída como sujeito reprodutor e discute o papel de intervenção repressora contínua emsua sexualidade e auto-conhecimento físico. Todos essas prorrogativas, de forma complementar, elevam a mulher a condição de cidadã e agente de seu próprio desenvolvimento e são transformadoras das atividades educacionais e seus fins. 1. História com Mulheres As contribuições marxistas para a área de educação alteraram basicamente a forma de perceber a História, principalmente por terem proposto a integração da “História dos Oprimidos”, priorizando a reflexão sobre as mudanças sociais. Não só na Europa, mas também no Brasil, as décadas de 70/80 produziram inúmeros estudos sobre os movimentos de resistência dos setores proletários, dos servos, etc, bem como suas formas de organização. Como exemplo temos, José Jobson Arruda, Francisco de Assis Silva e posteriormente, Clovis Moura, entre outros. Esse momento de reavaliar a posição dos “vencidos”, dos “anônimos” – não heróis – foi decisivo para a elaboração de metodologias de ensino e materiais que introduzissem a perspectiva de mudança como fundamental para o desenvolvimento social. 1Artigo publicado originalmente como: FIGUEIREDO, Regina. “Contribuições Femininas (Feministas?) para a Educação” in Cadernos de Educação CNTE- Conselho Nacional do Trabalhadores da Educação , Ano III, nº 10, Brasília, CNTE, dezembro de 1998. 2É mestranda em Antropologia Social na Universidade de São Paulo, Socióloga e atua com Sáude Sexual e Reprodutiva, Educação Sexual, Gênero e Não-Sexismo, além de ter participado em 1991/92 da pesquisa “Família em São Paulo – A Atuação dos Agentes Femininos no Campo das Relações Familiares em Diferentes Classes Sociais”, desenvolvida pelo Centro de Estudos Rurais e Urbanos – CERU, da Universidade de São Paulo, onde teve contato com os estudos históricos sobre as mulheres brasileiras no século XIX e XX.

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Nos livros didáticos começaram a surgir não mais nomes importantes e datas comemorativas, mas também processos político-sociais, revoluções, lutas, associações, etc, tornando visível a importância de outros agentes sociais da “luta de classes”, antes deixados na invisibilidade. A preocupação social, permeada pela visão do ensino como praxis para a construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária, surge também nos modelos de ensino destinados à população. Podemos citar aqui, como exemplos, a metodologia desenvolvida por Paulo Freire para a educação de adultos analfabetos e a pedagogia de Frenet que orienta o aprendizado a partir da realidade sócio-cultural do grupo. Nesse sentido, a introdução das minorias étnicas, como negros e índios nos livros didáticos, sema antiga estigmatização, teve a intenção de não apenas restaurar sua integridade social, como tambémproduzir efeitos valorativos sobre grande parte da população brasileira, descendente desses grupos. De uma forma ou de outra, toda essa perspectiva amplia ou procura ampliar a identidade nacional, produzindo a participação política das pessoas no processo de transformação da sociedade. A educação é encarada como um instrumento, um acesso ao conhecimento e aos referenciais culturais que formam o povo brasileiro. Sem querer negar a importância de todas essas contribuições, foramobservadas duas questões que não estão presentes em tais visões de ensino e de história. A primeira refere-se à abrangência dos termos coletivos, de certa forma massificando as pessoas pertencentes a grupos diferenciados. Assim, fala-se “os trabalhadores”, “os negros”, “os brasileiros”, etc, sempre sujeitos coletivos. A segunda, é a inexpressiva presença da mulher e de suas contribuições para a história da humanidade. Não foram poucas as autoras que se preocuparam, provavelmente por serem mulheres, com tais questões. Tanto na generalização, como no silêncio, terminava-se por perder a especificidade do papel da mulher na construção histórica. Algumas autoras, como Josefina Alvares de Azevedo, em “Galeria das Mulheres Ilustres”, procuraram, a exemplo das antigas linhas de ensino, enaltecer mulheres famosas e “heroínas”, como Joana D’Arc, Princesa Isabel, entre outras, procurando relevar a mulher neste cenário tão masculino. No entanto, caíram no mesmo erro já detectado pelos historiadores da dita “história sem heróis”, priorizando certas personalidades e posições ao invés de processos históricos dinâmicos e contínuos. Talvez por este motivo, não houve continuidade de tais produções. Posteriormente, nos anos 80 e 90, outras autoras, como June Hahner, Maria Odila L. S. Dias, Mary del Priore, Míriam Moreira Leite, tornaram-se referências para trazer a mulher à História, à medida em que seus estudos visualizam outros espaços sociais onde ela predomina, principalmente o espaço privado. Assim, a aparição da mulher se dá. significativamente por ser esse o seu local historicamente dado. A mulher está na história cotidiana, nos espaços públicos não exaltados pela “História Pública”, que tinham sido até então relegados a um segundo plano no estudo e construção da História oficial. Essa contribuição feminista de historiadoras e estudiosas preocupadas em reintegrar a importância da mulher em todos os acontecimentos históricos, seja como retaguarda para que os mesmos possamocorrer, seja como agente ativo deles, é a mais recente contribuição para a construção da História, que deve ser observada por todos aqueles que trabalham com o ensino, para que se possa promover socialmente as mulheres à condição de cidadãs.

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Só a partir deste recontar, desta recolocação da mulher no devido espaço que ela sempre ocupou, passa a ter sentido falar em democracia, liberdade e igualdade entre os seres humanos e suas nações. 2. Educação Não-Sexista O questionamento sobre as metodologias de ensino “fora de lugar”, ou seja, que apresentam o conhecimento como estático e já definido, foi outra preocupação das produções pedagógicas brasileiras nesses últimos vinte anos. A pedagogia Frenet, assim como a proposta por Jean Piaget, Carl Roger, Vygotski e Emília Ferrero, tem como principal preocupação reorientar a forma como os conteúdos são apreendidos pelos alunos. Nesse sentido, procura alternativas à antiga exposição oral. Nestas propostas metodológicas, o indivíduo é visto como fonte produtora de conhecimento; assim, sua vivência e “curiosidade natural” são fundamentais para a construção do
saber. Serão o incentivo, a estimulação e a troca de vivências e informações entre alunos e professor, que produzirão a experiência do saber. O indivíduo torna-se sujeito e passa a ter importância no processo de ensino-aprendizado, bem como as informações que traz de fora do ambiente escolar. Estimula-se a integração das especificidades de cada grupo e cada lugar, ao mesmo tempo em que há uma valorização da da identidade coletiva desse sujeito. A metodologia de ensino, juntamente com o conteúdo são redirecionados, a educação passa a fazer parte do processo de desenvolvimento social, criativamente. Esta característica vem em oposição aos antigos sistemas de ensino que, transmitindo conteúdos padronizados de forma unilateral, colocavam-se à disposição da reprodução da sociedade, com seus valores morais hierárquicos e suas desigualdades sociais. As propostas educacionais que incluem a participação do aluno, resgatam sua vivência e realidade, mas também e, principalmente, seu desenvolvimento cognitivo. É essa valorização do ritmo individual, do momento de percepção de cada um, que faz com que haja uma análise mais individualizada da potencialidade do aluno, que é motivada para a participação na coletividade. No bojo deste processo de recuperação das realidades, vêm a tona as diferenças de trato e as discriminações enfrentadas pelas mulheres em nossa cultura, seja do ponto de vista valorativo, seja no comportamental. Este aspecto foi analisado por algumas teóricas, como Fúlvia Rosemberg, Regina Toledo, Maria de Lourdes Nosella, Elena G. Belotti, que notaram os diferentes incentivos e expectativas dados aos dois sexos, determinando posições diferenciadas nos espaços, sejam eles escolares, domésticos ou públicos. Preocupadas com a reprodução destas diferenciações, não atentadas pelos profissionais de ensino que adotam metodologia participativa, feministas têm apontado a importância da escola na interrupção deste processo. A proposta de uma educação não-sexista sugere a integração das contradições cotidianas vivenciadas pelos diferentes sexos, reelaborando modelos não-discriminatórios. Não se pretende negar

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as diferenças biológicas entre mulheres e homens, mas produzir uma visão crítica de como a sociedade transforma tais diferenças em comportamentos sociais culturalmente delimitados. Essa “transgressão” do biológico para o cultural ocorre com a criação de modelos ideais específicos para ambos os sexos, não apenas de caracteres externos (comportamento, aparência), mas também interno (expectativas, imaginário, definições de vida). Um primeiro passo para uma educação participativa e libertadora das potencialidades do indivíduo, pressupõe o não cerceamento suas aptidões e o não confinamento de suas possibilidades criativas. Portanto, a matriz dos papéis masculino/feminino atualmente presente, se encontra, inquestionavelmente, em oposição a tal aspiração. As mudanças cotidianas que a escola pode produzir, reafirmando a participação feminina emesferas de liderança e atividade, ou de igual participação, gera efeitos positivos no desenvolvimento do respeito e da cidadania das mulheres e dos próprios homens. 3 – Educação Sexual Apesar de só atualmente estar sendo valorizada, a Educação Sexual nas escolas é uma proposta que vem sendo desenvolvida há mais de uma década. Essa iniciativa gerou inúmeras discussões e preocupações religiosas e morais quanto ao direito da escola de cumprir este papel orientador, temendo um possível incentivo ao início ou ao aumento vida sexual dos jovens. Apesar de todas estas questões, a convergência dos fatos, devido ao aumento dos casos de AIDS entre jovens e adolescentes e o aumento do número de gravidez indesejada na adolescência, levou pais, escolas e educadores a encarar sua necessidade. A sexualidade dos jovens existe e se manifesta independente de sua compreensão pela “sociedade adulta”, seja por desejo natural, por incentivo da mídia ou por outras questões de mudança comportamental no papel das mulheres, e por isso não pode ser negada. Compreender esse aspecto foi o passo fundamental para a elaboração de propostas de trabalho sobre o tema nos espaços de educação formal. Inicialmente nas aulas de Ciências ou Biologia, no conteúdo de Aparelho Reprodutivo, começou-se a realizar sua pequena inserção. Porém no fundo, não se conseguiu garantir a informação, dado que para o jovem, sua sexualidade envolve questões muito mais complexas e subjetivas do que qualquer esquema representativo de concepção. A realidade da sexualidade humana toca em outras questões, como o amor, os tabus, os medos e as sensações, que precisaríam de outros espaços para serem expressadas. Surgiram assim, os grupos oficinas e discussões participativas sobre sexo e sexualidade, que foram adotadas por algumas escolas. É importante lembrar que não apenas os jovens têm dificuldade ou falta de informação para discutir estes assuntos; toda a nossa sociedade “abafa” esta carência. Se notarmos o grau de desinformação geral de nossa população quanto à sua saúde sexual, seus processos naturais e sobre a contracepção podemos perceber o grande vácuo que possuímos neste campo.

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Portanto, uma proposta de introduzir a educação sexual nas escolas necessita incluir também a formação dos adultos educadores. A maioria das oficinas de educação sexual segue o método construtivista e participativo, isto é, se inicia com a discussão dos temas e opiniões dos jovens, para depois de contrapô-los, acrescentar informações científicas, enriquecendo os conteúdos dos temas e permitindo um reposicionamento dos alunos. A utilização dessa metodologia não é novidade para os grupos de apoio à mulher que se dedicaram às discussões de sexualidade, violência e contracepção. Elaborados de forma análoga, as oficinas de grupos feministas procuravam, a partir das vivências comuns ou diferenciadas, gerar discussões quanto ao papel feminino na sociedade, sua constante preocupação com relação à saúde sexual e reprodutiva e formas de modificar tal realidade. É claro, que no bojo das discussões, pessoas mais preparadas, introduziam os temas ou questões esquecidas, revelando os saberes já sistematizados sobre o assunto. Talvez seja possível avaliar que, no início, todo este trabalho envolveu intimamente a maioria das mulheres que deles participavam, devido ao fato de compartilharem dos mesmos problemas, criando um espaço onde a subjetividade era colocada em paralelo às questões objetivas. Dessa experiência acumulada em grupos de mulheres, seja para discutir contracepção, sexualidade ou outros temas, muitas profissionais reorientaram seus trabalhoos, abrangendo tambémjovens e adolescentes. A experiência mostrou que há emergência de um trabalho mais consistente quando ocorre a formação dos valores e da sexualidade, desde a adolescência. Outros profissionais ligados à área de psicologia, ou da própria educação, também empenharamseus esforços no desenvolvimento de metodologias que abordassem sexo e, mais recentemente, a prevenção às doenças sexualmente transmissíveis e à AIDS. Não é demais lembrar que, a maioria absoluta dessas pessoas é de mulheres, porque, na nossa sociedade, são elas que costumam estar mais atentas à necessidade do esclarecimento de questões ligadas à sexualidade e à reprodução, em sua própria vida e, por extensão, na formação dos adolescentes. Foi também, fundamentalmente, dessas mulheres que surgiu a preocupação por uma maior participação masculina nesses assuntos, antes considerados femininos, e também junto à educação dos filho. Atualmente, entre os temas de maior financiamento internacional para projetos de estímulo social, estão o de desenvolvimento da participação masculina nos assuntos referentes à sexualidade, à prevenção ao HIV/ AIDS e à contracepção, mostrando o quanto esses temas são urgentes. Em nível educacional em geral, a inclusão da educação sexual só
beneficia à escola e a sua melhoria, pois integra um tema que é presente cotidianamente nas faixas etárias em escolarização. Ao se delimitar um espaço próprio para este tema, permite-se a sua vazão, proporcionando o desenvolvimento do indivíduo integralmente, inclusive em suas fases intensamente sexuais, o que permite seu maior desenvolvimento também nos outros planos. * * * * * Concluindo, é preciso não apenas relatar, mas ressaltar o empenho feminino nas diferentes áreas educacionais, seja construindo metodologias, sendo criando e enriquecendo temas antes esquecidos.

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Com este intuito foram selecionados os três temas aqui abordados, procurando estimular a sua integração por educadores, que, não por acaso, são também majoritariamente mulheres.

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Fonte: www.usp.br/nepaids/contrifem.pdf

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