Autor: Paulo Lockmann
1. Introdução – Jesus um fazedor de discípulos.
A expressão discípulo (= mathetés) aparece nos Evangelhos e no livro de Atos dos Apóstolos 269 vezes. Isso por si só nos dá um parâmetro de quão importante este tema é na vida e no ministério de Jesus.
Não somente isso, ele dedicou seu ministério à tarefa de formar discípulos. Vejam o que ele disse na oração sacerdotal quando encerrava seu ministério: “Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra. Agora, eles reconhecem que todas as coisas que me tens dado provêm de ti.” (Jo 17.6-7).
Assim, desde o início do seu ministério, Jesus investiu nos 12 apóstolos e nos 70 discípulos (cf. Lc 6.12-16; Lc 10.1). Sempre, no propósito de ensiná-los a viver uma vida segundo o propósito de Deus, tomava as mais diversas situações da vida, e com simples figuras lhes ensinava o caminho a seguir: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo.” (Mt 5.21-22). Ou mesmo: “Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha.” (Mt 7.24).
Jesus fez severas exigências aos seus discípulos, as quais, hoje, andam meio esquecidas. Deixem-me recordar algumas delas.
2. O discípulo irradia paixão por Cristo.
Nosso primeiro e decisivo compromisso, como discípulos de Cristo, deve ser com ele como Senhor e Salvador de nossas vidas. Devemos irradiar isso. Os sermões de Wesley e de Lutero são depoimentos e mensagens de corações apaixonados por Jesus e seu Evangelho. Paulo era radical quanto a isso. Vejamos seu próprio depoimento: “Mas o que, para mim, era lucro, isso considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras, considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte.” (Fp 3.7-10). Jesus mesmo deixou claro que ele deve ser prioridade, ainda que nós muitas vezes não o coloquemos nesses termos. Ele mesmo disse: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.” (Lc 14.26). Atenção, não significa que devamos ter animosidade contra nossos familiares; ao contrário, ser discípulo é dever amor incondicional, até porque queremos imitar Cristo. Recordando que o maior obstáculo somos nós mesmos, nossos interesses pessoais.
3. O discípulo é alguém para o qual Jesus é a prioridade absoluta.
Vivemos em tempos de materialismo religioso. Explico. Trata-se de uma sociedade onde a grande prioridade é ter, possuir a corrida do consumo, é o grande anseio da alma das pessoas. O mercado tornou-se uma grande divindade; atender suas exigências tornou-se a grande cerimônia religiosa dos nossos dias. Alcançar o bem material desejado torna-se uma grande compensação. As igrejas se rendem a ele. A salvação é a prosperidade, é o possuir um negócio próprio, uma casa, um carro. Não consigo ouvir em nenhum dos testemunhos contemporâneos na televisão a genuína alegria de encontrar Cristo, e a esperança da eternidade com Deus. Está tudo descrito em bens materiais.
Deus é instrumentalizado para o consumo, e, com isso, Deus, também, foi posto ao serviço do mercado. Está certo isso? Estaria salva uma pessoa que tendo aceitado Jesus continuasse desempregada? Segundo algumas teologias, a resposta seria não.
Mas qual é a teologia dos Evangelhos? Antes de responder, deixem-me citar o Pr. David Wilkerson: “Acredite ou não, muitas pessoas de bem que estão envolvidas em realizar empreendimentos maravilhosos, não irão para o céu. Pior que isso; muitos que se consideram cristãos e estão convencidos de que irão para o céu ficarão de fora, mesmo não estando envolvidos em pecados grosseiros como pornografia, e outros moralmente condenáveis”. O que tem a ver esta afirmação de David Wilkerson com o que falávamos? Simples, Jesus não é uma opção religiosa, entre diversos outros que o mercado oferece, quase sempre segundo o conceito: O que eu ganho com isto?
Jesus nos ensinou: “Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade.” (Mt 7.22-23).
A salvação no Evangelho pode representar a renúncia às posses, como foi no caso de Zaqueu: “Entrementes, Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais. Então, Jesus lhe disse: Hoje, houve salvação nesta casa, pois que também este é filho de Abraão.” (Lc 19.8-9). Aqui, fica claro que é Jesus como autor da salvação que espera que tiremos do nosso coração nossos ídolos; aquilo que mais almejamos deve dar lugar a ELE. Zaqueu perdeu a riqueza para ganhar Cristo e a Salvação. O contrário do jovem rico (cf. Lc 19.18-23).
Por isso a religião de Cristo rompe com o mercado, o consumo. Quantas vezes temos deixado de ofertar a missões, a projetos sociais porque estamos economizando para comprar um vestido novo, um carro mais novo, ou mesmo um aparelho de televisão? Ou como igreja local priorizamos uma guitarra nova a investir na congregação da periferia, ou mesmo ajudar famílias mais carentes. Vede o ensino do discurso missionário de Jesus. (Cf. Mt 10.5-10).
Assim, o discípulo, sua salvação está relacionada à afirmação de Jesus no Sermão do Monte: “Buscai, pois, em primeiro lugar o seu reino e a sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas.” (cf. Mt 6.33). Sim, seguir o ensino de Jesus conforme viveu Paulo: “Logo já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” (Gl 2.20). Sim, Jesus como prioridade, fé centrada nele, valores orientados por seu Evangelho e uma viva dependência de sua graça salvadora são caminhos da salvação.
4. O discípulo é alguém que reconhece e escolhe a cruz.
A cruz é uma realidade. Ainda que alguns tentem escondê-la, ela é o maior símbolo do Cristianismo. Hoje, há tentativas de transformar a fé cristã numa religião da negação do sofrimento, da exaltação, do prazer e da prosperidade. Mas o Cristianismo, embora considere alegria, prazer, prosperidade, frutos da vida cristã, não tem vergonha da cruz; pelo contrário, a considera o poder de Deus. Não foge da cruz, mas a assume a cada dia. Afinal, foi esta a ordem de Jesus: “Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará.” (Lc 9.23-24). Não escolher a cruz, nos termos das palavras de Jesus, é escolher o mundo, é perder a verdadeira vida.
Aprendamos com o Rev. Dietrich Bonhoeffer: “Esta cruz é colocada sobre cada crente. O primeiro sofrimento cristão que cada qual tem de experimentar é a chamada para cortar a ligação com este mundo. É a morte do homem velho no encontro com Jesus Cristo. Quem entra para o discipulado entrega-se à morte de Jesus, expõe a sua vida à morte; desde o princípio que assim é; a cruz não é o fim pavoroso de uma vida piedosa, feliz, antes se ergue no começo da comunhão com Jesus Cristo. Cada chamada de Cristo conduz à morte. Quer, com os primeiros discípulos, devamos abandonar casa e profissão para O seguir, quer, com Lutero, saiamos do claustro para ingressar na vida secular, em ambas as coisas a mesma morte nos aguarda, a morte em Jesus Cristo, a extinção do nosso velho homem na chamada de Jesus.”
BLIBLIOGRAFIA:
Wilkerson, David. Good Things That Keep People out of Heaven – Coisas boas que deixam as pessoas fora do Céu .- Impresso
BONHOEFFER, Dietrich. Se não morrer, fica só. Lisboa: Editora Livraria Alegria, 1963. p. 90.
Bispo Metodista
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