Comunidade e missão na ótica feminina

Autor: Autor Desconhecido
II. REFLEXÕES DE IRMÃS E IRMÃOS

Partindo da primeira reflexão sobre Igreja alternativa, durante o Seminário de Produção, avançamos no sentido de colocar nossos questionamentos e sonhos quanto à comunidade eclesial, à nossa missão no mundo e à ótica feminina.

1. Nossa Comunidade

– A proposta de Jesus é a fraternidade, a solidariedade; o desafio é como vivê-las numa estrutura de poder e de hierarquia. A comunidade é local de expressão da comunhão, onde se pode viver o novo. Precisamos criar espaços, ocasiões, oportunidades, de partilha, celebração, fraternidade.

Devemos anunciar a proposta de Jesus no meio em que vivemos, ser presença como igreja que nasce do povo no mundo de hoje, incomodando padres, prefeitos, outras formas de igrejas… A posição de falar a verdade e defender a justiça no mundo cria problemas. Nossa missão é de denúncia e anúncio e de criar comunidades.

– A unidade da igreja deve apoiar-se na decisão dos fiéis e não mais nas resoluções do clero. A partir do momento em que se institucionaliza, se cria hierarquia, se exclui também. Há uma necessidade de criar comunidades para viver o novo; precisamos criar e ampliar as ocasiões e oportunidades de viver a igreja em fraternidade. Viver em pequenas comunidades, acreditar no novo, na fraternidade, pois ninguém vive sem base.

– As CEBs são realmente a verdadeira forma de ser igreja? Querem ser isso, não pela igreja oficial, mas pelas pessoas que buscam uma nova forma de ser. Assumidas pelas paróquias, descaraterizam-se. As CEBs foram minadas, não têm mais como avançar. Tudo agora é chamado de CEB, virou modismo: precisa reinventar a proposta das CEBs através de um novo modo de ser.

Em alguns lugares não existem CEBs, mas pequenos grupos transformadores, com novas lideranças. Trazê-las para a igreja será que é solução? Não se corre o risco de despersonalizá-las? Queremos fazer CEBs, porém lideradas pelo povo dos bairros. É possível pensar em CEBs nos grandes centros, nos prédios de apartamentos?

Desde o início houve um certo questionamento: somos CEB ou mini-paróquia? Isto já em 1974. Agora se fala em “setor”. As CEBs devem trazer em seu seio a essência transformadora, não por ser do PT, mas por ser fermento do Reino que deve acontecer.

Mesmo sem o apoio oficial das igrejas, caminhamos com o povo no trabalho social. As igrejas oficiais não são modelo, mas é difícil fazer o povo acreditar em sua própria força nas igrejas. Se formos esperar aceitação e reconhecimento oficial acabamos não caminhando: temos que seguir nas experiências começadas, com os sem terra, na pastoral operária, no trabalho de conjunto com outros setores próximos…

Devemos continuar fazendo o novo, mesmo com as estruturas pesando em cima: reunir-se em grupo, solidarizar-se, viver a ternura e a entre-ajuda dentro do próprio grupo. O que sustenta é a mística, a espiritualidade, que criam uma nova cultura e religiosidade.

As CEBs não estão mais sendo uma nova forma de viver, os Bispos querem controlá-las através dos encontros. O CEBI é uma verdadeira comunidade, onde se descobre a Bíblia, se partilha juntos, cada um conta sua experiência, na celebração se encontra a força para continuar.

Há necessidade de sermos abertos à conversão. O que é a conversão fundamental? É estar aberto sempre à próxima conversão, é a busca de coisas novas, de novas atitudes, fazendo do antigo sempre o novo. Renovar sempre, pois Deus diz Eu faço novas todas as coisas.

Aos poucos vai se aprofundando melhor o envolvimento com o povo, através da Bíblia vai se formando uma comunidade que pensa diferente, mas demora um tempo para o povo nos dizer que formamos uma verdadeira comunidade.

Tem grupos que estão se diferenciando: até assumem a celebração eucarística, pois é a intenção e a fé do povo que fazem a eucaristia. As pessoas já chegam falando, o que é um avanço com respeito a celebrações onde todos têm apenas que escutar.

A Bíblia é sempre nova, assim como a luta pela vida. Jesus Cristo diz minhas palavras não passarão. Sua proposta não morreu, mas Ele é sinal de contradição. Precisamos continuar com o conhecimento da Bíblia, mas partir mais para a prática, para que as pessoas que participam sejam mais felizes, possam resolver os problemas juntos e se abrir para outros campos, na área social, política, de saúde, etc. Ter uma visão ampla do mundo e assumir os problemas sociais.

Temos claro o que é a Igreja que não queremos, mas, na hora de viver, a comunidade não desenvolve: precisa de visitas às famílias, para as pessoas se conhecerem melhor, descobrirem os valores de cada uma.

Somos poucos: temos que manter a resistência, ser fermento, ter confiança na ação do Espírito que norteia a comunidade. Criar comunidades autónomas, abertas, assumidas por todos, onde possam surgir novos frutos, unidas em rede com as outras.

Os leigos devem confiar em seu potencial para poderem caminhar com suas pernas: quando padres e pastores estiverem presentes, é para estarem juntos, ajudando a comunidade a se libertar. Precisa de cursos de formação para os leigos da comunidade, para preparar animadores independentes, capazes de formar novos grupos e articulações.

2. Nossa missão no mundo

A missão no mundo é necessariamente ecuménica, pois os problemas existentes, nas áreas de educação, saúde, habitação, etc., são de todos. Não pensamos na missão de cada pessoa, de cada denominação religiosa, pois isto é muito pequeno. O importante é a missão de Deus para o mundo: cada um de nós é um instrumento dessa missão de Deus. Não temos que inventá-la: foi passada para nós através de seu Filho; mas temos a liberdade para assumir ou não.

Poder manter a missão é uma questão de fé; sempre existe a missão onde há perdão e fraternidade. Os passos alcançados já são grandes, diante da realidade, mas pequenos diante do projeto de Deus. Temos que procurar aumentar a quantidade dos que aceitam, para que o projeto de Deus se torne real para todos; não basta que tenhamos uma boa atuação: se o povo não estiver organizado nada poderá ser concretizado.

Temos que descobrir onde está a raiz do egoísmo do mundo, para poder superá-la. Estamos realizando algum pequeno passo, através de maneiras novas de ser, na economia, na fraternidade entre nós, na espiritualidade, oferecendo assim um pequeno caminho para o povo. Temos uma compreensão da missão e queremos fazer com que as pessoas sejam também agentes da missão.

Temos que construir nossa espiritualidade, no sentido de procurar nos lapidar para a vivência da missão; cada grupo tem sua própria espiritualidade, que se cria entre pessoas iguais. Procuramos o porquê da vida, para não cairmos em respostas erradas, pois tudo tem a ver com o passado de cada um, com suas experiências de vida.

Nosso sonho é poder ser ferramentas dessa missão, para o povo ser agente de sua própria vida e história, e nos usar como ferramentas para a construção do Reino. Para isto, será preciso desprezar o conforto e ir até o pobre. Ser missionário é assumir a nova prática. Diante da igreja oficial, podemos nos apoiar em documentos que confirmam nossa missão, como o de Medellín no caso da igreja católica romana.

O sonho é também de deixar uma marca no mundo. Entender a missão como caridade, solidariedade, restituir a dignidade humana na economia, na política, na cidadania, no direito de viver, na espiritualidade, respeitando a história, sabendo ser organizados e articulados entre nós.

A missão de Deus é a vida em abundância sobretudo para o povo que sofre, que é o sujeito portador da solução. Precisa entender a relação de causas e efeitos, para poder agir juntando a quantidade com a qualidade, não apenas somar, mas multiplicar, acreditando na repercussão do que fazemos, mesmo sem termos a clareza de até onde atingimos.

A diversidade dos destinatários deve diversificar os meios para se levar a boa nova. Ser irmão na ausência de doença é diferente de ser irmão na doença. A pastoral urbana é um desafio novo. Entre os favelados falta liderança, o desfavelamento causa dispersão e diminuição da organização. Temos poucas alternativas. Qual é a melhor maneira de se levar a boa nova aos diversos meios?

Permanece o que temos em comum: a dignidade de filhos de Deus, o fato de sentir-se amado, o sentir-se sujeito da evangelização. A nova forma de ser não pode ser apenas a troca da situação dominante. Tem que ser construída, de baixo para cima, de dentro para fora.

O novo não é o conteúdo, é o método de fazer acontecer. É uma nova cultura: entender a cultura do povo, trabalhar a seu favor, se descobrir, ganhar confiança. É uma nova comunicação: saber ouvir, sentir, partilhar na festa, testemunhar, falar e fazer, praticar.

Não podemos abandonar o sonho, a alegria, a festa. A força popular está na organização: precisamos estar juntos, por exemplo nas lutas do MST. A troca das experiências de cada um leva a descobrir o novo na luta pela sobrevivência, pela vida, na resistência do povo para sobreviver com alegria.

Sempre surgem problemas devido a nossas fraquezas nas relações humanas: ciúmes, invejas, maledicências, todas coisas a serem vencidas. Podemos vencê-las, praticando a correção fraterna dentro do grupo para que cada um possa melhorar sempre mais.

A espiritualidade é a experiência de Deus de cada um; é diferente do momento da oração, que pode ser gostoso, enriquecedor, mas não esgota a necessidade da conversa com Deus: se Deus está presente no coletivo, Ele vai nos escutar na medida em que falamos no coletivo…

Questionamentos: como fazer o povo descobrir e viver o novo no meio de estruturas velhas? Buscar respostas na mística ou na mitologia? Como fazer a nova comunicação e cultura, e como atingir de fato os mais pobres? Quais as ferramentas para respostas no campo económico e social? Como chegar a uma nova economia, como mudar as estruturas económicas, políticas e sociais?

Precisa pensar na metodologia: como chamar o povo? Pequenos grupos são ainda válidos? Como atingir então os outros que não entram neles? Como fazer com que a quantidade tenha qualidade? Como viver na comunidade (leiga) a questão da comunhão? Como fazer para tudo isso ir mudando?

3. Na ótica feminina

Como criar ou ampliar ocasiões de viver em fraternidade, no mundo e na Igreja, valorizando o poder de decisão das mulheres?

O poder é branco, macho, adulto, rico e clerical. Criar uma sociedade nova exige superar todas essas formas de poder. Hoje, através da mulher, um vento forte do Espírito está soprando no mundo em várias direções: nas igrejas, na política, na vida social, fazendo acontecer coisas novas.

Cresce a participação ativa das mulheres nas igrejas, inclusive como teólogas, fazendo cair aos pouco pesadas estruturas arcaicas. Há uma conquista de espaços também no mundo da política. Há grupos de auto-ajuda entre mulheres, como entre gestantes da favelas. Há mulheres se organizando, participando de encontros, tentando se conscientizar, aprendendo a acreditar nelas mesmas.

Há toda uma visão nova da maternidade, uma maior compreensão da questão das mães solteiras. Há experiências novas de “cozinha comunitária” entre várias famílias de assentados. Tudo isto é pouco diante da atual “feminização” da pobreza, que faz com que as mulheres sofram mais as consequências das escolhas neoliberais. É necessário articular em redes as mulheres que já estão em organizações diferentes, sindicatos, etc.

Precisamos resgatar melhor, entre nós e em nossos grupos, a questão da afetividade, da sexualidade, das possibilidades do amor. Isto é necessário para não nos arrebentarmos na luta, e vale tanto para os homens quanto para as mulheres. Despertar o espírito de luta e no mesmo tempo criar redes fraternas que ajudem a resistir e a celebrar a alegria da vida.

As mulheres podem ensinar também aos homens a capacidade não apenas de sentir, mas de manifestar reciprocamente o carinho. Companheiros homens já estão participando de encontros de mulheres, ajudando na infra-estrutura e até na reflexão.

Precisa superar o preconceito anti-homossexual. Lembramos que “lésbica” vem de Lesbo, a ilha grega que viu florescer a maravilhosa experiência de poesia e de amor da escola de Saffo.

Buscamos uma compreensão nova do modo de acolher e educar as crianças dentro da comunidade. Nossos grupos já estão vivendo uma melhor aceitação e integração das crianças nas reuniões e encontros. Criar abertura e assumir as crianças desde o ventre.

O “pecado original” pode ser visto no fato de que toda criança que vem ao mundo acaba assumindo uma porção de vícios e defeitos que lhe são passados pelo ambiente em que vive. Deveríamos formar comunidades tão fraternas que ajudem a mostrar que, em Cristo, este pecado já está vencido, e onde as crianças possa crescer numa vida de carinho e plenitude.

Na Igreja precisa questionar e fazer com que ela sinta o sopro feminino do Espírito. Precisa ser como as abelhas (Débora, Ivone Gebara): ferroada de abelha pode curar o coração. O sonho é despertar o “profeta” que existe em cada mulher (e em cada homem), para que possam atuar dentro da igreja e dentro da sociedade.

fonte: http://www.mur.com.br/

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