Caiofábicos e Caiofóbicos

Autor: José de Souza Barbosa Junior

“Deus foi o primeiro a ser canonizado”… essa é uma das frases da música “O Artista e o Santo”, de autoria do desconhecido Ulisses, e cantada por Oswaldo Montenegro.

A canonização parece fazer parte inerente do ser humano. Temos nossos deuses, ou ídolos, ainda que não admitamos isso. Lutar contra essa realidade é lutar contra nós mesmos, por isso o evangelho é a negação do eu, é o negar-se a si mesmo, não só nas vontades, mas também, e principalmente, contra os deuses que nos habitam a alma.

Mas… o que tem o Caio Fábio com isso?

Bem, como gosto muito do Caio (tanto de ouvi-lo como lê-lo) e sinto que há em relação a ele ou uma Caiolatria (que no título chamo de caiofabia) ou então uma Caiofobia, uma aversão total a qualquer menção do nome Caio Fábio, creio ser um bom exemplo daquilo que pretendo falar neste texto. E é também uma homenagem ao Caio, que quer por um extremo (o da idolatria) ou por outro (o do medo) acaba por ter em sua imagem a não-idéia de que “é homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos…”

Qual o problema da latria e da fobia humana? Quase sempre brotam da mesma raiz: impotência. O não ser bom ou me faz destruir tudo o que é melhor que eu, e acabo por me tornar um iconoclasta insaciável, sempre pronto a destruir qualquer vestígio de ídolo a minha frente, ou então me faz “fabricar” um ídolo, alguém melhor em que eu despeje nele todas as minhas falhas, angústias e, principalmente, fracassos.

O ídolo sempre será o continuar de minhas doenças da alma, o propagar das minhas insuficiências, minhas faltas, meus desejos. Creio que é por isso que Deus odeia a idolatria, ata mesmo quando ele se torna o ídolo, porque a idolatria é doentia, o ídolo não fala, não respira, não anda, não vê… o ídolo não vive… simplesmente porque quem o adora também não vislumbra em seus atos vida… está doente… está morto.

Caio Fábio foi ídolo de muita gente… nem tanto por culpa dele, mas principalmente pela doença evangélica de substituir os ídolos da igreja católica por ídolos de carne e osso. E isso não foi bom, nem para a igreja nem para o Caio… ele é gente, não um deus menor. Cobrar isso dele foi como mata-lo aos poucos. Se ele deixou-se cobrar assim… errou também…e  aí pode ter sido o princípio da queda.

Quando falo da queda aqui, não falo em tom julgador. Deus me livre de ser juiz, não tenho vocação, desejo e nem autoridade para isso. Falo de queda como falo de um ser HUMANO, que numa falha HUMANA deixou-se enganar pelo coração HUMANO. Errar é HUMANO. Deus é o único que nunca erra. Ele é o único absoluto, tudo mais é relativo. O homem é relativo e querer exigir dele o absoluto é idolatrá-lo, é torna-lo Deus,e  no fim de tudo… mata-lo, pois homem nenhum suportaria ser Deus.

Quando falo de queda, falo do pecado, que de tão perto nos rodeia, e que vez por outra nos acaba encontrando. Falo de queda com a  convicção de que o erro do Caio foi tão grave diante de Deus quanto o foi hoje de manhã eu ter pedido que dissessem que eu não estava, só para não atender o telefonema de um “amigo” chato. Tão graves foram esses erros que a grave cruz foi o único meio de sana-los, e a imensa graça veio, para alcançar a mim…e ao Caio… e alcançou.

Do outro lado da história estão os caiofóbicos… aqueles que nem podem ouvir o nome “Caio Fábio”. Ouvir esse nome causa neles a mesma reação que aquelas hienas tinham ao ouvir a palavra “Mufasa” no filme-desenho “O Rei Leão”… lembram-se delas? Era só dizer “Mufasa” e elas tremiam… entravam em colapso nervoso.

A fobia ao Caio tem sua origem também na incompetência e na insegurança daqueles que lhe são avessos. E o que é pior… muitos dos que hoje sofrem de caiofobia foram seus fiéis adoradores no passado. Essa doença é mais grave ainda, pois junta a caiofobia com graçofobia. Medo da graça! Simplesmente ficam desesperados ao menor vestígio de graça, pois isso anula a lei com a qual vivem seguros. É muito mais fácil ser legalista do que viver a graça e pela graça. Caiu? É só punir. Errou? Discipline-o (disciplina aqui é sinônimo de envergonhar, pois essa tem sido a prática nas igrejas… expor a vergonha os que erraram). Gente assim cheira a mofo… mofo dos rolos da lei, guardados por séculos em corações já empedrados.

Também existiam aqueles que já não gostavam do Caio antes de conjugar em seu próprio nome o erro. Caio pode ser conjugação do verbo cair… mas também pode significar alegria, gozo. Creio que os dois devem ser levados em conta, pois quando se cai, e se é levantado pela graça… a alegria brota, renasce, faz nascer esperança e perdão onde havia erro e desespero.

Havia gente que torcia por uma queda do Caio… infelizmente havia. Nosso meio tem dessas coisas. Gente que não suporta a felicidade dos outros, e principalmente a verdade. Caio incomodava em seus livros, em seus sermões. Incomodava aqueles que barganhavam da fé. Ousou enfrentar poderes… foi tragado por eles.

Caio é inocente? Não! Mas eu também não sou… você também não é. “Todos pecaram e carecem da glória de Deus”. No dia que essa verdade se misturar com a nossa crença, muita coisa mudará.

A idolatria cessará, porque ao reconhecer meu pecado saberei que não há ídolo que me possa purificar. A fobia ao que é bom também cessará pois saberei que aquela pessoa é tão pecadora quanto eu, e que se Deus a usa, também poderei ser usado, não para tomar o lugar dela, mas para batalhar com ela, lado a lado, reconhecendo em mim limitações que o outro pode suprir e suprindo limitações que ele venha a ter.

E Deus? Deus precisa ser descanonizado. Deus não quer ser “santo”, ele quer ser Deus! A canonização de Deus é o princípio da canonização dos seres humanos. Ao ser descanonizado, Deus sai do altar da idolatria e passa a ser “o Rei assentado sobre um alto e sublime trono”, passa a se relacionar, pois ídolos não se relacionam. E, principalmente, passa a viver em mim, coisa que ídolo nenhum jamais alcançou… e ao viver em mim, transbordarei graça, graça para com os que estão acima e graça para os que estão abaixo…”considerando os outros superiores a mim mesmo…”

Isso é graça… o resto é des-graça, é a negação do Deus e a absolutização do ídolo.

Caio caiu… eu já caí… se você ainda não caiu, vigie, pois “aquele que pensa estar de pé, olhe para que não caia…”, “porque, se alguém julga ser alguma coisa, não sendo nada, a si mesmo se engana.”

Se dói? Pergunte a quem caiu.

Finalmente, deixem o Caio ser Caio.. não o atrapalhem mais.. nem o idolatrando nem o temendo. Deixem ele ser ele mesmo, ouçam-no como ouvem um homem, que precisa ser respeitado acima de tudo, como qualquer um outro homem precisa. Deixem que ele pregue a Palavra, Palavra pela qual ele foi salvo e pela qual procura viver, assim como eu e você procuramos. Deixem que ele escreva, e o leiam, não como lêem um exilado de guerra, mas como um combatente que está na mesma frente de batalha que você. Deixem o Caio amar… e ser amado, como algo que é inerente ao ser humano, pois Deus não criou ninguém pra solidão.

E deixem Deus ser Deus, restaurando a quem quiser, distribuindo seus dons a quem quiser. Deixem Deus chamar para a sua obra quem ele quiser chamar. Deixem Deus derramar da sua graça sobre quem ele desejar assim fazer. Deixem Deus sair do altar de ídolo que criaram para ele, Deus é maior que isso… bem maior…

Com amor e graça,

 Artigo escrito em 01/04/2003

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