Alcançar simultaneamente Jerusalém… e os confins da terra

Autor: Gilberto Pickering
Agora vamos atentar para as palavras do Senhor Jesus que encontramos em Atos 1:8: “Recebereis poder, ao vir sobre vós o Espírito Santo, e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.” São as últimas palavras que proferiu aqui na terra antes de voltar para o Céu, os pés já largando contato com o chão. Será que não escolheu com cuidado essas palavras? Certamente que sim e certamente Ele espera que prestemos cuidadosa atenção a elas. Mesmo numa leitura superficial fica claro que a preocupação de Cristo é com o mundo inteiro. Mas além desse sentido óbvio, esta palavra de Jesus contém uma estratégia, uma tremenda estratégia, uma estratégia capaz de alcançar o mundo dentro de uma geração!

A Estratégia

Como muitas vezes acontece na Bíblia, o segredo está nas pequenas palavras, no caso “tanto . . . como . . . e”. Observe, por favor, que Jesus não disse: “Ser-me-eis testemunhas primeiro em Jerusalém, depois em toda a Judéia e Samaria, e finalmente, se um dia sobrar tempo, mão de obra e dinheiro, até aos confins da terra.” (Não é assim que estamos conduzindo a coisa, de modo geral?) Não, a expressão é “tanto . . . como . . . e”, isto é, simultaneamente. Simultaneamente temos que nos esforçar para alcançar a nossa “Jerusalém, Judéia e Samaria” e os confins. Se um dia, de forma geral, as nossas igrejas evangélicas assumirem efetivamente esta estratégia terminaremos de alcançar o mundo nesta nossa geração. Se os Apóstolos conseguiram por que nós não podemos?

Os Apóstolos, e presumivelmente a geração discipulada por eles, entenderam e obedeceram esta estratégia de Cristo. Tanto assim que naquela geração, começando com aquele punhado de gente (lembrando também que não dispunham da tecnologia moderna), praticamente conseguiram alcançar o seu mundo. O Apóstolo Paulo fez planos para alcançar a Península Ibérica. Se podemos confiar na tradição da Igreja, o Apóstolo Tomé logrou chegar até ao sul da Índia! Mas infelizmente após a era apostólica a Igreja foi perdendo essa visão e assim ficou através dos séculos, até a época das missões modernas.

Como conseqüência deplorável da perda dessa visão, de lá para cá, através dos séculos e até hoje a maioria das pessoas nascem, vivem e morrem sem uma vez ouvir falar de Jesus Cristo. É a maior calamidade pública de todos os tempos!

Por outro lado, se através dos séculos a Igreja tivesse sempre seguido esta estratégia então sem muita demora a Palavra de Deus teria sido levada a cada povo no mundo, e daí para frente cada geração sucessiva que nascesse teria a opção de receber ou rejeitar o Evangelho. Já pensou que maravilha? Pois através dos séculos cada povo viria tendo acesso efetivo à Palavra de Deus, ao Evangelho de Cristo.

E ainda dá, embora tarde (mas antes tarde do que nunca!). Vejam só. Se a partir de hoje, de forma geral, o povo de Deus assumir efetivamente esta estratégia então deve acontecer o seguinte: os muitos jovens que Deus está chamando receberão apoio e sustento de suas igrejas. Deverão se preparar adequadamente, inclusive adquirindo as ferramentas para lidar com outras línguas e culturas (lembrar que muitas ainda não foram estudadas). Uma vez preparados serão semeados pelo mundo inteiro, nas áreas e junto aos povos onde ainda não existe acesso efetivo ao Evangelho. Gastarão uns dois anos adquirindo um domínio da língua e cultura local que permita começar a falar de Jesus sem perigo demasiado de promulgar heresias. Daí para frente devem haver conversões e o surgir de novas igrejas onde nunca tinha. Agora, essas igrejas devem também abraçar esta estratégia de Cristo, e com isso começarão a evangelizar não somente na sua “Jerusalém” mas Também na “Judéia” e “Samaria”. Dessa forma, dentro de uma geração não sobraria povo ou lugar sem acesso efetivo ao Evangelho de Cristo. Para exemplificar, existem tribos indígenas no Brasil que há poucos anos receberam pela primeira vez a Palavra de Deus onde os crentes já se preocupam não somente com o resto da sua etnia, sua “Judéia”, mas inclusive querem enviar missionários para outras tribos. (Sei que estou deixando de lado as barreiras políticas e religiosas que aí estão para dificultar o empreendimento, vou comentá-las no capítulo IV, mas nosso Chefe é o dono da Chave de Davi–Apoc. 3:7.)
A Situação no Brasil

Aqui eu gostaria de tecer algumas observações quanto à situação e ao potencial do Brasil. Será que nossas igrejas e lideranças evangélicas estão entendendo e seguindo esta estratégia missionária de Cristo? Qual é o enfoque principal das nossas igrejas? Não seria o evangelismo local, a nossa “Jerusalém”? Tudo bem até aí. E a nossa “Judéia”? Bem, a coisa não anda totalmente mal; está havendo um esforço visível no sentido de abrir novos trabalhos no interior dos estados, em lugares onde ainda não tenha igreja da “nossa” denominação, etc. E a nossa “Samaria”? Já que a Samaria representava uma cultura diferente encravada no território judeu, proponho que consideremos os povos indígenas do país como sendo a nossa “Samaria”. Assim sendo, como anda nosso desempenho?

Para começar, dos 200 grupos indígenas distintos que existem no país pelo menos a metade não tem trabalho evangélico ainda (no Brasil, pois existem alguns casos onde uma etnia fronteiriça tem trabalho evangélico do outro lado da fronteira). Se não me engano, “a esta altura do campeonato”, os missionários de origem estrangeira vivendo e trabalhando com índio no país já estão na minoria. Devem existir mais de 300 obreiros nacionais agindo dessa forma. Já é alguma coisa, mas será que podemos ficar complacentes diante desse quadro? O ingresso no país de novos missionários estrangeiros vem sendo difícil, e os que já estão aqui muitas vezes encontram restrições diversas. A vantagem que o obreiro nacional leva é óbvia, e deve ser explorada.

E os “confins da terra”, as 2.000 etnias sem sequer porta-voz de Cristo ainda, os mais de 12.000 “povos não-alcançados”? Como anda o empenho brasileiro nessa direção? Agora o quadro piora bastante. Pensando em missionários de carreira radicados no exterior, deixando de lado os estagiários e turistas diversos, duvido que o total atual passe muito de mil. E esses mil estão aonde e fazendo o quê? A grande maioria está ministrando ou através do Português ou então do Espanhol. Quer dizer, ou estão na América do Norte (incluindo Canadá) ou na Europa pregando para as colônias de fala portuquesa por lá radicadas, ou estão nos países vizinhos de fala espanhola, onde a língua e cultura é bastante parecida com a nossa. E há vários atuando nas outrora colônias portuguesas, pensando que o Português vai resolver por lá. Creio que duas mãos dariam para contar os brasileiros que estão no exterior visando alcançar uma etnia até aqui abandonada. Está bom?

Quero deixar bem claro que nada tenho contra o alcançar das colônias de fala portuguesa na Europa e na América do Norte, e nem dos países vizinhos. É certo e justo que os brasileiros se preocupem com esses alvos; estou de pleno acordo. Poderíamos inclusive incrementar o esforço nessa direção. No entanto, parece-me necessário dar um alerta–não devíamos enviar obreiros para os países vizinhos sem preparo específico para enfrentar uma situação transcultural. Tenho ouvido queixas amargas contra os nossos obreiros que lá ficam sem nunca se darem ao trabalho de realmente dominar a língua e se entrosar na cultura. Se contentam em falar um “Portunhol” qualquer, anos a fio. Estão repetindo os mesmos erros que tanto criticamos da parte dos missionários que trouxeram o Evangelho até o Brasil.
O Potencial do Brasil

Meus irmãos, temos que mudar esse quadro; temos que nos esforçar no sentido de realizar o grande potencial que o povo evangélico do país representa em prol do Reino de Deus. Tenho ouvido estimativas um tanto variadas quanto ao número absoluto de crentes evangélicos no Brasil; hoje em dia fala-se muito em 35 milhões. Por formação gosto de ser um pouco cauteloso com esse tipo de coisa. Vamos começar pelo piso. Devem existir, sem dúvida razoável, digamos vinte milhões de crentes evangélicos no país. Mas essa cifra coloca o Brasil no segundo lugar no mundo livre no que diz respeito ao número absoluto de crentes. O único país que tem mais é os EUA. (Ouço dizer que na China tem mais, e queira Deus que seja verdade, mas é uma igreja muito perseguida e portanto não está em condições de exportar o Evangelho.) Já pensou, vinte milhões de crentes? Se pudéssemos mobilizar e engajar todo esse pessoal em torno das estratégias missionárias de Cristo, encheríamos o mundo de obreiros brasileiros.

Tem mais uma. Quem mais tem feito até aqui no terreno de missões mundiais, os norte-americanos, já não encontram a mesma facilidade de antes. Andam um tanto “queimados” no conceito de muitos países. Tem país por lá onde o americano quase não entra, sequer como turista. Mas poucos têm raiva do Brasil, pelo menos ainda. (Infelizmente já existem casos onde missionários brasileiros se comportaram de tal forma que foram expulsos do país onde trabalhavam.) As portas estão abertas para o brasileiro; ele encontra mais facilidade do que muitos outros, no momento. Chegou a nossa vez!

Irmãos, vamos colaborar com o Espírito Santo! Vamos levar a sério as ordens de Cristo. Vamos dar respaldo a nossos jovens que Deus está chamando para trabalho transcultural. Em vez daquele “balde d’água fria” [“O quê!? Pode já tirar da tua cabeça essa idéia boba! Você não vai ser missionário coisa alguma; precisamos de você É por aqui. Quando terminarmos de ganhar todo mundo em São Paulo, aí será tempo suficiente de olhar mais longe.” Etc.] vamos incentivá-los, incentivá-los a se prepararem adequadamente (dando o sustento necessário) e aí a seguirem efetivamente para os campos do mundo. Vamos ajudá-los a achar a infra-estrutura apropriada para poderem trabalhar de forma eficiente. Talvez seja preciso, inclusive, colaborar com a manutenção de tais infra-estruturas. Enfim, vamos fazer o necessário para alcançar os confins da terra durante esta nossa geração!

Mas espera aí. As duras experiências dos últimos anos nos obrigam a dar um alerta. Apelo emocionante não resolve. Não é com ufanismo que vamos alcançar o mundo. Uma apostila do Prof. Ronaldo Almeida Lidório nos informa que durante cinco anos (1987 a 1991, suponho) 5.200 missionários brasileiros foram enviados ao exterior. Só 1.420 deles permaneceram no campo mais de seis meses (e quantos será que ainda estão trabalhando?). Só 1.052 deles fizeram algum curso preparatório. Dos 437 campos atingidos, 351 foram abandonados (sem deixar igreja). Aliás, aquela gente toda só conseguiu plantar 38 igrejas. Dos que voltam fracassados, 75% não querem mais saber de missões. Amados irmãos, desse jeito não dá! Ninguém deve pensar em enfrentar trabalho transcultural sem se preparar devidamente. Esse preparo deve incluir as ferramentas para enfrentar novas línguas e culturas, impreterivelmente. Ainda mais importante, imprescindível mesmo, o obreiro precisa ser um discípulo verdadeiro de Jesus Cristo e tem que saber como conduzir a guerra espiritual. Estes dois quesitos exigem exposição detalhada e vão ocupar os dois capítulos que seguem. Vamos lá.
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