Autor: Jonathan Menezes
Não há quem nunca tenha se deparado com o seguinte enunciado: “Estamos fechados para balanço”. O mesmo define uma situação, um sentimento, um “estado de espírito”, uma atitude resultante dos finais de ano ou de um período de longa duração. Para muitos, o ato de “fechar-se” supera o mero simbolismo, posto que representa uma auto-avaliação, uma auto-crítica; é quando o voltar-se para si ganha lugar em nossa quase sempre curta, mas repleta, agenda de compromissos e atividades mil. Empresas, instituições, organizações governamentais ou não, públicas ou privadas, também costumam “fechar” para um balancete anual. Muitas pessoas igualmente adotam tal postura em relação a si mesmas, visando uma revisão do que passou e um planejamento do futuro.
Nossa agenda durante o ano todo já parece ser tão auto-centrada, que a atitude de “fechar para balanço” torna-se, com efeito, irônica e redundante. Como seria possível ser ainda mais reclusos do que quotidianamente temos sido? Olhares indiferentes, “bom dias” fracos e sem vida, conversas superficiais, relacionamentos sem sabor, sem cor ou estórias pra se contar, e outras características mais atestam a reclusão num universo onde só existe espaço para os meus interesses, meus propósitos, meus planos, meus desejos, meus valores, meus problemas, meus, meus, meus… O ditado que afirma: “nenhum homem (mulher) é uma ilha”, carece de uma sincera revisão.
Ora, com o inevitável avanço das comunicações, pode-se dizer que estamos envoltos por uma “rede” de relações múltiplas, pessoais ou não, e, assim, seria falso afirmar que as pessoas são ilhas. No entanto, mesmo envoltos por esta “rede” e, por isso, não estando tão “ilhados” em relação às coisas externas, internamente construímos nossas próprias “ilhas”, a medida que escondemos, nos recônditos mais profundos de nosso ser, pensamentos, sentimentos, dores, frustrações, alegrias, percepções da vida, isto é, coisas boas ou ruins que preferimos omitir ao mundo exterior, temendo talvez a crítica e, por conseguinte, o julgamento e o desprezo. Esta reação, que Paul Tournier chama “reação fraca”, não deixa de ter uma certa lógica, visto que a “imagem” é um dos grandes ídolos de nosso tempo: “Imagem é tudo”, ser não é tudo. Assim, tais reações refletem muito mais uma tendência gradual que uma necessidade propriamente dita.
Um amigo, certa vez, me deu uma simples (e aparentemente óbvia), mas significativa exortação, ao dizer que “a melhor maneira de resolver um dilema é não tentar escondê-lo, de si mesmo e dos outros”. Meu posicionamento naquele momento era como o de uma ostra, ou um avestruz, tentando me esconder a todo custo e querendo evitar que a claridade trouxesse à tona meus erros, medos e frustrações, os quais eu insistia em manter no secreto. A introspeção (apesar de salutar e alguns momentos), neste sentido, é a pior e mais enganosa maneira de se solucionar um problema, seja ele de ordem moral, psicológica ou espiritual. É como diz C.S. Lewis:
A pretensão de descobrir por meio de análise introspectiva a nossa condição espiritual afigura-se-me coisa mais horrível que jamais nos pode revelar os mistérios do Espírito de Deus ou do nosso; na melhor das hipóteses revela-se a sua transposição para o intelecto, a emoção e a imaginação; e na pior constitui o caminho que mais rapidamente conduz à presunção ou ao desesperoii.
E isto vale não apenas para os problemas, mas também às alegrias, vitórias, sonhos, perdas e dores, ganhos e desventuras da vida. Expor o nosso íntimo pode significar a abertura de um leque de possibilidades, que inclui oportunidades para que outras pessoas nos ajudem a suprimir nossas deficiências, e para que também sejam ajudadas. Assim, o que antes parecia ser problema, isto é, fazer-me conhecido como sou às outras pessoas, passa a ser solução, pois, conforme Paulo, “nenhum de nós vive para si, nem morre para si” (Rm. 14:7). Se vivêssemos (ou morressemos) tão somente em causa própria, Cristo deixaria de ser senhor (centro) de nossa existência e morte, e assim retornaríamos à condição precedente de “velho homem” e “velha mulher”, cedendo aos apelos humano-diabólicos do ego e do orgulho. Desta forma, um simples “fechar para balanço” pode ser muito mais nefasto do que podemos imaginar.
Henri Nouwen aponta para um possível “caminho de retorno”, que é o de estarmos abertos para balanço, alimentando a in-clusividade e o auxílio mútuo, incentivando uns aos outros a encarar as perdas e lutas de frente:
Ao aceitar sem repulsa as dores da vida, poderemos encontrar o inesperado. Ao convidar Deus para participar de nossas dificuldades, fundamentaremos nossa vida – até mesmo seus momentos tristes – em alegria e esperança. Ao parar de querer apossar-nos da vida, receberemos mais até do que conseguimos agarrar por nós mesmos. E aprenderemos o caminho para um amor mais profundo pelos outros. […] Percebi que a cura começa quando tiramos nossa dor do isolamento diabólico e passamos a ver que, por mais que soframos, sofremos em comunhão com toda a Humanidade, bem como com toda a criação. Ao agir desse modo, tornamo-nos participantes da grande batalha contra o poder das trevas. Nossa vida participa de algo muito maioriii.
O desafio aqui é para que estejamos “abertos para balanço” e não o contrário, em que pesem não apenas as condições de nossa própria existência em si, mas a dos outros também, uma vez que, como cristãos, firmamos um compromisso que abrange amor ao próximo, discipulado, cuidado mútuo, compartilhamento de sonhos e realizações, desesperanças e frustrações, sempre considerando os outros superiores a si mesmo. Aliás, a recomendação de Jesus é para que esse “si mesmo”, isto é, o nosso “eu” en-si-mesmado, seja anulado aos pés da cruz dia após dia.
Notas
Estudante de Teologia na Faculdade Teológica Sul Americana.
ii LEWIS, C.S. Palestras que Impressionam. São Paulo: Edições Vida Nova, 1964, p. 15.
iii NOUWEN, Henri. Transforma meu pranto em dança. 2ª ed. Rio de Janeiro: Textus, 2003, p. XV, 04.
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