A teologia do medo e da fuga

Autor: Darlyson Feitosa




Era uma aula de Atos dos Apóstolos. Depois de apresentar algumas características que apontam para uma possível autoria lucana, destaco a questão da narrativa da morte de Judas (At 1,16-20), comparando-a com a narrativa de Mateus (Mt 27,3-10). As narrativas são disformes, quase que irreconciliáveis. Lá pelas tantas, a inquirição: "Para que eu preciso saber disso?". Sim, boa pergunta. Podemos até estendê-la: que interesse possui o jovem estudante de teologia no Brasil, no contexto evangélico, sobre complexidades textuais? Mais ainda: para que ficarmos futicando textos que não nos trarão qualquer benefício prático?

Eis a mentalidade! Há muito que o texto bíblico deixou de ser a base teológica de nossos sermões, de nossa eclesiologia. Há muito que as tradições e outras posturas não tão tradicionais assim dominam a nossa prática de fé. A Bíblia continua ardorosamente sendo declarada como inspirada, como sendo a Palavra de Deus, mas não há mais a ousadia em conhecê-la integralmente. Temos o nosso próprio cânon particular. Nas palavras do Prof. João Pedro G. Araújo, é o cânon dentro do cânon. Só queremos os textos que nos falem em particular, que nos falem devocionalmente. A maioria dos textos é esquecida, ignorada. Para alguns textos, inclusive, torcemos o nariz. Paradoxos textuais… que cuidem deles os norte-americanos, alemães e ingleses. Temos mais o que fazer: cuidar dos doentes, dos endemoninhados, do patrimônio da igreja. Não há mais tempo para enfrentarmos as galerias mais profundas do texto bíblico. Isso é tarefa inútil, pensa-se.

Em explícita especulação, arrisco o palpite: esta é a razão de (1) sermos dominados pela teologia do outro. O outro é quem conhece o texto, o outro é quem publica os comentários, o outro é quem é a lei, a referência. Continuamos dizendo que amamos a palavra, mas fugimos do seu conteúdo, e por isso não nos tornamos os expositores. O outro domina, determina, dogmatiza. Do nosso lado, inúmeras repetições de João 3:16, mas pouco ou nenhum conhecimento de João 3:14-15!; (2) termos tantos formados em teologia, mas pouca teologia. Criou-se o hábito (terrível) de se afirmar que se estuda teologia (bom para o outro) e não que se faz teologia (ruim para nós). Nossas teses e dissertações estão repletas de citações ao outro. A nossa própria contribuição para o entendimento do texto passa ao largo; (3) pregarmos e ouvirmos tantos sermões desprovidos da doutrina bíblica. Na ordem do culto cristão moderno deveríamos escrever discurso e não mais sermão, tal a ausência do texto bíblico, tal a presença de opiniões pessoais; (4) ficarmos sem respostas a artigos de "autoridades" no campo da religião, que freqüentemente têm acesso à mídia e publicam suas opiniões com estardalhaço. Faltam-nos os argumentos necessários para entrarmos no mesmo nível de debate; faltam-nos as informações textuais adequadas para o argumento linear. E assim caminhamos, dizendo que amamos a Palavra.

Contudo, se não soubermos apontar alguns caminhos para a compreensão das narrativas antagônicas de Mateus e Lucas a respeito de Judas (tome-se esta história apenas como um paradigma), abrimos mão da reflexão, do entendimento e do crescimento no conhecimento bíblico. Ao nos depararmos, então, com as inúmeras passagens bíblicas paradoxais, pularemos sempre para terreno mais seguro, para terreno mais importante segundo a nossa superficialidade teológica. E assim vamos construindo a nossa teologia saltitante que, outras palavras, se configura em uma teologia do medo e da fuga.

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