Autor: Juarez Marcondes Filho
“Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas” (Mateus 5.41).
A milha romana media mil passos, cerca de 1478 metros. A proposição de Cristo está baseada num costume de nações orientais que quando enviavam um emissário de um lugar para o outro requeria-se que um representante local viesse recebê-lo a certa distância. Aparentemente, um gesto de cortesia, próprio de um anfitrião. O fato é que não significava mera companhia. A cortesia incluía o carregamento das bagagens, o que podia tornar a tarefa extremamente árdua.
A primeira milha era o costume e a obrigação. Era algo de antemão estabelecido e inescapável. Mesmo a contrariado, aquele que fosse escalado para a missão não poderia fugir de cumprí-la. O verbo obrigar, usado no texto, não deixa dúvidas quanto a compulsoriedade da tarefa.
Tendo isto em mente, perguntamos: a segunda milha, proposta por Jesus, seria alternativa? Devemos cumprir nossas obrigações, ou seja, a primeira milha, mas a segunda milha, ficaria ao alvitre de cada um? Ou a segunda milha, também, é um dever?
Evidentemente, não estamos presos entre 1478 passos ou 2956 passos. A questão que se impõe, não é de metros ou milhas, mais ou menos. O que está posto é a expectativa de Cristo a nosso respeito. Assim, ficamos entre dois modelos: ou somos aqueles que cumprem as suas obrigações, como qualquer dos mortais podem e devem fazê-lo, ou somos aqueles que cumprem o que Jesus ordenou, o que geralmente vai além do comum.
A segunda milha é a superação de alvos. Não basta alcançar determinado objetivo, é preciso ir além. O contexto da passagem é altamente revelador deste conceito. O alvo de uma pessoa comum é retribuir o que recebeu, na mesma medida (olho por olho, dente por dente). Os filhos do Reino vão além, estão prontos a deixar a túnica e a capa, também.
A segunda milha causa surpresa. Ela surge como algo inesperado. E este é o seu algo mais. A relação de causa-e-efeito fica superada. O que se imagina de alguém que seja agredido é o revide imediato. Não para o discípulo de Cristo que absorve a agressão, a ponto de oferecer a outra face. A palavra de Jesus não deve ser entendida como um estímulo à passividade, muito menos, à violência. Ao contrário, Jesus entende que a violência, contida no revide, vai gerar mais violência ainda. O mal deve ser vencido com o bem, amontoando brasas vivas sobre a cabeça do violento (Romanos 12.20, 21).
A segunda milha aponta para as reais necessidades. A milha do dever comum pode trazer o desencargo de consciência, o chamado sentimento do dever cumprido. O que não significa que o que precisa ser feito foi realmente cumprido. Assim é a tensão existente entre o meramente legal e o legimamente ético. Determinado procedimento pode estar devidamente enquadrado na lei, mas ser profundamente impróprio moralmente falando. No entanto, o que for corretamente ético, certamente estará respaldado em alguma lei, mesmo que seja a lei de Cristo.
A segunda milha é reveladora do verdadeiro amor. Justamente, porque exige sacrifício. Amor de palavras, amor que se interessa, apenas, pelo que pode receber, não se configura como verdadeiro e pleno amor. Amor exige doação e sacrifício, como o de Jesus em nosso favor. Há preço a ser pago. Cristo pagou por nós oferecendo-nos eternal redenção. Mas deixou-nos o desafio: cada um tome a sua cruz (Mateus 16.24); ou seja, estejamos prontos a caminhar a segunda milha.
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