A presença da Igreja na cidade grande

Autor: Eldo Kruger

“Pode-se dizer que a tradição luterana está mudando. Está acontecendo uma aculturação. Os filhos de alemães não aprendem mais o alemão…”

REFLEXÕES SOBRE A CIDADE

1. Causas da urbanização brasileira: Chama-se de urbanização “ao processo pelo qual uma percentagem significativamente importante de uma população urbana se agrupa no espaço, formando aglomerados funcional e socialmente inter-relacionados”. Esta definição mostra o que a urbanização deveria ser. Mas na realidade brasileira ela não alcança estes objetivos de aglomerados organizados. Pelo contrário, o processo urbanizatório brasileiro do ponto de vista social é desordenado, violento e competitivo.

Urbanização deveria compreender a existência de uma infra-estrutura capaz de colocar ao alcance da população, os serviços públicos essenciais como transportes, luz, água, esgoto… ou seja, condições de morar e viver. Mas o que sucede, é que as aglomerações de população acontecem rapidamente e as prefeituras não têm condições ou não têm interesse em providenciar as condições essenciais para a população afluente. Ademais, as possibilidades de emprego e moradia, para grande parte da população são inexistentes. Com isto surgem os cinturões de miséria e crescimento das favelas. Assim sendo, é mais justo falar em inchamento das cidades do que de um processo urbanizatório.

Contudo, existem razões para que esta população vá buscar a cidade para nela morar, como: a industrialização (cria a divisão técnica do trabalho e a divisão social), o papel político e econômico do Estado na industrialização (apoia o capital transnacional e acumula capital para bancar a industrialização e fomentar a urbanização), a desestruturação da agricultura tradicional de subsistência.

2. Características da grande cidade brasileira: a grande cidade é o cenário espacial onde interagem com intensidade as forças e os interesses orientados para diferentes sistemas de valores sociais, econômicos, políticos e religiosos. “No modo de produção capitalista, a cidade surge como local de reprodução da força de trabalho e, também, fator de acumulação de capital”. Ao mesmo tempo, porém, a cidade é o palco das contradições decorrentes do sistema. A vida da cidade denuncia o sofrimento que resulta da modernização industrial e da acumulação de capitais.

Para demonstrar isso basta olhar para algumas das muitas marcas características da metrópole brasileira, como o rápido e desordenado inchamento das grandes cidades (as cidades brasileiras não crescem, elas incham; não tem capacidade de infra-estrutura para acomodar as populações que chegam da noite para o dia); o problema habitacional (os planos habitacionais do governo não estão voltados para populações de baixa renda e com isso surgem as favelas); a violência institucionalizada na cidade com medidas contra o povo e a favor do grande capital (ela domina na política salarial, habitacional, de transportes coletivos, saúde, educação, etc.).

3. A lógica da urbanização brasileira: A grande cidade é uma grande confusão. As contradições estão por toda parte: uns trabalham outros não têm trabalho; uns residem em palacetes e mansões e outros se recolhem em favelas ou dormem na rua; uns esbanjam outros mendigam; uns têm direitos e poderes outros não os têm; uns roubam e enriquecem outros são presos e torturados porque roubam alimentos…

Atrás dessa aparente desordem se esconde a “lógica” muito claramente elaborada. A cidade e pensada e planejada em função dos ricos e do capital. As leis do sistema capitalista dominante favorecem o capital em detrimento do trabalhador. A luta é desigual.

A confusão reinante não se dá por falta de planejamento ou por incapacidade das elites dirigentes. É mais uma alternativa que tais segmentos sociais encontram para ampliar o seu domínio e sua exploração sobre as demais classes.

Nota-se assim que, a “lógica” que comanda a urbanização no Brasil beneficia uma elite burguesa enquanto exclui das conquistas e melhorias da urbanização a grande maioria da população das cidades. Por isto, a grande cidade é desintegradora e conflitiva, vive-se um intenso sofrimento, tensão, incerteza, decorrente de uma prática de injustiças institucionalizadas. Há um clamor por vida digna que emerge do seio da grande cidade: é o suspiro das massas oprimidas.

Será que a Igreja em sua pastoral ouviu e ouve o clamor da gente oprimida? A Igreja têm acompanhado a transformação que tem ocorrido na cidade? Como deve se dar a presença e a missão da Igreja no contexto urbano?

A PRESENÇA DA IGREJA NA CIDADE GRANDE

É através da Paróquia que a Igreja se faz presente na cidade grande. A Paróquia como modelo de organização comunitária não existe somente na IECLB.

A Paróquia é uma realidade geograficamente delimitada. As grandes cidades estão divididas em paróquias. O centro da paróquia é a igreja (templo), onde é concentrado todo o trabalho paroquial.

O pároco (pastor, padre, reverendo) desempenha toda a ação pastoral da paróquia. O crescimento ou a estagnação de uma paróquia, o modo de agir dos fiéis, têm a haver com a capacidade e a habilidade de liderança do pároco.

O Conselho Paroquial administra as coisas materiais da paróquia, e o pároco as coisas espirituais.

Os membros das paróquias urbanas da IECLB são em sua maioria, pessoas que possuem em comum uma herança espiritual, cultural e religiosa: são de tradição luterana ou de confissão luterana. A fé cristã faz parte de sua vida, seja por formalidade, seja por convicção.
A prática pastoral na cidade gira quase que exclusivamente em torno das necessidades dos paroquianos: aconselhamentos, ensino confirmatório, escola dominical, poimênica junto a enlutados e doentes, visitações, realização de ofícios, celebrações, etc.

Tradicionalmente, era a OASE que abria janelas para a prática assistencial. Mas, em algumas paróquias urbanas existem outras janelas: escolas, creches, jardins de infância, casas para crianças carentes, casas para crianças de rua, trabalho com dependentes químicos e alcoólicos, trabalho com idosos, pastoral de saúde… Trabalhos desse tipo são um segmento da Paróquia. Os membros das paróquias, além desses trabalhos, também se engajam em movimentos ecológicos, associações de bairros, sindicatos, luta por melhorias de habitação, saúde, educação, transportes urbanos, etc.

Pode-se dizer que a tradição luterana está mudando. Está acontecendo uma aculturação. Os filhos de alemães (salvo exceções) não aprendem mais o alemão; a realidade da família mudou, pois é difícil para os pais passarem a tradição étnica para os filhos. Por causa disso, a geração futura poderá deixar a religião ou ser luterano por convicção. A geração que não for evangelizada não será cristã.

A evangelização que acontecia no convívio familiar não terá mais vez. Ou a Igreja evangeliza criativamente, ou ela não terá lugar na metrópole.

O caminho para a missão na cidade precisa ser pensado a partir da diversificação de ministérios, como maneira de corresponder aos desafios que surgem da conflitividade urbana. A presença da Igreja na cidade na forma de diferentes ministérios não pode esquecer uma pedagogia que facilite a experiência de fé e comunhão.

Se a Igreja de Jesus Cristo deseja servir aos pobres e marginalizados como forma de servir ao Reino de Deus, então ela precisa repensar o seu caráter institucional. Uma revisão dos ministérios confiados a Igreja facilitará a descoberta de novos caminhos em direção a uma Pastoral Urbana.

a) Ministério da Evangelização: A cidade é um campo aberto onde competem livremente todo tipo de idéias e valores. Cada um procura a maneira de “vender a sua mercadoria”. O Evangelho de Jesus Cristo é uma mensagem de vida e libertação. Esta proposta de vida precisa ser tornada acessível. Para isto não basta a pregação em culto, pois o seu alcance é limitado. Na cidade há muitos públicos. A cidade tem seu tempo dividido em turnos. Ela gira 24 horas por dia. A Igreja precisa se dar conta desse fato para evangelizar a população. A nova geração para ser cristã precisa ser evangelizada.

b) O Ministério Profético: A Igreja está vocacionada para anunciar a vida e aprovar todas as iniciativas que promovem e propiciam a vida. Conseqüentemente, tem a responsabilidade de denunciar todas as idéias, forças, instituições, leis e organizações… que são contrários à vida, dentro e fora da Igreja. Parece que na cidade, a Igreja para ser comunidade cristã, precisa identificar-se com aqueles por quem Jesus optou: os que carecem de vida. Seu evangelho é tornar presente o Reino de Deus neste mundo. A cruz é o símbolo maior deste ministério. Mesmo assim, antes importa obedecer a Deus que a homens.

c) O Ministério Ecumênico: Há um clamor ecumênico que parte dos empobrecidos urbanos. Seus reclamos vão além do que uma ou outra confissão pode fazer. A cooperação ecumênica será mais frutífera quando partir do clamor dos oprimidos urbanos. Se as igrejas aprenderem a se unirem no amor, terão ouvido a oração de Jesus (jo 17). Com amor, o Espírito Santo poderá vencer as barreiras ideológicas que separam os cristãos. A aposta é no ecumenismo que surge de baixo para cima, que procede do desejo sincero de responder amorosamente ao clamor dos oprimidos.

d) O Ministério da cura: Na cidade a procura por uma cura, seja ela psíquica ou física ou espiritual é muito grande. A competição urbana desintegra a pessoa em seus valores e comportamentos. Com isto a população se torna insegura e vulnerável, capaz de atender aos apelos que lhe devolvam uma identidade. As propostas religiosas que permitem uma experiência capaz de devolver identidade ou oferecer nova identidade sempre terão procura. Basicamente todo morador de grande cidade é um carente afetivo e espiritual. Daí a razão de prosperarem oferecimentos tão contraditórios. A Igreja na cidade grande precisa descobrir maneiras que permitem a cura das pessoas, através de vivências quentes. Para isto a nossa tradição litúrgica não colabora, mas, onde ela for “aquecida”, permite intercâmbio de experiências dos fiéis, e há retornos surpreendentes.
 
e) Ministério de Ação social: As obras de misericórdia sempre tiveram um espaço cativo na Igreja. Hoje não é diferente. Há sempre carentes que necessitam um pedaço de pão ou um copo d’água. Se Jesus valorizou estes gestos, quanto mais nós! A caridade é necessária, mas não substitui a luta por mudanças profundas na sociedade. Ela não é desculpa para não se engajar naquelas lutas populares por melhores condições de vida. Deve estar claro para a Igreja na grande cidade que não é através do assistencialismo que se transforma a injustiça institucionalizada. Mas este fato também não é desculpa para não ajudar na assistência. Se não houvesse assistencialismo muitos movimentos de resistência teriam sucumbido. Enquanto tivermos comunidades pluriclassistas haverá necessidade de batalhar por assistência social. Ela quer sinal para algo maior: a busca por uma sociedade que dispensa a esmola – onde todos tenham acesso à vida digna.

Há muitos outros ministérios, tais como a educação, a função sacerdotal, administração, oração…

* Este texto é um resumo elaborado pelo Pastor Eldo Kruger, a partir das palestras proferidas pelo Pastor Arzemiro Hoffmanm
em março de 2004 em Rio Claro-SP

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*