A Perspectiva Missionária do Pentecostes

Autor: Josivaldo de França Pereira
Qual o propósito fundamental do Pentecostes de Atos 2? Seria o batismo do Espírito Santo, o dom de línguas, a edificação da igreja?
O objetivo deste estudo é mostrar que apesar de válidas, nenhuma das alternativas acima mereceria uma resposta afirmativa como um fim em si mesma. Tentaremos mostrar a partir de agora que o batismo do Espírito Santo, o dom de línguas e a edificação do povo de Deus foram necessários em Atos 2, mas apenas como meio e não como fim do propósito fundamental de Deus para a igreja e o mundo.
A natureza e o propósito do Pentecostes são eminentemente missionários. E Lucas prepara o cenário para apresentá-lo desta forma quando diz em Atos 2.5: “Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu” (grifo nosso).
Para uma melhor compreensão deste tema, acreditamos que seria interessante traçarmos primeiro um panorama geral da festa de pentecostes, conforme era comemorada nos tempos do Antigo Testamento. Vejamos qual a finalidade desta festa e o que ela representava, para em seguida tratarmos do Pentecostes de Atos 2.

I. A FESTA DE PENTECOSTES NO ANTIGO TESTAMENTO
A festa de pentecostes fazia parte (juntamente com a dos tabernáculos e a páscoa) da tríade das festas anuais mais importantes da lei mosaica. Três festas que celebravam aspectos do êxodo, o estabelecimento da aliança e o recebimento da terra prometida. Nelas exigia-se a presença de todos os homens de Israel que vivessem dentro de um raio de 32km de Jerusalém, a não ser que fossem impedidos por motivo de enfermidade (cf. Ex 23.17; Dt 16.16). Jesus, como era cumpridor da lei, provavelmente comparecia anualmente às três festas tradicionais dos judeus.
A celebração da páscoa iniciava-se na tarde do décimo quarto dia do primeiro mês, em conjunto com a festa dos pães asmos, que começava no dia quinze e durava sete dias (cf. Lv 23.5-8). A páscoa comemorava a libertação de Israel do cativeiro egípcio. Os pães asmos relembravam as dificuldades da fuga apressada da terra do Egito.
A festa dos tabernáculos começava no décimo quinto dia do sétimo mês e continuava durante sete ou oito dias (cf. Lv 23.34-44). Seu propósito era fazer o povo recordar as peregrinações no deserto e regozijar-se pelo sucesso de todas as colheitas (cereais, frutas, vindimas, etc.).
Por ocasião da festa de pentecostes, também chamada de festa das semanas, das colheitas ou das primícias, apresentava-se a Deus as primícias da colheita do trigo ou da cevada como gratidão a Ele por ter dado ao povo a nova e boa terra. Era comemorada cinqüenta dias depois da páscoa; daí o nome pentecostes. Seus propósitos eram baseados em Levítico 23, Números 28 e Deuteronômio 16.
O termo pentecostes deriva-se do grego pentekonta hemeras (cinqüenta dias), conforme tradução da Septuaginta da expressão hebraica hamishym yom (cf. Lv 23.16).
A festa de pentecostes era proclamada como “santa convocação”, durante a qual nenhum trabalho servil podia ser feito, e todo homem israelita era obrigado a estar presente no santuário (Lv 23.21). Nesta ocasião dois pães assados, feitos com farinha nova, fina e fermentada, eram trazidos dos lares e movidos pelo sacerdote perante o Senhor, juntamente com as ofertas de sacrifício animal, como as ofertas pelo pecado e pacíficas (Lv 23.17-20). Por ser um dia festivo (cf. Dt 16.16), nele os israelitas devotos expressavam 1) gratidão pelas bênçãos do cereal colhido e 2) um sincero temor a Deus (cf. Jr 5.24).
No Antigo Testamento a festa de pentecostes não se limitava apenas ao Pentatêuco. Sua observância é indicada nos dias de Salomão (2 Cr 8.13) como o segundo dos três festivais anuais (cf. Dt 16.16). A festa de pentecostes também era observada pelos cristãos do Novo Testamento, mas somente como meio de evangelização. Lucas registra em Atos 20.16 que Paulo estava resolvido a não perder tempo na Ásia, e se apressava para estar em Jerusalém no dia de pentecostes. Em 1 Coríntios 16.8, o apóstolo propôs-se a permanecer em Éfeso até o pentecostes, visto que uma porta estava se abrindo para o seu ministério.
Com o passar do tempo, à festa de pentecostes foi-se acrescentando outros significados. Durante o Período Interbíblico e posteriormente a ele, no dia da festa de pentecostes também se passou a comemorar o aniversário da transmissão da lei dada por Deus a Moisés no Sinai. Mas não é só isso. Assim como a celebração das colheitas, pentecostes também apontava para bênçãos maiores que Deus concederia no futuro, como por exemplo, a inauguração da igreja neotestamentária em Atos 2.

II. O DUPLO PROPÓSITO DO PENTECOSTES DE ATOS 2
Não é difícil percebermos que o relato do Pentecostes por Lucas teve dois propósitos fundamentais, sendo que o primeiro é mencionado para balizar e dar respaldo ao segundo. O primeiro propósito trata do contexto próximo e remoto da profecia bíblica e seu cumprimento. O segundo tem a ver com a inauguração da igreja neotestamentária e sua missão no mundo.
2.1. A profecia e seu cumprimento em Atos 2
2.1.1. Contexto remoto
Dentre as passagens bíblicas do Antigo Testamento que profetizaram o derramamento do Espírito Santo em Atos , a mais conhecida delas é a de Joel 2.28- 32, justamente porque é a ela que Pedro faz menção na primeira parte de seu discurso em Atos 2.14-21, para explicar o pentecostes do Espírito aos que simplesmente não o entenderam ou zombavam dos que falavam em outras línguas, chamando-os de embriagados.
Mas por que Pedro citou um profeta menor e não um profeta maior como Isaías ou Ezequiel? Além disso, como explicar, de um lado, as omissões e acréscimos que Pedro faz à passagem de Joel e como entender, por outro lado, os detalhes da profecia ditos por Pedro que não aconteceram em Atos 2 como, por exemplo, o fenômeno do sol se convertendo em trevas e a lua em sangue?
O uso da passagem de Joel por Pedro
Diz o texto bíblico:
“Então se levantou Pedro, com os onze; e, erguendo a voz, advertiu-os nestes termos: Varões judeus e todos os habitantes de Jerusalém, tomai conhecimento disto e atentai nas minhas palavras. Estes homens não estão embriagados, como vindes pensando, sendo esta a terceira hora do dia. Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos; até sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e profetizarão. Mostrarei prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra; sangue, fogo e vapor de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e glorioso dia do Senhor. E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (At 2.14-21).
São evidentes algumas semelhanças entre a passagem de Joel 2.28-32 e a de Atos 2.14-21. Por exemplo: nos dois casos o Senhor derrama o Espírito Santo sobre a comunidade reunida de Israel. No Pentecostes os judeus da Dispersão estavam reunidos em um só lugar. Em seu discurso, Pedro afirma que após Jesus ressuscitar dos mortos, Ele foi exaltado à direita de Deus e “tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou (execheen) isto que vedes e ouvis” (At 2.33). O verbo execheen vem de ekchéo (derramar) e é o mesmo usado pela LXX na tradução de “Eu derramarei” de Joel 2.28-32.
Pedro se utilizou da profecia de Joel, e não da de outro profeta do Antigo Testamento, porque em Joel a profecia acerca do derramamento do Espírito Santo é uma das mais completas do AT.
A citação de Pedro segue a LXX, mas com algumas pequenas alterações para adaptar a profecia ao seu contexto. Marshall, em seu comentário de Atos, alista quatro temas importantes da profecia de Joel em Atos 2.
O primeiro tema da profecia, e o principal, segundo Marshall, é que Deus está para derramar o Seu Espírito sobre todos os povos, isto é, sobre todos os tipos de pessoas (judeus e gentios), e não apenas sobre os profetas, reis e sacerdotes, como acontecia no Antigo Testamento.
Um segundo elemento da profecia é a ocorrência de sinais cósmicos do tipo que se associa com os quadros apocalípticos do fim do mundo (cf. Ap 6.12). Aqui, podemos notar que Pedro alterou a expressão de Joel: “prodígios no céu e na terra”, para prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra. Os sinais seriam provavelmente o dom de línguas e os vários milagres de cura que logo passariam a ser narrados. O que dizer, porém, dos prodígios? Se não aceitarmos que a referência diz respeito aos sinais cósmicos que acompanharam a crucificação (Lc 23.44,45), então teremos que entender que Pedro antevê os sinais que anunciarão o fim do mundo. Estes ainda são futuros e pertencem ao “fim” dos últimos dias, e não ao “começo” deles, que estava se realizando.
O terceiro elemento na profecia de Joel é o evento do qual estes sinais são a prefiguração. Para Joel, é claro, o Senhor era o próprio Javé. Para Pedro e Lucas surge a pergunta: Senhor, aqui, não significa implicitamente Jesus? Isto porque em Atos 2.36 Jesus será declarado Senhor.
Em quarto lugar, a profecia de Joel termina com uma promessa no sentido de que aquele que invocar o nome deste Senhor, isto é, apelar a Ele, pedindo socorro, será salvo. Para os cristãos, certamente, se tratava de procurar em Jesus a salvação (cf. Rm 10.13,14; 1 Co 1.2). Reconhece-se que, se Pedro citou o texto em hebraico, haveria clara referência a Javé, e, portanto, a aplicação a Jesus ficaria clara somente àqueles que ouviam ou liam o texto em grego.
2.1.2. Contexto próximo
João Batista antecipou de modo vívido o que aconteceria em Atos 2. Lucas relata em seu Evangelho que João pregava assim: “Eu, na verdade, vos batizo com água, mas vem o que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias; ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3.16; cf. Mt 3.11). A palavra fogo nesta passagem refere-se ao Pentecostes mas também ao juízo final.
Mais tarde, no final de seu Evangelho, Lucas volta a tratar daquela mesma promessa, agora dita pelo próprio Senhor Jesus. “Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24.49). E o Cristo exaltado derramou o Espírito Santo prometido que Ele recebeu de Deus Pai (cf. At 2.33).
Contudo, o contexto mais próximo que se pode ter do Pentecostes está exatamente no capítulo 1 do segundo livro de Lucas.
“E, comendo (Jesus) com eles (seus discípulos), determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, a qual, disse ele, de mim ouvistes. Porque João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias. Então, os que estavam reunidos lhe perguntaram: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? Respondeu-lhes: Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria a até aos confins da terra” (At 1.4-8).
Jesus ordenou aos Seus discípulos que não se ausentassem de Jerusalém enquanto não recebessem o batismo do Espírito. Só podemos entender adequadamente esta ordem à luz de seu contexto histórico. Após a sua ressurreição, Jesus instruiu os discípulos a retornarem a Galiléia (cf. Mt 28.10; Mc 16.7). E eles prontamente o fizeram, por duas razões. Em primeiro lugar, eles teriam a oportunidade de vê-lo novamente na Galiléia, conforme prometera (Mc 14.28). Em segundo lugar, eles não estavam nem um pouco interessados em permanecer em Jerusalém, o lugar onde os judeus mataram Jesus e que eles, os discípulos, também estariam correndo perigo de morte.
Jerusalém, o lugar onde Jesus concluiu seu ministério terreno, seria agora o ponto de partida de uma nova era. Dali, no dia de Pentecostes, Ele enviaria a Sua igreja como primícias e testemunha de tudo o que Ele disse e fez, isto é, “que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém” (Lc 24.47).
Por isso, mais tarde, logo após a Ascensão, os discípulos fizeram imediatamente o que Jesus mandou. Retornaram do Monte das Oliveiras para Jerusalém, e quando ali entraram subiram ao cenáculo, local onde o Senhor celebrou a páscoa. Lucas diz que no cenáculo “Todos estes (os onze, cf. At 1.13) perseveravam unânimes em oração, com as mulheres, com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele” (At 1.14). Certamente havia entre eles uma grande expectativa naquilo que estava para acontecer.
À luz dos textos de Atos 1.14,15 e 2.1 podemos notar que ocorreram três reuniões distintas em Jerusalém. É possível que os cento e vinte discípulos de Atos 1.15 estivessem, todos eles, na reunião de Atos 2; embora pareça pouco provável porque o texto fala de uma casa (cf. At 2.1,2). Mas esta informação não é a que verdadeiramente importa. Muito mais relevante, porém, é o fato de que a promessa de Atos 1.4-8 começava a se cumprir em Atos 2.
3.2. A Igreja e sua missão
3.2.1. O nascimento da igreja neotestamentária
O tempo entre a ascensão de Jesus e a espera dos discípulos para o derramamento do Espírito Santo foi curto, de apenas dez dias. Nas palavras de Jesus, o Pentecostes ocorreria “não muito depois destes dias” (At 1.5).
O contexto da inauguração da igreja neotestamentária não poderia ser outro. Estavam presentes em Jerusalém judeus piedosos “vindos de todas as nações debaixo do céu” (At 2.5).
Era impossível para a maioria dos judeus comparecer a todos os três festivais a cada ano, visto que eles estavam amplamente dispersos pelo mundo. No entanto, um número considerável vinha a Jerusalém para adoração nas três ocasiões. Uma vez que a viagem pelo Mediterrâneo era mais segura ao final da primavera, quando o Pentecostes era celebrado, esta festa normalmente trazia muita gente para a cidade de Jerusalém. Sua população, que normalmente era de cinqüenta mil habitantes, chegava a quase um milhão nesta época do ano.
Lucas relaciona, em Atos 2.9-11, quinze nações do mundo antigo. Começa com as nações do leste (Pártia, Média, Elam e Mesopotâmia), depois segue da Judéia à Ásia Menor (Capadócia, Ponto, Ásia, Frígia e Panfília), prossegue em direção à África (Egito, Líbia e Cirene) e continua até Roma, Creta e Arábia. Não se sabe ao certo porque Lucas omite em sua lista as nações que obviamente deveriam ser mencionadas, como Grécia, Macedônia e Chipre. Contudo, a intenção primordial do autor está bem evidente, isto é, enfatizar que as boas novas transcendem as barreiras lingüísticas e que aqueles representantes das nações certamente voltariam para suas terras anunciando os feitos poderosos de Deus.
3.2.2. A perspectiva missionária do Pentecostes
O Pentecostes é o ponto alto da seqüência de eventos relacionados à morte, ressurreição e ascensão de Jesus. É por isso que para Lucas o Pentecostes possui um significado prático e dinâmico, traduzido em termos de nascimento e missão da igreja neotestamentária.
Lucas apresenta o Pentecostes como o início da missão mundial da
Igreja, visto que igreja e missão são partes inseparáveis na mente do Espírito. Por isso, a implementação do programa de Atos 1.8 dependia do Pentecostes. Aqueles que testificaram os efeitos do derramamento do Espírito Santo e ouviram o evangelho pregado por Pedro, representavam “todas as nações debaixo do céu” (At 2.5). E a lista, como já vimos, incluía um vasto panorama das nações do Mediterrâneo oriental (At 2.9-11).
O caráter missiológico de Atos 2 é facilmente percebido pela importância que Lucas dá ao Pentecostes. O Pentecostes está no começo de um novo livro escrito por ele e não no final de sua primeira obra. Não seria exagero dizer que pela posição do Pentecostes em Atos, Lucas atribui a ele um valor e importância semelhantes ao nascimento de Cristo no início de seu Evangelho, ou mesmo a algo como o relato da criação no início de Gênesis. Concordamos com Kistemaker quando diz: “Depois da obra da criação de Deus e a encarnação do Filho de Deus, a descida do Espírito Santo no Pentecostes é o terceiro maior ato divino”.
Línguas, vento e fogo
Não é preciso especular se as línguas faladas em Atos 2 eram dos homens ou dos anjos. Lucas deixa claro que os “galileus” (no caso os apóstolos e outros que estavam na casa) de Atos 2.7 falavam as línguas das nações presentes naquela festa (At 2.6-11).
Quanto à natureza, propósito e conteúdo das línguas faladas em Atos 2 é importante observar que “a história ensina que línguas humanas inteligíveis são significativas, não as línguas ininteligíveis como as freqüentemente encontradas na glossolalia moderna ou como as que usualmente pensa-se ter sido faladas em Corinto”. O propósito principal dos dons do Espírito concedidos à igreja era a missão, e não especificamente a edificação particular da igreja ou dos seus membros individuais.
É provável que o conteúdo das línguas em Atos 2.4 consistisse da mensagem profética da justiça e graça de Deus a todos os povos, línguas e nações, conforme sugere Pedro em Atos 2.14-41.
Vale lembrar que enquanto no Antigo Testamento Moisés (Dt 28.49) e Isaías (Is 28.11) profetizaram a deportação de Israel e Judá por um povo de língua estranha (o que aconteceu no ano 722 a. C. com o cativeiro assírio e em 587 a. C. com o cativeiro babilônico), em Atos 2 as línguas eram sinais evidentes da bênção de Deus para todas as famílias da terra. Enquanto em Babel (Gn 11.1-9) houve confusão e divisão, em Jerusalém foi proclamada uma só mensagem em muitas línguas. A mensagem da unidade e universalidade em Cristo Jesus.
E qual o significado do vento e do fogo em Atos 2?
O vento simboliza o Espírito Santo. O som do vento denota poder celestial e seu aparecimento repentino revela a inauguração de algo sobrenatural.
O fogo era o cumprimento da descrição de João Batista do poder de Jesus: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3.11; Lc 3.16). No Antigo Testamento o fogo é freqüentemente um símbolo da presença de Deus para indicar santidade, juízo e graça (cf. Ex 3.2-5; 1 Rs 18.38; 2 Rs 2.11). Em Atos 2 o fogo se dividiu em línguas de fogo que pousaram sobre cada um dos crentes presentes na casa. Em decorrência disto eles falaram em outras línguas.
Notemos que Lucas tem o cuidado de observar que não foram simplesmente vento e fogo que invadiram a casa, mas sim o Espírito Santo como vento e fogo. Esta foi a maneira que Lucas encontrou para dizer que o que aconteceu naquele dia não tinha nada a ver com fenômenos meramente naturais.

III. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PENTECOSTES
Há pelo menos três características do Pentecostes de Atos 2 que podemos destacar aqui.
1) O Pentecostes foi um ato soberano do Espírito
Lucas relata nos quatro primeiros versículos de Atos 2 como o Espírito Santo atuou soberanamente naquele dia, em flagrante contraste com a passividade dos que “estavam reunidos no mesmo lugar” (At 2.1). Diz que “de repente, veio do céu um som, e encheu toda casa onde estavam assentados” (At 2.2, grifos nossos). “E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles” (At 2.3, grifos nossos). “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (At 2.4, grifos nossos). Nesta ação soberana do Espírito Santo está evidente o caráter sobrenatural do Pentecostes quando o Espírito vem do céu e entra na casa com um som repentino como vento impetuoso e línguas de fogo que pousavam sobre cada um dos que ali estavam, ficando todos cheios do Espírito e passando a falar em outras línguas, segundo a concessão do próprio Espírito Santo.
O dom das línguas em Atos 2 nos faz relembrar o ensino de Paulo em 1 Coríntios 12.11: “Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas cousas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente”.
2. O Pentecostes foi um ato único na história
A segunda coisa que aprendemos em Atos 2 é que o Pentecostes foi um ato único na história da humanidade. Naturalmente este é um ponto controvertido, visto que as igrejas históricas o defendem mas as igrejas carismáticas o rejeitam terminantemente. Procuramos uma definição equilibrada a esse respeito e acreditamos que Pierson foi feliz em sua abordagem. Diz ele:
Alguns estudiosos falam de um “Pentecostes samaritano” e de um “Pentecostes gentílico” que sucedeu o Pentecostes de Jerusalém. Não podemos fazer o mesmo de modo nenhum, é claro. O primeiro Pentecostes, quando o Espírito foi derramado sobre os crentes, foi único. No entanto, existe um sentido segundo o qual estes termos estão corretos. O Espírito veio sobre a igreja de Jerusalém para prepará-la e capacitá-la para a sua missão. Mais tarde, pela vinda sobre os crentes de Samaria e então sobre os gentios, de modo tão claro e dramático, o Espírito aumentou a compreensão da igreja acerca da sua missão e preparou-a para os próximos passos. O Espírito do Cristo ressurreto continuava a liderar a sua igreja para fora dos limites de Jerusalém e da sua familiar cultura judaica em direção a outros povos, lugares e culturas – até aos confins da terra.
À semelhança do que foi esclarecido acima, é por isso que nos dias de hoje também podemos falar, em certo sentido, de um pentecostes coreano, africano e, como assim esperamos, brasileiro e mundial.
3. O Pentecostes de Atos 2 foi universal
Um terceiro ponto que gostaríamos de destacar é o caráter universal do Pentecostes. Percebemos facilmente a intenção de Deus ao enviar o Espírito Santo numa ocasião em que “estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu” (At 2.5).
Entre os judeus “vindos de todas as nações” havia também “prosélitos” (At 2.11). Mas isto não é tudo. O caráter universal do Pentecostes fica ainda mais evidente naquele trecho do discurso de Pedro que diz: “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (At 2.39; cf. Jl 2.32).
Não sabemos até onde Pedro entendeu que a profecia de Joel prometia este dom ou batismo do Espírito a todos os crentes. Se tomarmos isoladamente o texto de Atos 10, poderemos concluir que foi somente após aquela experiência em Jope e na casa de Cornélio que Pedro e a igreja de Jerusalém entenderam que “também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para a vida” (At 11.18). Contudo, recordemos que em seu discurso Pedro cita Joel, dizendo: “E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (At 2.21). Não esqueçamos que os “prosélitos” de Atos 2.11 eram gentios.
A passagem citada há pouco de Atos 2.39 também parece lançar uma luz sobre a concepção universal de Pedro. Uma referência aos gentios por Pedro é altamente provável, tendo em vista a maneira rabínica de entender a frase em Isaías 57.19 (cf. Ef 2.13,17).
Na minha opinião Pedro estava certo de que o evangelho seria pregado a todos os povos, conforme a ordem de Jesus, “fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28.19), mas que não seria através dele ou pelo menos não necessariamente através dele e dos judeus. “Os primitivos cristãos não compreenderam de imediato que era a sua missão proclamar o evangelho em todo o mundo. Eles permaneceram em Jerusalém, e a missão mundial não começou senão quando a perseguição expulsou os helenistas para fora da capital”. De qualquer forma, Lucas, que era gentio, tinha em mente o evangelho para todos os povos quando escreveu Atos 2.
Considerações finais:
O Pentecostes de Atos 2, no verdadeiro sentido do termo, foi um ato único na história. Não foi o fim mas o início de uma nova era. A era do Espírito Santo. E aquele começo não poderia ser mais extraordinário. Quer seja pela maneira como o Espírito se manifestou; quer seja pelo resultado daquela manifestação. Dos que ouviram a pregação do evangelho naquele dia, quase três mil foram salvos.
O propósito fundamental do Pentecostes de Atos 2 foi a formação de uma igreja missionária, a comunidade dos chamados para fora. Em Atos a Igreja Primitiva não viveria o “mito da vida espiritual interior e individual” ou “narcisismo eclesiástico”. A comunidade adoradora e missionária de Atos estaria voltada para fora de si mesma.
A forma como os cristãos primitivos compreenderam o Pentecostes atesta um fato básico. Sem o Espírito Santo não há proclamação possível e eficaz do evangelho. Não há nem mesmo evangelho, nem vida em Cristo. Antes do Pentecostes os apóstolos de Jesus eram apenas testemunhas de Sua ressurreição no sentido passivo do termo. A partir do Pentecostes eles, e a igreja como um todo, abalariam o mundo com o testemunho entusiasticamente vibrante de que Jesus concede vida a todos os que nele crer. A igreja é empurrada ao mundo, descobrindo de maneira clara que é verdade para o mundo, convencida de que o Espírito não foi concedido tão somente para seu deleite pessoal, mas principalmente para capacitá-la a proclamar que Deus amou o mundo de tal maneira que agora lhe possibilitará a vida em Jesus.
O Pentecostes contempla a criação de um povo missionário formado por homens e mulheres que amam verdadeiramente a Jesus Cristo. O sacerdócio universal dos crentes começa no Pentecostes. E a partir daquele dia todos nós fazemos parte de uma mesma missão. A missão de proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz, a saber, Jesus, a esperança da glória.
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Josivaldo de França Pereira é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil em Santo André-SP. Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição – SP. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Associada do Ipiranga – SP. Mestre em Missiologia pela Faculdade Teológica Sul Americana de Londrina-PR e Doutorando em Ministério pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper/Mackenzie – SP. É secretário de missões do Presbitério Santo André (PRSA), autor do livro Atos do Espírito Santo (Ed. Descoberta, 2002) e de vários ensaios e artigos bíblicos disponíveis na Internet.
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