A possibilidade da queda

Autor: Valdir França

Portanto, deixemos os ensinos elementares a respeito de Cristo e avancemos para a maturidade, sem lançar novamente o fundamento do arrependimento de atos que conduzem à morte, da fé em Deus, da instrução a respeito de batismos, da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno. Assim faremos, se Deus o permitir.
Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública.
Pois a terra, que absorve a chuva que cai freqüentemente, e dá colheita proveitosa àqueles que a cultivam, recebe a bênção de Deus. Mas a terra que produz espinhos e ervas daninhas, é inútil e logo será amaldiçoada. Seu fim é ser queimada. Hebreus 6:1-8 NVI.
O verdadeiro crente pode cair? Poderá aquele que nasceu de novo, desviar-se? Estas e outras perguntas têm dominado os debates teológicos em torno da Soteriologia Protestante, desde que Jacob Arminius lançou seus ensinos, contrariando os ensinos Calvinistas. Analisaremos o texto a partir do que o autor quis dizer, e em seguida tentaremos harmoniza-lo com outros ensinos do Novo Testamento, tanto a favor quanto contra a possibilidade da Queda.

O CONTEXTO DO AUTOR
A mensagem principal da Carta aos Hebreus é a comparação entre a Antiga Aliança e a Nova. O autor prova a superioridade de Cristo a todos os elementos da fé judaica. Desde a revelação feita em primeiro lugar aos profetas, passando pelos personagens com proeminência, e pelo sistema cultual.
Para uma compreensão melhor do texto da carta aos Hebreus, e necessário o conhecimento do sistema judaico, com suas leis e rituais. A perícope em análise compreende um sistema, juntamente com Números 15:30 e Hebreus 10:27-31. A correta interpretação da perícope, não pode ser feita sem se levar em conta à interpretação das outras duas perícopes.
No contexto do autor, o “cair”, ou apostatar, teria o mesmo sentido do que o pecar com atitude desafiadora, no contexto de Números. Em Números fica claro que aquele que praticasse tal ato quer judeu de nascimento, ou gentio-prosélito, deveria ser eliminado de seu povo. O castigo geralmente aplicado para a transgressão era o apedrejamento. Para o autor, seria impossível que aquele que conheceu a Cristo e depois caiu, voltasse ao convívio da Igreja. Ele teria se auto-extirpado do corpo.
Sem dúvida alguma para o autor a possibilidade da apostasia era concreta. Para ele a Igreja e o povo de Israel eram partes de um mesmo sistema, sendo que o tempo de Israel havia passado, e agora era o tempo da Igreja. Como o povo de Israel no deserto foi capaz de ser incrédulo, também a igreja. Como Israel, sendo povo de Deus, apostatou e seguiu a Baal e outros deuses, também a Igreja teria esta possibilidade. A volta ao judaísmo por si só representava, na opinião do autor, esta apostasia.

O CONTEXTO DO NOVO TESTAMENTO
Quando, porém tentamos conciliar a mensagem contida nestas perícopes com a mensagem do novo testamento, há algumas contradições, bem como outros textos que a apóiem.
Em última análise, a problemática possibilidade de cair x perseverança dos crentes, é uma faceta da problemática livre arbítrio x predestinação. Se crermos na predestinação, com certeza não poderemos crer na possibilidade da apostasia. Pois se Deus predestinou alguns para serem salvos, não permitiria a estes apostatarem.
Por outro lado, se crermos no livre arbítrio do homem, de maneira certa creremos que é possível a apostasia.
Em Romanos capítulo 8 e João capítulo 10 temos um paradoxo com o texto de Hebreus, visto que tanto Paulo, quanto Jesus afirmam a perseverança daqueles que são salvos. O versículo 28 de João diz: “… e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão”, não deixando dúvidas que Jesus estava falando que os salvos estariam sendo cuidados por Ele, qual pastor cuida de suas ovelhas.
O mesmo Evangelho de João, porém nos dá a idéia de que poderíamos de alguma maneira não estar mais ligados a Cristo. No capítulo 15, quando Jesus está se comparando a videira, no versículo seis diz: “… quem não permanece em mim é lançado fora…”, e isto está sendo falado aos doze, como também àqueles que viessem a serem salvos.
No pensamento de Paulo também podemos ver a ambigüidade dos pensamentos possibilidade da queda x perseverança dos crentes. Se em Romanos ele diz de que “… todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus…” e que “… nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”.Em Colossenses ele diz: “Antes vocês estavam separados de Deus, e na mente de vocês, eram inimigos por causa do mau procedimento de vocês. Mas agora ele os reconciliou pelo corpo físico de Cristo, mediante a morte, para apresenta-los diante dele santos, inculpáveis e livres de qualquer acusação, desde que continuem alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do evangelho, que vocês ouviram e que tem sido proclamado a todos os que estão debaixo do céu”.
Para o homem um ensino excluiu necessariamente outro. Mas para Deus eles se ajustam. Como também a eleição e o livre-arbítrio. De qualquer forma na análise do texto de Hebreus deve ficar claro que a possibilidade da queda existe. Não queiramos tentar conciliar o texto com nossa teologia. É necessário lê-lo a partir do contexto do autor, e entender que sua preocupação era demonstrar aos judeus, que voltar ao judaísmo era o mesmo que crucificar a Jesus novamente.
 
BIBLIOGRAFIA
CHAMPLIN, Russell Norman. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo Volume 1. São Paulo: Hagnos, 2001, 744p.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo Volume 1. São Paulo: Hagnos, 2002, 806p.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo Volume 2. São Paulo: Hagnos, 2002, 661p.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo Volume 5. São Paulo: Hagnos, 2002, 670p.
COENEN, Lothar e BROWN, Colin.  Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2773p.
GUTHRIE, Donald. Hebreus – Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1984, 263p.
LAUBACH, Fritz. Carta aos Hebreus – Comentário Esperança. Trad. Werner Fuchs.  Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2000, 234p.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*