Autor: G. Gomes
A pobreza é uma realidade que se tem tornado assunto político nestes últimos tempos. É a esfera da vida na qual os comunistas se agitam constantemente nos países livres de todo o mundo, concitando os pobres a derrubarem a sociedade livre e a desenvolverem um sistema socialista que elimine a pobreza.
Aqui está um exemplo prático do comportamento dos comunistas: Em Portugal, nas eleições de 1985, embora os partidos de esquerda sofressem fragorosa derrota, não se deram por vencidos. Usaram a tática de desviar a atenção pública da derrota deles para os males do Governo, fazendo a este duros ataques nos quais salientavam, como prova da pobreza do país, a emigração de tantos portugueses. Ao ouvir esse argumento, um líder cristão comentou: “Gostaria de saber quantos desses emigrantes portugueses escolheram viver em algum país do paraíso comunista!”
A pobreza é uma realidade que pode ser explorada e pode ser removida. Todos aqueles que amam a Deus e defendem a verdadeira justiça social, devem regozijar-se na liberdade e procurar remover a causa da pobreza ou pelo menos aliviá-la mediante a aplicação do remédio indicado pela Palavra de Deus.
Que a injustiça social é escandalosa não há dúvida.
Anos atrás um jornalista, ao examinar o lixo de algumas mansões de Brasília, mostrou ao povo brasileiro até aonde chega a extravagância e o desperdício de algumas autoridades. Havia latas de alimentos caríssimos, importados, com sobras pela metade. Na mesma ocasião a televisão mostrava cenas chocantes de favelados disputando com corvos, no lixão de Recife, pedaços de carne estragada. A situação desses miseráveis levou um cônsul estrangeiro em Recife a pedir ajuda à sua nação a fim de amenizar tanta pobreza.
Embora real, a pobreza, tanto quanto a riqueza, é relativa, pois sempre acharemos alguém mais pobre ou mais rico do que nós. O lixo de uma pessoa pode ser o luxo de outra. Aquele que ganha pouco às vezes é mais feliz do que o que ganha muito. As taxas de suicídio têm sido muito mais elevadas entre os ricos do que entre os pobres. A alegria verdadeira não consiste na quantidade das coisas que possuímos, pois ela é espiritual na sua essência. Por isso, o homem honesto e humilde e que se esforça sinceramente de acordo com os seus talentos a fim de aproveitar as oportunidades da vida, contenta-se com aquela medida de prosperidade e segurança social conquistada mediante o seu próprio esforço ao longo da vida.
Em muitos casos, a pobreza pode levar a pessoa para mais perto de Deus, e nesse caso é uma bênção. O indolente, entretanto, que rejeita a disciplina necessária à felicidade humana, que desperdiça as oportunidades, que nega tanto a sua condição pecaminosa quanto a soberania e providência divina, acaba culpando os outros pela sua miséria e se rebelando contra a ordem social. A rebelião, quer contra o sistema social, quer contra alguém, reflete a rebelião maior contra Deus.
Assim como nem toda pobreza pessoal é devida ao pecado, assim também nem toda miséria é fruto de injustiça social.
Embora cada caso em particular resulte de fatores e circunstâncias peculiares, a Bíblia Sagrada, no entanto, responsabiliza sempre a pessoa, nunca o Estado. Por essa razão o melhor remédio contra a pobreza é a Palavra de Deus. A verdadeira justiça social somente poderá ser promovida pela transformação espiritual do ser humano no ambiente de uma sociedade livre. Este, enquanto corrompido e perdido em pecados, jamais mudará para melhor as estruturas sociais em que vive.
Ao mesmo tempo, não devemos confundir a distinção de classes — vocações, profissões e talentos, os quais são dons soberanos de Deus — com a injustiça social, que é devida ao pecado e que pode ser relativamente corrigida. Um pastor, a cada minuto interrompido por seu filhinho perguntador, não conseguia concentrar-se no preparo de sua mensagem. Então teve uma idéia brilhante: apanhou um mapa do mundo, recortou-o em pedaços e pediu ao filho que o remontasse. Esperava assim entretê-lo por um bom tempo. Qual não foi a sua surpresa quando, apenas minutos mais tarde, o garoto lhe traz todo o mapa reconstruído. Surpreso e orgulhoso da inteligência do menino, o pai perguntou-lhe como havia conseguido realizar a difícil tarefa em tão pouco tempo. Mostrando ao pai o outro lado do mapa, em que havia a figura de um homem, respondeu o filho: “Eu consertei o homem, e o mundo se endireitou”.
O tema da mensagem desse pastor não poderia ser outro: “Consertemos o homem e endireitaremos o mundo”.
Quem é o Pobre?
“Os pobres evangelicalmente são aqueles que se põe à disposição de Deus na realização dos projetos dele neste mundo, e portanto tornam-se instrumentos e sinais do reino divino. A teologia da libertação gostaria de ver a todos os cristãos, incluindo os sócio-economicamente pobres, e pobres evangelisticamente. O objetivo é aplicar a dimensão libertadora da fé para que os frutos do reino de Deus possam ser fruídos dentro da história. Esses frutos são, principalmente, agradecimento ao Pai, aceitação da adoção divina, vida e justiça para todos, e comunhão universal”.(2)
A verdadeira justiça social somente poderá ser promovida pela transformação espiritual do ser humano no ambiente de uma sociedade livre.
Gutierrez, ao definir os pobres como “os portadores do sentido da história”; (3) identifica-os com o proletariado de Marx. Seria essa uma definição bíblica de “pobre”? Podemos substituir, na Bíblia, “pobre” por “proletário”? De acordo com o profeta Jeremias, pobre é o aflito e o necessitado (Jr 22:16).
Herman Riderbos, interpreta “pobres” no sentido de “pobres de espírito”, seguindo uma exegese que o próprio Gutierrez em certo sentido defende como o “poder de acolher a Deus, uma disponibilidade para Deus, uma humildade diante de Deus”.(4)
O teólogo europeu G. D. Gort, por sua vez, enfatiza a necessidade e o direito que também o rico tem de ser salvo e conseqüentemente de ser liberto da sua pobreza sociológica. Ao assumir essa posição, ele discorda, assim, do conceito exclusivista do Evangelho aceito pelos liberacionistas latino-americanos, e questiona uma das proposições doutorais do Dr. Costas na Universidade Livre de Amsterdã, na qual se afirma que o Evangelho está dirigido particularmente aos pobres.
O Dr. Orlando Costas, ao discordar tanto do ponto de vista de Riderbos e Gort quanto do sentido radical marxista que alguns grupos de cristãos dão ao termo “libertação”, faz desse termo uma reinterpretação à luz da Bíblia e das injustiças sociais reinantes nos países pobres. A conclusão do Dr. Costas é a de que a igreja possui missão integral tríplice: proclamar as boas novas, fazer discípulos e comprometer-se no processo de libertação social, econômica e política dos povos oprimidos.
Depois de salientar que a ênfase à evangelização dos pobres não tem nada de glorificação da pobreza, Costas diz que a Bíblia, longe de glorificar a pobreza, condena-a como algo escandaloso e exige justiça para com o pobre, e que, precisamente por esta razão, Deus se identifica com o pobre.
“Por isso”, afirma Costas, “Jesus optou por uma vida de pobreza e por isso Paulo associa a pregação da cruz com o humilde e ignorante (1Co 1:18ss). O Evangelho é um protesto contra o escândalo da pobreza e um chamado a erradicá-la da vida humana. Os que respondem à sua mensagem devem renunciar a todo tipo de manipulação e opressão e consagrar-se ao bem comum. Devem submeter-se totalmente a Deus que em Cristo Jesus prometeu libertar o mundo da opressão. E a opressão (conseqüência óbvia do pecado) é uma causa fundamental da pobreza”.(5)
Na opinião de Jesus, a pobreza não é uma coisa ruim, pecaminosa ou vergonhosa em si mesma. Temos aqui outro erro fundamental da teologia da libertação, que parte da premissa de que só existem ricos e pobres, e de que os ricos são sempre maus e os pobres sempre bons. Esse dualismo, pelo fato de polarizar toda a humanidade em apenas duas classes, não dignifica a raça humana e nem honra a Escritura Sagrada, que parte de princípios muito diferentes. A análise liberacionista não se baseia em nenhum critério objetivo, racional ou comprovado, e muito menos bíblico.
Por outro lado, a teologia da libertação não se preocupa em definir quem é o rico e quem é o pobre, esquecida de que há milhares de diferenças econômicas entre os povos, cujo nível social está sempre em estado de fluxo. É, portanto, impossível e irracional classificar os grupos sociais como sendo fixos e permanentes, e muito menos fazê-los inimigos mortais entre si a fim de justificar a luta de classes.
B. A Opção Preferencial pelos Pobres
1. Temas Seculares
Uma coisa é reconhecer e defender a causa e as necessidades dos pobres, mas outra bem diferente é advogar uma análise e uma solução marxistas para o problema da pobreza. É esta última mensagem estranha ao contexto bíblico que algumas entidades ecumênicas latino-americanas estão pregando, como a CELAM (Conferência Episcopal Latino-Americana), o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), organizado no Brasil em 1982, do qual participam a Igreja Católica Romana, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, a Igreja Metodista, a Igreja Episcopal e a Igreja Cristã Reformada, e o CLAI (Conselho Latino-Americano de Igrejas).
A finalidade do CONIC é acompanhar a realidade brasileira, comprometendo-se no esforço pela promoção da dignidade, dos direitos e deveres da pessoa humana, na busca e no serviço do amor, da justiça e da paz, com a finalidade de aglutinar forças para encaminhar ações comuns em favor dos pobres. A sua primeira diretoria estabeleceu, como metas principais, ampliar contatos com outras igrejas cristãs ainda não filiadas, cumprir os programas sociais da pastoral da terra, da família e urbana, e ampliar a reflexão sobre a realidade brasileira.(6)
O CLAI (Conselho Latino-Americano de Igrejas), criado também na década de 80 por quase uma centena de representantes de igrejas latino-americanas, inclusive de Cuba e Nicarágua, ocupa-se de temas seculares, como relações humanas, amor e justiça, massacre de crianças, discriminação de mulheres e idosos, exilados políticos, tortura, direitos humanos, pecado social, carreira armamentista, e considera a doutrina da segurança nacional um instrumento para “fazer calar as vozes dos que clamam pelos pobres”.
2. O Exemplo de Jesus
Jesus não fez uma “opção preferencial pelos pobres”, como o Deus deles, segundo entendeu o encontro de Puebla em 1979, nem ensinou um conceito político de salvação ou libertação. Pelo contrário, manifestou-se como a graça de Deus que traz salvação “a todos os homens” (Tt 2:11), pois todos pecaram e carecem do “lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3:5).
Jesus nunca desprezou a ninguém e a ninguém rejeitou. Ele proferiu palavras de fé, de esperança e de amor a todos os que cruzaram o seu caminho, entre os quais havia desde os mais humildes da sociedade, como os samaritanos e os leprosos, até os mais elevados, como Nicodemos, Jairo e o comandante romano de Cafarnaum (Lc 7:1-10; 8:40-56; Jo 3:1-21). Conhecido teólogo comentou a atitude de Jesus em relação às pessoas com estas palavras: “Ele reconheceu o valor dos homens e os amou, e, amando-os, aumentou-lhes ainda mais o valor”.(7)
Não há evidência bíblica alguma de que Jesus tivesse tentado reunir os pobres numa insurreição que derrubasse as “opressivas estruturas do poder” de Roma! John Pollock, na sua Vida de Jesus, infere das Escrituras que grande multidão de pobres procuraram a Jesus na esperança de que ele os liderasse numa cruzada contra o devasso, cruel e opressor Herodes Antipas. Essa tentativa de comprometer Jesus numa revolta armada teria ocorrido após a decapitação de João Batista. Antipas, como se sabe, silenciara a voz do grande e popular profeta do deserto da Judéia, cuja mensagem contra o pecado incomodava o monarca.
Herodes, Pilatos e outros governadores da Palestina representavam o opressivo e corrupto império romano, que com as suas constantes extorsões, intolerâncias, torturas e injustiças, zombava da dignidade humana. Por isso estavam na moda as insurreições e os movimentos de libertação, alguns destes de caráter religioso. Os sicários, por exemplo, eram agitadores e terroristas que, portando armas brancas bem escondidas sob as vestes, infiltravam-se nos ajuntamentos públicos a fim de assassinar autoridades romanas.
Embora Jesus vivesse no meio de tanto ódio e injustiça, jamais liderou uma insurreição dos oprimidos contra os opressores, e não tentou uma reforma civil nem condenou os inimigos da nação. Pelo contrário, ajudou alguns comandantes militares romanos e tornou-se amigo de publicanos ( os odiados traidores da nação, que cobravam os impostos para Roma ( e até hospedou-se na casa de um dos principais deles, Zaqueu. Por quê? Lucas, ao narrar a conversão de Zaqueu, cita as palavras de Jesus: “Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido” (Lc 19:10).
Jesus, ao conservar-se afastado dos governantes da época e ao recusar-se a interferir na administração dos que detinham o poder, revelava a sua descrença em que medidas humanas e externas pudessem debelar a injustiça e o sofrimento. Profundamente identificado com as misérias humanas, Jesus trouxe a este pobre mundo o único remédio verdadeiramente eficaz para uma cura verdadeiramente eficaz, ou seja, a regeneração do coração. O reino de Deus não pode ser estabelecido mediante decreto dos grandes deste mundo, nem pela violência da luta de classes ou pela substituição de um sistema político por outro, mas pela presença e operação do Espírito Santo no âmago da criatura humana. Somente esse poder pode reerguer a criatura humana, razão por que o Evangelho, como instrumento dessa realização divina, “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1:16).
G. Gomes, é Bacharel em Teologia, Professor de várias matérias teológicas, foi missionário nos EUA e fez especialização missionária na Inglaterra, autor de 3 livros, Pastor e Missionário na Índia.
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