A participação infantil na vida cúltica da igreja

Autor: Hideíde Brito Torres




Introdução

A proposta de refletir sobre a participação da criança na vida cúltica da Igreja é deveras interessante, mas também imensamente desafiadora. De fato, poderemos aqui apresentar alternativas, idéias e questões motivadoras interessantes. Queremos mesmo fazer isto. Mas, ao mesmo tempo, nos assombra o “fantasma” de falar sobre coisas que temos imensa dificuldade em praticar. Confesso que, como pastora de comunidades pequenas, com poucas pessoas preparadas e, de fato, despojadas para trabalhar com crianças, tendo a imensa gama de atributos pertinentes ao ministério pastoral, vi e vejo muitas vezes os pequenos das comunidades por onde passei perdidos no espaço do culto. Não participam ativamente, “incomodam”, interferem na ordem das coisas. A vivência cúltica se torna, portanto, deseducadora, na medida em que se mostra excludente.

Há caminhos para superar esses desafios, é claro. O maior de todos os problemas é que, como diz a turma do Palavra Cantada, “criança dá trabalho”. É isso de que a maioria das pessoas quer fugir, não? As crianças são pontos de interrogação ambulantes, detectando todas as nossas falhas! Por isso mesmo, a melhor forma de tê-las presentes e atuantes na vida cúltica da igreja é proporcionar o espaço adequado tanto para responder quanto para gerar novas perguntas da parte delas.

Para efeito de apresentação

Não tenho formação acadêmica no trabalho com crianças. Às vezes, sinto-me constrangida em trabalhar sobre isso tendo diante de mim tantos professores e professoras que têm uma prática muito mais acentuada que a minha. Não são poucos aqueles que têm no ofício de lecionar o seu pão-de-cada-dia. Mas, deixando minha timidez de lado, posso falar de minhas  práticas (ainda que pequenas), de minhas observações e leituras (abundantes) e, decorrentes destas últimas, minha atividade de produção literária (crescente). Escrevo para as revistas de Escola Dominical desde 1999. Caí, meio que de pára-quedas, na equipe que trabalhava sob a orientação da revda. Izilda de Castro Neves, que era coordenadora nacional de Escola Dominical, e sob a tutela direta de Delma Paradela, que era a redatora das revistas. Atualmente, escrevo também para o devocionário infantil “Ensina a Criança”, da Editora Cedro, além de ser responsável pela Bem-te-vi Jardim.

Uma das coisas mais legais de escrever é poder ver, depois, no diálogo com as pessoas, aquilo que elas fazem a partir das nossas idéias. Geralmente, fica muito melhor! Assim sendo, embaso minha experiência nesses itens: prática, observação, leitura, escrita e “troca de figurinhas”, diálogo mesmo, com quem executa aquilo que proponho realizar.

Desta forma, quero que você encare este texto e este encontro como uma troca, na medida em que pontuo alguns itens sobre os quais podemos discorrer e ir muito além. Nada está fechado neste processo. Como as crianças, quem trabalha com elas tem de estar preparado para (e querer também) as novidades, os questionamentos e os novos aprendizados.

O culto infantil

O culto infantil acontece de muitas formas em nossas igrejas. Acredito que não seja petulância minha dizer que, na maioria das formas e das vezes, de maneira inadequada. Temos sempre a impressão de que as crianças são tiradas da igreja para não atrapalhar os adultos. Assim, vão para a “salinha”, ouvir uma história e fazer um desenho enquanto esperam o sermão terminar. Tenho tido esta experiência diretamente. Nas vezes em que tenho realizado o culto com as crianças na igreja onde estou atualmente, ouço delas: “Não vamos desenhar agora, não?” “Quando vamos desenhar?”. Culto infantil não é aula de Escola Dominical. As duas vivências precisam ficar distintas para a criança, considerando que ela crescerá numa comunidade em que essas duas e fundamentais experiências a acompanharão para sempre.

Além disso, não acho válido que a criança deixe de participar do culto que é prestado por toda a comunidade. Ela também precisa aprender a estar em meio aos demais. Tenho considerado, em minha prática pessoal e eclesial, que pelo menos uma vez por mês a criança assista a todo o culto, junto com a família. E que uma vez por mês as igrejas dediquem espaço a realizar um culto não com as crianças ou para elas, mas, de fato, por elas. Crianças também têm a dizer sobre a fé. E não é pouco.

Desta forma, entendo que uma boa opção de aprendizado é também que a criança participe do momento inicial do culto junto com a comunidade. Ali, observando, ela aprenderá coisas muito importantes: a oração comunitária, a adoração, a música e o louvor coletivos, o momento do ofertório. Aí, sim, quando chegar a hora da mensagem, ela terá um conteúdo apropriado à sua compreensão e faixa etária. Quero ainda acrescentar o sentido do envio: onde pastoreio, sempre que as crianças saem para ter sua mensagem específica, chamo-as à frente, a igreja põe-se de pé e ora por elas. A seguir, elas são despedidas para seu espaço com uma palavra encorajadora para elas e também de valorização do orientador ou orientadora que as acompanhará. Elas saem sabendo que ouvirão a Palavra de Deus em seu “próprio idioma” e não nas palavras complicadas dos adultos!

O culto infantil, se ocorrer em momento concomitante com o culto dominical, especialmente no período do sermão, poderá contemplar um conteúdo próprio de mensagem, uma atividade pedagógica, lúdica ou de entretenimento (sim, por que não?), cânticos. Se for um momento unicamente das crianças, poderá ser interessante explorar todos os elementos que compõem liturgicamente o culto (adoração, confissão, louvor, edificação, dedicação), devidamente adaptados. Nos itens abaixo, dou alguns exemplos e dicas do que pode ser feito para um culto infantil que seja, ao menos, interessante para os pequenos adoradores e adoradoras do Pai.

Sermão para crianças

Tenho tido, isso com certa freqüência, a oportunidade de pregar para crianças. Elas são ouvintes atentas, pena que por pouco tempo para quem gosta de falar muito, como os pastores e pastoras!! Portanto, o sermão para crianças tem que levar em conta o tempo, de acordo com cada faixa etária. De modo geral, deve ser narrativo, descritivo; isto é, contar fatos, descrever detalhes, dar exemplos práticos. Se for dissertativo, discursivo, no “mundo das idéias”, as crianças não vão se interessar. Tendo condições de utilizar “efeitos especiais”, coisas concretas de se ver, explorar, cheirar, sentir, ótimo! A experiência é uma das melhores formas de ensinar a fé, tanto para adultos como para crianças. Se não for possível, aguce sua imaginação e a delas. Dou para vocês um exemplo de um sermão que preguei para adultos e crianças na IM em Porto Santana, Cariacica, ES, a convite da pra. Eunice Barbosa. Como era um público misto, estendi um pouco a reflexão, introduzindo elementos de diálogo, e pudemos pensar sobre o tema por cerca de 20 minutos. Com crianças apenas, e se forem pequenas, o tempo tem que ser sempre avaliado…

Texto bíblico: Cantares de Salomão 2.15

Tema: Cuidado com as raposinhas!

Contexto: A igreja estava fazendo aniversário. Sendo uma celebração festiva, mas também missionária, achei interessante propor um tema que nos lembrasse de que somos uma comunidade viva. Um aniversário é sempre oportunidade de rever nossos posicionamentos, testemunhos pessoais e comunitários, práticas e rotinas espirituais e eclesiásticas que podem matar o dinamismo e roubar o colorido da vida cristã.

A que se refere o texto bíblico? Cantares de Salomão é um conjunto de poemas elaborados para se cantar nos casamentos e festas nupciais. A noiva e o noivo ficam trocando palavras bonitas e apaixonadas. Mas, no meio das declarações de amor, a moça fala que está preocupada com a herança da família: as plantações de uva, ou seja, as vinhas. Existe um perigo no ar… Bem, a gente fica preocupado quando corre perigo, não é? O que podemos fazer para sair desse sufoco? Investigar o problema, pedir ajuda, contar para alguém, unir as forças de todo o mundo para ajudar. Então, é isso que a moça faz: ela pede ajuda para resolver o problema.
O problema são as raposas: Quem aqui já viu uma raposa? Eu já vi: no escudo do Cruzeiro! Todo o mundo na minha casa é cruzeirense. Toda vez que tem jogo, eu vejo as raposas! Só que tem um problema: a que eu vejo não é verdade. Está desenhada no papel. Ela não morde nem faz nada. Não deve ser dessa raposa que a moça falou… E no zoológico? Quem já viu a raposa? Ela parece um cachorro, né? A cara dela parece aquela cachorra que passava na televisão quando eu era pequena: a Lassie. Puxa, mas a raposa é tão bonita! Por que será que ela é um problema para a moça do nosso poema? Vamos pensar sobre isso:
As raposas e os vinhedos: Como eu não entendo nada de raposa além daquelas do Cruzeiro, fui fazer uma pesquisa para descobrir porque a moça tem medo de raposas. Sabem o que eu descobri? As raposas costumam atacar galinheiros nas fazendas, atrás de ovos e pintinhos. Elas comem alguns roedores pequenos. Mas, sabe de uma coisa? Raposa não come uva. Pelo menos, eu não achei isso nos livros que pesquisei. A moça está preocupada, porque a colheita não está pronta ainda. Há flores, então tem que esperar um pouco para colher, mas este é o momento mais importante. Se algo der errado agora, já era! E as raposas, meu Deus! Que perigo é esse?
As raposas são perigosas porque: Elas não comem as uvas, mas elas fazem tocas, buracos no chão. Bichos que fazem buraco no chão são perigosos para as plantas. Alguém sabe por quê? Pois é, porque elas afetam as raízes e as plantas morrem. Quando a gente estraga a raiz da planta, já era. Por isso, a moça está preocupada. Ela diz: Vamos pegar as raposas, as raposinhas, porque elas podem fazer buracos na terra e matar as raízes das plantas. A gente nem vê elas por lá, mas o estrago está feito. Na vida da gente, tem coisas que são que nem as raposas: fazem buraco na vida, no coração. Quando a gente vê, o amor morreu, a alegria morreu, a vontade de falar com Deus morreu… É a raposa da mentira, por exemplo. Ou a raposa da vaidade, a raposa da maldade, a raposa do egoísmo, a raposa da desobediência… isso é um perigo! Elas vão roendo a raiz da nossa amizade, a raiz da paz dentro da casa da gente ou da escola… E fazem buracos que separam os amigos… Elas são bonitinhas, parece que nem fazem mal: Esse é o problema das raposas! Elas enganam… Jesus sabia disso porque ele chamou um rei lá do país dele de raposa! A raposa é esperta, faz cara de quem não sabe de nada! Tem raposas assim que estão fazendo muito mal para as crianças no mundo hoje, sabiam? “Tipo” gente-raposa, que entra nas escolas e fica querendo que a gente experimente drogas e não conte nada pro pai ou pra mãe. “Tipo” raposa-televisão, que fica ensinando muita coisa que parece legal nos desenhos, filmes e propagandas, mas quer é enganar a gente! Só por aí você vê como tem coisas disfarçadas por aí que nem raposa. Parece bonitinha, mas é perigo. Cai fora! Elas são filhotes pequenos: Não é só raposa grande, não! Tem filhote também. Filhote de raposa faz buraco pequeno, mas o estrago é grande. Sabe o que pode ser uma raposinha na sua vida hoje? Uma briga sem fazer as pazes; uma coisa que a gente pega emprestada e não devolve; a vontade de estragar o que é dos outros porque a gente não tem… São sentimentos pequenos que a gente guarda no coração. Eles vão fazendo pequenos buracos por onde caem as amizades, as alegrias, o perdão, as coisas que a Bíblia ensina.
Vamos cuidar do vinhedo! A moça quer casar, mas quer ter herança. Então, ela fala com o namorado e com as outras pessoas que é preciso prender as raposas e raposinhas antes que elas façam um estrago na plantação. Para Deus, você é uma plantação cheia de uvas grandes, verdes e pretas, grandonas e gostosas! Jesus disse que Ele era a videira e nós, os ramos, não é? Então, você é um cacho de uva, cheio de sabor. Deus não quer que as raposas e raposinhas de quem eu falei façam buracos na sua vida e no seu coração. Ele não quer que as coisas boas que Ele plantou morram dentro de nós. Por isso, Deus é como aquela moça que ia casar e queria conservar bem a sua herança: ele quer prender as raposinhas e raposas do lado de fora do nosso coração, para que nossa vida dê frutos e flores! O que podemos fazer para evitar as raposinhas? Essa é a nossa atitude!
Desafio: Convido todo o mundo a pensar nas coisas ruins que sentiu hoje: raiva, medo, tristeza. Se contamos alguma mentira com medo do castigo ou para esconder algo errado que fizemos. Se excluímos alguém de nosso grupo; se falamos mal de alguém. Essas coisas são como raposinhas fazendo buracos no nosso coração. Vamos contar tudo isso a Deus em oração, pedindo perdão a Ele e a sua ajuda para não fazer de novo?
Recentemente, num encontro, deparei-me com uma criança que veio alegremente me cumprimentar, dizendo que ainda se lembrava de mim e da história das raposinhas que eu contei na igreja dela! Bom, os vinhedos estão em flor!

Liturgias para crianças

O mesmo que vale para se elaborar um sermão, vale para a liturgia em si. A criança aprende muito por repetição e memorização. Portanto, o tema trabalhado tem de estar claro para ela, e quando isso acontece, ela vai se lembrar da ocasião e do ensino por muito tempo. Com o reforço de retomar os temas periodicamente, isso se consolida na vivência cúltica da criança. Assim, proponho algumas dicas para auxiliar na produção litúrgica para as crianças e, se possível, com elas:

– Tema: Pode-se seguir o calendário litúrgico e adotar o lecionário, pois ele, além de cíclico, tem a facilidade de trazer símbolos, cores, propostas de textos bíblicos. Além disso, datas como aniversários e datas comemorativas do nosso calendário podem dar belíssimas liturgias. Mas, acima de tudo, a clareza do tema é fundamental.

– Ornamentação: A criança se orienta para o aprendizado não apenas com a mente, como nós, adultos, infelizmente, fazemos na maioria das vezes. Ela aprende pelas cores, pelos cheiros, pelos formatos, pelo aspecto tátil. Portanto, sempre que temos a oportunidade de usar o recurso da ornamentação, este deve conduzir ao tema.

– Cânticos: Ainda mantenho uma posição particular de que nossa igreja produz músicas bonitas e de conteúdo teológico importante. Mas são para gente grande cantar, não para crianças. São difíceis, não dá para as pequenas aprenderem. Cantos menores, de repetição, que usam gestos, liberando o corpo para a expressão e que geram o envolvimento pleno da criança com o culto são muito importantes, principalmente porque é virtualmente impossível faze-las ficar quietas. Temos de usar toda essa energia a favor da educação, da reverência (!) e da experiência com Deus. Os cânticos devem conduzir ao tema e podem ser retomados na pregação como exemplos e reafirmação dos conteúdos. É importante também ensinar a coordenação motora para se fazer gestos e palmas, pois muita gente grande não tem ritmo na igreja hoje, nem para cantar, nem para bater palmas… As crianças podem e devem ser incentivadas a cantar em grupo, a fazer duetos, solos, trios; a criar e tocar seus instrumentos, bem como também acompanhar os play-backs pois este recurso, além de ajudar nas igrejas em que não há muitos instrumentos, tem a seu favor, a meu ver, o fato de ajudar no ritmo. A criança tem de prestar atenção para não se perder e aprende bem a entonação e os tempos da música. O que não pode ocorrer é a priorização de uma única forma, pois isso tolhe a criatividade tanto dos orientadores quanto das crianças.

– Orações: Tudo depende da idade das crianças, é claro, mas num culto infantil há muitas formas de se orar. A orientadora ou orientador fala uma frase e as crianças repetem. Pode-se usar orações curtas, que podem ser decoradas por elas e aplicadas em situações específicas: ofertório, ação de graças pelo alimento, louvor pelas coisas que Deus fez, gratidão pela vida, família ou aniversário. Pode-se ter cartões de orações anotadas para que algumas leiam em momentos apropriados… As crianças podem orar espontaneamente, mas isso deve ser observado de modo a não fazê-las se sentirem expostas se forem tímidas.

– Sermões: Quero dar um reforço ao exemplo acima, acrescentando que podem ser usados poemas, dramatizações, jograis, criação coletiva, perguntas e respostas. Enfim, quando se trata de crianças, a palavra de ordem é interatividade. Só assim também é possível verificar o grau de entendimento do conteúdo transmitido.

– Apelo: Sim, por que não? O desafio é bom para a criança; permite a ela colocar em prática o ouvido. Tem de ser algo viável, realizável em pouco tempo (para ela não se esquecer ou cansar). Tem que ser possível de ser retomado: Conseguiu fazer? Como foi? O que sentiu? Essa é uma parte importante para a experiência vivencial da criança e não apenas litúrgica.

– Dízimos e ofertas: A educação cúltica da criança também passa por este aspecto. Em minha experiência, foi interessante explorar momentos como as campanhas nacionais da oferta missionária, evangelização e Festa Susana Wesley para incentivar as crianças a valorizar sua contribuição. Já trabalhei com elas vendendo pipoca, distribuindo folhetos, trocando cartões por centavos que depois eram colocados no altar, guardando moedas em cofrinhos para trazer ao final da semana, etc. Elas se sentem importantes e descobrem que ajudam missionários e o trabalho da igreja.

Longe do fim, mas a título de conclusão

Espero que essas dicas nos ajudem a pensar a liturgia para as crianças como um processo pedagógico e também libertador. Sempre digo que a criança que se sente inserida na igreja tem, além da experiência com Deus, facilidades na vida também. Ela se desinibe pois aprende a falar em público desde pequena; sente-se valorizada e integrada, desenvolve sua espiritualidade, aprende o espírito de solidariedade, trabalha em equipe, desenvolve a habilidade de ser guiada e conduzida sem perder sua liberdade de ser, com o conceito correto de autoridade e liderança… A lista não acaba. O mais importante é saber que todo culto, não apenas o infantil propriamente dito, deve ser espaço de inclusão e crescimento para as crianças.

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