Autor: Ed René Kivitz
A proposta da missão integral como agenda ministerial para a Igreja é mais do que evangelismo pessoal e assistência social; é convocação para rendição ao senhorio de Cristo, para perdão dos pecados e recebimento do dom do Espírito Santo
A Teologia Evangelical – Missão integral, a partir de seu lema “O Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens”, definido no Congresso Internacional de Evangelização, realizado em 1974, em Lausanne, na Suíça, oferece uma lente através da qual lemos as Escrituras Sagradas em busca de referenciais para a presença do cristão e da comunidade cristã no mundo: “Assim como o Pai me enviou ao mundo, também eu vos envio” ( João 17.18; 20.21). Creio que são pelo menos os referenciais oferecidos pela teologia da missão integral: soteriologia, eclesiologia, missiologia, antropologia e kerigma.
A soteriologia da missão integral é o domínio de Deus, de direito e de fato, sobre todo o universo criado, através daqueles restaurados à imagem de Jesus Cristo – o primogênito dentre muitos irmãos. A salvação é o Reino de Deus em plenitude, onde a vontade do Senhor é realizada ou concretizada em perfeição. A redenção pessoal é apenas uma parcela do que o Novo Testamento chama salvação: o novo céu e a nova terra.
A eclesiologia da missão integral é o novo homem coletivo. Deus não está apenas salvando pessoas; está, principalmente, restaurando a raça humana. Estar em Cristo é não apenas ser nova criatura, mas também e principalmente ser nova humanidade – não mais descendência de Adão, mas de Cristo, o novo homem e homem novo. O caos do universo é fruto da rebeldia da raça humana em relação ao Deus criador; a redenção do universo – fazer convergir todas as coisas em Cristo – é resultado da reconciliação da raça humana com Deus. Deus estava em Cristo reconciliando consigo a humanidade. No cristianismo, a salvação é pessoal, a peregrinação espiritual é comunitária, e nada, absolutamente nada, é individual. A Igreja é a unidade dos redimidos que são transformados de glória em glória pelo Espírito Santo, até que todos cheguem juntos à estatura de ser humano perfeito.
A missiologia da missão integral é a sinalização histórica do Reino de Deus, que será consumado na eternidade. A Igreja, o corpo de Cristo, é o instrumento prioritário através do qual Jesus, o cabeça, exerce seu domínio sobre todas as coisas, no céu, na terra e debaixo da terra, não apenas neste século, mas também no vindouro. A missão da Igreja é manifestar aqui e agora a maior densidade possível do Reino de Deus que será consumado ali e além. O convite ao relacionamento pessoal com Deus é apenas uma parcela da missão. A missão integral implica a ação para que Cristo seja Senhor sobre tudo, todos, em todas as dimensões da existência humana.
A antropologia da missão integral é a unidade indivisível do pó da terra com o fôlego da vida; as dimensões física e espiritual do ser humano. “Corpo sem alma é defunto; alma sem corpo é fantasma”; “Cristo veio não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar”. A ação missiológica e pastoral da Igreja afeta a pessoa humana em todas as suas dimensões: biológica, psicológica, espiritual e social – a pessoa inteira em seu contexto, o homem e suas circunstâncias.
O kerigma, evangelização, na missão integral é a proclamação de que Jesus Cristo é o Senhor, seguida da convocação ao arrependimento e à fé, para acesso ao Reino de Deus. A oferta de perdão para os pecados pessoais é o início da peregrinação espiritual, porta de entrada para o relacionamento de submissão radical a Jesus Cristo, a partir do que a pessoa humana e tudo quanto ela produz passam a servir aos interesses do Reino de Deus, existindo e funcionando em alinhamento ao caráter perfeito do Senhor.
A proposta da missão integral como agenda ministerial para a Igreja é mais do que o mix evangelismo pessoal mais assistência social (geralmente como isca ou argumento evengelístico). O referencial da missão integral para a presença do cristão e da comunidade cristã no mundo é mais do que a construção ou multiplicação de igrejas locais, para onde os cristãos se retiram do mundo e passam a exercer funções que a viabilizam – ela, igreja, instituição religiosa – como um fim em si mesmo. A convocação da missão integral é para a rendição ao senhorio de Jesus Cristo, para perdão dos pecados e recebimento do dom do Espírito Santo, a partir do que se passa a integrar um corpo, o corpo de Cristo, ambiente para a experimentação coletiva dos benefícios da cruz. É este corpo o responsável por transbordar tais benefícios ao mundo, como anúncio profético do novo céu e da nova terra. O caminho missiológico e pastoral da missão integral é afetivo – relacional, em detrimento de metodológico –; operacional; comunitário, em detrimento de institucional; devocional, em detrimento de gerencial.
Sob o imperativo de levar o evangelho todo para o homem todo, para todos os homens, de acordo com o consenso de Lausanne, a Igreja é a comunidade da graça. Comunidade terapêutica; agência de transformação social; sinal histórico do Reino de Deus, instrumentalizada pelo Espírito Santo, enquanto serve incondicionalmente a Jesus Cristo, Rei dos reis, Senhor dos senhores, a quem seja glória eternamente, amém.
O autor é escritor conferencista e pastor da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo
Fonte: Revista Eclésia
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