Autor: César Moisés
O telejornal SBT Brasil apresentou uma série de reportagens intitulada: “Fé sob medida”. A matéria foi aberta com a seguinte premissa (não inferida, mas afirmada pelo apresentador): “Uma das atividades mais lucrativas do país nos últimos anos é abrir uma igreja”. Com a proliferação de “ministérios” que surgem aos borbotões, este é um dos assuntos mais urgentes para se debater. Mesmo porque, do cristianismo, o segmento evangélico é o que mais dá margem para grandes “furos jornalísticos”. Se se quiser delimitar ainda mais o fenômeno a ser pesquisado, é preciso afirmar que dentre os evangélicos, o neopentecostalismo — mesmo não sendo o único, é bom que se diga — é o grande campeão e responsável pela suspeição que paira sobre o segmento (aliás, todas as igrejas mostradas até ontem, sem exceção, eram neopentecostais).
Não sou a palmatória do mundo para julgar a “boa vontade” ou a “boa intenção” com que as pessoas buscam estes grupos religiosos (quanto aos líderes acredito que a motivação não seja nada ingênua), mas diante de meu inevitável envolvimento (ora, sou cristão e pastor pentecostal), é meu direito — e dever — refletir sobre o assunto e apresentar algumas ponderações.
Generalização e influência no imaginário coletivo
Como não acredito na hipótese positivista da neutralidade ideológica (até mesmo de minha parte), e ciente da verdade que disse Millôr Fernandes ─ “A opinião pública é o que a mídia publica” ─, arrisco-me a fazer uma leitura acerca das reais intenções da série de reportagens.
Primeiramente, como parte do movimento evangélico (por sua origem histórica, gosto mais da expressão “evangelical”, mas como é muito pouco difundida, vou utilizar o título mais comum), teço algumas críticas ao nosso sistema, mas não sofro da síndrome de Elias — acreditando que sou o único que não se conforma com o quadro atual do segmento evangélico —, achando-me “guardião solitário” das verdades escriturísticas, pois sei que existem muito mais que sete mil anônimos que não se conformam com o evangelho da acomodação ou das facilidades que hoje se prega e, são estes que fazem, de fato, a obra de Deus. Acontece que as críticas que faço (é bom lembrar que “crítica” não deve ser confundida com a postura ranzinza de alguns ou com o mau costume de difamar e/ou falar mal de outros), têm a intenção de fazer-me repensar o cristianismo e descobrir meios de manter-me na direção correta. A série de reportagens também identifica as incoerências e ambigüidades dos evangélicos, mas não posso ser tão incauto e cair no simplismo de que o seu objetivo seja bom. Em outras palavras, o propósito da matéria não se confunde com o meu. Muitos caem na besteira de acreditar que o cristianismo está tão degradante que até mesmo a mídia está sendo “usada por Deus” para bradar contra ele. Na verdade, reportagens deste tipo são um verdadeiro “cavalo de Tróia” que, valendo-se da vulnerabilidade do movimento evangélico, valem-se desses desvios para impingir sobre todo líder cristão a pecha de “aproveitador” da boa fé das pessoas.
Em segundo lugar, é bom não esquecer que toda espécie de generalização é estúpida. O que dizer de pastores que se desdobram e dividem o seu tempo entre liderar uma igreja no período noturno e finais de semana, tendo que trabalhar durante o dia para sustentar sua família? Sem ganhar um único centavo dedicam suas vidas à pregação do evangelho. Mesmo sendo ministros leigos, como bons comissionados, insistem em realizar o trabalho evangelístico, proporcionando uma série de benefícios que refletem-se até mesmo na desintoxicação da sociedade. A reportagem não se propõe a mostrar exemplos de altruísmo, mas procura influenciar a opinião pública, nivelando por baixo, todos os evangélicos.
Em terceiro lugar, é bom não esquecer que eles jamais procuram um líder que saiba realmente responder pelo movimento evangélico, mas indagam pessoas que dão respostas rasas e sem nenhuma profundidade teológica. Um exemplo foi quando o repórter indagou um líder, questionando o motivo da abertura de tantas igrejas. O pastor, de maneira acrítica, respondeu: “O crescimento do bem tende a ser proporcional ao aumento do mal”. Estes são os que acreditam que existem dois deuses (um do bem e outro do mal) competindo entre si. No entanto, todos sabemos que o Diabo é um anjo caído, uma criatura de Deus, não podendo sequer pensar em competir com o Eterno. Sem falar também que a simples abertura de igrejas não significa, em última análise, melhoramento social e avanço do bem.
Em quarto e último lugar, os repórteres sempre buscam o parecer de um sociólogo, psicólogo, ou qualquer outro cético (isto não significa neutro, mas inclinado a criticar tudo o que diz respeito a religião), no intuito de execrar o cristianismo. Se acaso eles procurassem um líder cristão sério, ele concordaria que muitas manifestações religiosas nada têm de Deus; que a religião sempre foi um dos expedientes utilizado como forma de dominação (e acerca deste tipo de “religião” concordo com a definição de Marx); que a função das igrejas não é proporcionar uma vida nababesca aos seus líderes em detrimento dos fiéis que doam tudo que possuem esperando receber de Deus a mesma condição social; que as pessoas não podem ser vistas como “nichos” mercadológicos ou um mercado alternativo oportunizando a abertura de igrejas ao sabor de determinados grupos sociais simplesmente para atender a “demanda”; e finalmente, que neste caso, em particular, não se pode avaliar o todo por uma parte ou vice-versa. Porque isto é estupidez, desonestidade, absurdo e jornalismo antiético.
Analisando a liderança e a práxis cristã à luz da teologia joanina
Diante da banalização e barateação do sagrado, acredito que é importante refletir a práxis cristã na perspectiva teológica joanina. Considero de extrema relevância as advertências do apóstolo João acerca dos “anticristos” e falsos profetas (1 Jo 2.18; 4.1). Qualquer líder cristão sabe que um dos aspectos mais importantes do seu trabalho, é justamente tornar os membros da comunidade de fé que estão sob seu pastorado, capazes de “permanecer [no ensino ou conteúdo doutrinário] que desde o princípio” ouviram, pois se eles assim procederem, o resultado é que também permanecerão no “Filho e no Pai” (1 Jo 2.24). E estando em Deus e em Jesus, eles receberão a maior de todas as promessas do Senhor: “a vida eterna” (1 Jo 2.25).
O apóstolo do amor deixa claro o porquê de reafirmar essa verdade escriturística e mostra-se sabedor de que os crentes conhecem A Verdade (isto é, Jesus): “Não vos escrevi porque não soubésseis a verdade, mas porque a sabeis, e porque nenhuma mentira vem da verdade” (1 Jo 2.21). O objetivo do contraste joanino é bastante evidente: “Estas coisas vos escrevi acerca dos que vos enganam” (1 Jo 2.26). Depreende-se que o ensino deve ser mantido não porque as pessoas não sabem, e sim apesar de elas saberem. Com esta advertência, João informa-nos que o perigo do mau ensino ronda até mesmo as igrejas comprometidas com a Palavra de Deus. Entretanto, ele nos oferece duas formas de identificar os enganadores: pelo conteúdo do que ensinam e pela vida que levam. Cientes de que não é possível que mentiras (conteúdo pernicioso) procedam da Verdade, João ensina ainda que, se somos sabedores de que o Senhor é Justo, tenhamos certeza de que “aquele que pratica a justiça é nascido dele” (1 Jo 2.29). O que pensar do contrário? Da disparidade, incoerência e dicotomia entre discurso e ação?
Isso deve soar como alerta para os cristãos. Não se pode avaliar uma pessoa, que se diz usada por Deus, simplesmente pelas supostas manifestações espirituais que ela demonstra publicamente ou realizações miraculosas que, em nome de Deus, ostenta. O que verdadeiramente a qualifica como serva de Deus são a coerência e simetria entre o que ela crê e vivencia, à luz da verdade bíblica. Assim, a postura bereana (At 17.11) é, para os dias atuais, não apenas prudente como compulsória e inadiável.
O apóstolo João entrecorta o ensino do amor cristão com a crença na encarnação do Filho de Deus. Ele parece equiparar ambas as doutrinas tornando-as fundamentais como padrão de aferir o caráter do verdadeiro cristão e profeta. E João procede dessa maneira, até mesmo porque não é possível ser profeta sem antes ser crente! Ou seja, este é o pré-requisito daquele!
Com estes cuidados em mente, o apóstolo do amor coloca sobre os ombros de ambos ─ profetas e audiência ─, a responsabilidade de serem coesos quanto à fé que afirmam ter. Isto é tão real, que os testes se aplicam aos dois grupos: “Nisto conhecereis” (v.2) (a prova para os que dizem estar sendo usados pelo Espírito de Deus) e “nisto conhecemos” (v.6) (para os que ouvem). Este zelo e cuidado consigo mesmo, antes de ser um sinal de incredulidade, é prova de maturidade espiritual. Já o reconhecimento de que Jesus Cristo veio em carne não é simplesmente uma questão de identidade, mas uma confissão. Em outras palavras, significa honrar e ter compromisso em se identificar de maneira coerente com a postura e o perfil de Jesus Cristo, enquanto modelo de ser humano perfeito. Se, conforme encontramos em Efésios 4.11 a 16, este é o objetivo do ministério ─ inclusive os de ensino e profético ─, é perfeitamente lógico que qualquer pessoa que se diz tomada pelo Espírito de Deus, não unicamente reconhecerá que Jesus, mesmo sendo Deus, veio em “carne”, mas que, como filhos de Deus e participantes de sua natureza divina, devemos e podemos perseguir este modelo ideal para nossas vidas. Este, inclusive, é o propósito do seu e do meu ministério.
Assim, a postura de um líder verdadeiramente chamado por Deus, é responsável, prudente, ética, bíblica e deve ser como a do apóstolo Paulo: “Mas ainda que nós ou um anjo dos céus pregue um evangelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja amaldiçoado! Como já dissemos, agora repito: Se alguém lhes anuncia um evangelho diferente daquele que já receberam, que seja amaldiçoado! Acaso busco eu agora a aprovação dos homens? Se eu ainda estivesse procurando agradar a homens, não seria servo de Cristo” (Gl 1.8-10, NVI). Alguém que possui interesses próprios que, por definição, não correspondem com os do Reino, jamais dirá isto, pois é uma conduta autodestrutiva. Contrariamente, os falsos profetas sempre querem arrogar uma espiritualidade acima da média para tentar justificar sua conduta despótica, arrogância e megalomania.
A Obra de Jesus no Calvário é uma concessão divina para toda a humanidade, e seu perdão não pode ser transformado em franquia denominacional
Outro fator que não deve escapar desta análise é o conhecimento sobre Jesus nos redimir e perdoar. Inicialmente é bom entender que esta certeza não é um estímulo à desculpa de que é possível pecar, mas uma advertência com a finalidade de se fugir do ato transgressor. Ao mesmo tempo em que esse saber aponta para a necessidade inadiável de se evitar o pecado, também é um sinal de que não se pode ser demasiadamente severo consigo mesmo, pois isso cria barreiras à restauração, no caso de um eventual fracasso. Ser indulgentemente generoso consigo é, por outro lado, uma postura inadmissível, pois banaliza o perdão, tornando-o meramente um casuísmo para a prática desenfreada dos desejos alimentados pela concupiscência e a carnalidade.
O apóstolo do amor inicia o capítulo dois de maneira negativa: “Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis”. É preciso trabalhar bem esta questão a fim de prevenir a membresia quanto aos efeitos deletérios do pecado, pois, além do rompimento na relação com o Senhor, há sempre seqüelas e conseqüências que seguem-se o ato da transgressão, proporcionando problemas que, não raras vezes, arrastam-se por toda a existência terrena (vide, por exemplo, o caso do paralítico do tanque de Betesda, narrado pelo próprio João em seu Evangelho, capítulo 5, versículos 1 a 15).
Mas o apóstolo não pára na possibilidade ideal (que é “não pecar”) ele avança seu argumento, inspirado pelo Espírito Santo, e apresenta, ainda no versículo primeiro do capítulo dois, o caminho para aqueles que sucumbem diante da tentação, e diz: “e, se alguém pecar, temos um Advogado [ou “chamado ao lado de” ou “para estar ao lado de”] para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo”. Esse recurso expiatório, é para aqueles que, mesmo depois de serem alertados contra o perigo do pecado (lembre-se que este é o propósito da epístola), acabaram caindo no engano do maligno. É relevante o fato de João chamar Jesus Cristo de “o Justo”, pois demonstra que somente alguém com esta qualificação pode chegar diante de Deus para defender a causa de um culpado.
No versículo dois, o apóstolo do amor afirma que Jesus “é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. Propiciação aqui, fala de Jesus como sendo “a vítima de expiação” pelos nossos pecados. Isso significa que o Senhor, através de sua morte, é o meio pessoal através do qual Deus mostra misericórdia à humanidade que confessa o nome de Jesus Cristo e o reconhece como Salvador. Neste mesmo texto, João demonstra a aplicabilidade salvífica universal e abrangente do sacrifício do Filho de Deus. O apóstolo desmonta qualquer possibilidade de pensarmos em um sacrifício limitado (somente para “os pré-eleitos”). Ninguém está excluído do âmbito da misericórdia de Deus, porém a eficácia individual do sacrifício (“a propiciação”) é tornada concreta apenas aos que crêem.
Assim, nenhuma igreja, denominação, segmento religioso ou qualquer outro grupo eclesiástico ou paraeclesiástico pode arrogar-se detentor do perdão ou favor divino. Ele é uma concessão divina, uma dádiva do Eterno e, portanto, não pode ser transformado em oportunidade ou exclusivismo, como se igrejas fossem franquias denominacionais autorizadas a vender bênçãos. É um direito extensivo a toda a humanidade. Isto é Evangelho, as Boas Novas de Deus para a humanidade. Homens comprometidos com o Senhor pregam o Evangelho de Jesus Cristo, mas não empreendem eventos de “vale-tudo da fé” que possuem o claro propósito de expandir o seu reino pessoal e particular. Não usam a mídia de maneira irresponsável para apresentar Jesus Cristo com finalidades econômicas.
A mercadologia da fé é um subproduto do cristianismo
É uma lástima que em tudo o que os homens colocam a sua mão, transforme-se em algo horrível, manipulador, ruim. Por isso, não temo em afirmar que a mercadologia da fé, representada através da multiplicidade de igrejas, é um subproduto do cristianismo. Mas este fato não diminui em nada a importância do Evangelho, a fé em Deus, ou a alegria da salvação.
Recentemente disse a um grupo de alunos meus, que existem, para tudo, ao menos três formas de ver as coisas: a) a maneira como nós as vemos; b) a forma como alguém as apresenta para nós; e c) a maneira como elas realmente são. Simplificando, é possível entender que a fé não pode ser responsabilizada pelo que fazem em nome dela. As igrejas que são regidas pelas leis consumistas do mercado e exploram as pessoas, não podem servir de desculpas para a extinção de todas ou para a acusação indevida de que o cristianismo é uma fuga intelectual ou muleta psicológica. O fato de alguns transformarem suas igrejas em verdadeiras “loterias da fé”, onde pessoas são desafiadas e coagidas a apostar suas economias, não significa que foi para isso que Jesus morreu.
Não se engane. A mídia tupiniquim e muitos outros setores de nossa nação dar-se-ão por contentes quando nossos templos forem fechados e se transformarem em espaços de apresentações promíscuas. A exemplo do que está acontecendo no Canadá, mais precisamente em Berkeley, Toronto, onde um ex-templo metodista, será palco (no próximo dia 24 deste mês) da entrega do Prêmio do Pornô Feminista.