Autor: † JOSÉ, Cardeal-Patriarca
A missão da Família Cristã
1. Com o título prometido no programa esperam certamente de mim uma palavra de esperança e de perspectiva pastoral. A situação da família na Igreja e a missão da família no mundo são dimensões interdependentes.
A missão da família cristã no mundo, não é separável da missão da Igreja na sociedade. A família só será uma realidade irradiadora do Reino de Deus se ela for uma realidade eclesial viva, fortemente marcada pela ousadia do Espírito e atravessada pela exigência da santidade cristã. A tibieza das famílias cristãs enfraquecerá a Igreja como sacramento de salvação e sinal do Reino.
Por isso, antes de abordar a missão da família cristã no mundo contemporâneo, parece-me necessário considerar as relações mútuas entre a família e a Igreja.
I – A Igreja e a Família.
2. A família, com as características essenciais que ainda hoje a definem, não é uma “invenção” do judeo-cristianismo. Ela constitui um dado estrutural da antropologia da criação. Na harmonia do universo, que preside a todo o seu processo evolutivo, o fenómeno humano surge como clímax de todo o processo e revela-se como a fonte de sentido de toda a evolução do universo. O homem desvela o segredo do sentido do cosmos; o homem, desde o seu aparecimento no processo da criação, revela-se com uma centralidade que dá sentido a todas as coisas.
Este “fenómeno humano” manifesta-se na bipolaridade sexuada do homem e da mulher e também neste aspecto o ser humano dá sentido a toda a vitalidade do universo. Homem e Mulher Ele os criou (Gen. 1, 27). Segundo a Bíblia, o homem criado à imagem de Deus é homem e mulher: dois indivíduos, um único ser humano, chamados à unidade que exprime e anuncia a vocação de unidade e harmonia do próprio cosmos.
Esta unidade procurada insere-se na busca progressiva da perfeição da criação, não é uma “fusão” com a perda da identidade dos sujeitos desta busca de unidade, mas uma comunhão, onde cada um mantendo a sua individualidade, a reconhece continuamente na relação com o outro. No par humano, o ser humano afirma-se como relacional, isto é, alguém que se descobre e constrói na relação com o outro. Sem anular o indivíduo este torna-se pessoa, porque encontra a sua verdade na relação.
Esta unidade relacional do homem e da mulher, que na sua complementaridade física e espiritual garantem a reprodução da espécie, mostra-se decisiva para a harmonia da criação, é o núcleo fundamental da vocação comunitária da humanidade e, por isso mesmo, sua célula fundante e fundamental. Fonte de sentido para toda a criação, esta unidade primordial alia a força da natureza com o sentido que lhe vem do espírito, afirmando, desde o início, a dimensão cultural e espiritual como componente essencial de toda a comunidade humana. Com a força da natureza, pode haver complementaridade física e reprodução da espécie; mas só haverá comunidade de pessoas com dimensão cultural e espiritual, que vai encontrar uma expressão decisiva na dimensão religiosa, ou seja, da comunhão com Deus, que se reconhece como Criador.
3. O judeo-cristianismo é o quadro religioso e cultural em que nos situamos. Ele não fundou a família como comunidade primordial, mas enriqueceu-lhe o sentido, desvelou-lhe o mistério, definiu-lhe o horizonte de perenidade e de eternidade. O “fenómeno humano” é o ponto de partida da revelação religiosa, mas esta supera-o porque lhe desvela o sentido definitivo. Toca-se a dimensão humana de Deus e a dimensão divina do homem. E é na comunidade primordial do homem e da mulher que se intui este encontro fundamental do humano e do divino. “Deus criou o homem à Sua imagem, homem e mulher Ele os criou” (Gen. 1, 27).
O diálogo entre Deus e o homem radica na criação do ser humano como dinamismo de relação e desafio de comunhão. No progresso desse diálogo revelador, Deus acabará por se manifestar como sendo Ele Próprio uma comunhão de Pessoas, onde a unidade do amor não compromete a individualidade dos sujeitos. E percebe-se, então, como um Deus comunhão de Pessoas só podia criar à Sua imagem, ou seja, só podia criar um ser humano que se afirmasse mais pela comunhão inter-pessoal do que pela individualidade dos sujeitos. Sobre a comunidade primordial do homem e da mulher brilha agora a luz da comunhão trinitária e a participação divina do ser humano expressa nessa comunhão. Criou-os à Sua imagem.
Esta imagem divina é, no ser humano, uma marca relacional e uma exigência de comunhão, que traz o gérmen de uma outra expressão maior desta vocação de comunhão: a possibilidade de entrar em comunhão com Deus. Percebe-se então que Deus criou porque queria alargar a Sua experiência de comunhão de amor e esse é o grande desafio que faz continuamente ao homem, na proposta de aliança. E o homem pode acolher e perceber essa proposta de aliança, porque na comunhão primordial homem e mulher ele traz a marca de uma vocação de aliança e de comunhão. Não é apenas uma expressão poética quando, através dos autores sagrados, Deus explica o Seu desejo de aliança com a humanidade, comparando-a à aliança primordial do homem e da mulher. E mesmo nessa etapa da revelação, que parece decisiva e inovadora, está-se apenas a explicitar o sentido profundo da aliança primordial do homem e da mulher.
4. Quando a vocação humana de comunhão, expressa desde a origem na comunhão do homem e da mulher, assume claramente a sua dimensão de transcendência na proposta divina de aliança com o Povo escolhido, a vida relacional dos homens e das mulheres vais ser interpelada por um duplo dinamismo: o de serem seres em relação e de fazerem comunhão entre si – é o dinamismo da comunidade – e de encontrarem na relação de aliança que Deus lhes propõe a força que lhes permite aprofundar continuamente a experiência comunitária; e tomarem a sério a aliança, fazendo comunhão com Deus, saboreando desde já as primícias da definitiva comunhão, no Reino definitivo.
Estes dois dinamismos entrecruzam-se na realidade concreta da vida do povo crente. A experiência de comunhão entre humanos pode ter a densidade da comunhão de aliança com Deus. Todas as verdadeiras experiências de comunidade integram a densidade da aliança, encontram nela a força que as faz crescer e a garantia da sua plenitude.
Mais uma vez a família, comunidade primordial, aparece como experiência nuclear deste processo. A comunhão do homem e da mulher pode caminhar para a sua perfeição, porque Deus faz parte dessa comunhão. Comunidade natural, a união do homem e da mulher encontra na Palavra de Deus a luz que a guia pelos caminhos do amor. Comunhão de pessoas com a força de Deus, torna-se caminho e sinal da comunhão com Deus e gérmen da comunhão alargada no Povo de Deus.
Radica aqui a possibilidade de a comunhão conjugal ser sacramento da graça e da edificação da Igreja. Está encontrada a convergência inevitável entre a família comunhão e a Igreja comunhão. O amor de Cristo pela Igreja torna-se o modelo inspirador do amor dos esposos. Os maridos devem amar as suas esposas como Cristo ama a Igreja (cf. Efs. 5). Situar a comunhão familiar no âmago da comunhão eclesial revela o verdadeiro sentido da comunhão conjugal. A revelação do amor do Deus comunhão, desvela o sentido da criação. A graça plenifica a natureza.
5. Este horizonte da graça que plenifica a natureza constitui o pano de fundo doutrinal que orienta toda a acção da Igreja em relação à família cristã. E metodologicamente permito-me, antes de tratar de questões pastorais propriamente ditas, enumerar em síntese os pontos principais da doutrina cristã sobre o casamento e a família.
* O cristianismo não introduz na consideração da família alterações ontológicas na antropologia da família; antes adopta a antropologia da criação explicitando-lhe a dimensão transcendente, oferecendo-lhe uma força de autenticidade e plenificação e enquadrando-a no contexto religioso da aliança.
* A família é uma comunidade de pessoas, radicada na comunhão do homem e da mulher; a diferenciação e a complementaridade dos sexos é um elemento antropológico fundamental na compreensão cristã da família, porque o “humano” é homem e mulher e porque a procriação é elemento constitutivo do ideal familiar. Nenhuma espécie de abertura ou de adaptação aos tempos poderá levar jamais a Igreja a considerar como família as uniões entre pessoas do mesmo sexo.
* A família é uma comunhão de amor. A unidade procurada não é “fusão” mas comunhão de pessoas, exprime-se também pelo corpo, mas é união espiritual. Só o amor dá sentido à sexualidade humana.
* Esta comunhão é expressão da caridade e é possível com a força do Espírito Santo. A graça da comunhão recebida pelos esposos cristãos é um dom baptismal e é a mesma graça oferecida a todos os baptizados para que sejam comunhão, em Igreja.
* A união conjugal, sendo por natureza da ordem da comunhão de amor, tornou-se, em Cristo, sinal sacramental da graça eclesial.
* Como toda a experiência cristã, a união conjugal anseia por uma plenitude final. A dimensão escatológica do matrimónio confunde-se com a dimensão escatológica da Igreja.
A Família como alvo privilegiado da acção pastoral da Igreja.
6. A acção pastoral da Igreja em relação à família parte deste mistério perene da família. Trata-se de lhe revelar o seu mistério e de a ajudar a encontrar a sua plenitude. Não se pode pedir à Igreja que na sua acção pastoral renuncie a esta dimensão perene, que lhe foi apenas dada e revelada.
A Igreja terá, certamente, em conta as circunstâncias mutáveis da família, mas não pode mudar a sua compreensão do mistério da família, ao ritmo das mutações culturais e sociológicas. É sua missão, isso sim, ajudar as famílias cristãs a situar-se nessas mutações, com discernimento e coragem para viverem o mistério de sempre nas condições concretas do mundo de cada tempo.
Indicarei agora algumas características fundamentais da acção pastoral da Igreja em relação à família, aquilo que vulgarmente se designa pela expressão “pastoral familiar”.
7. É uma pastoral baptismal. O baptismo é o fundamento do matrimónio cristão. Chamados, pela fé e pelo baptismo, à comunhão de caridade, em Igreja, por Jesus Cristo, não teria sentido que os esposos cristãos vivam a sua experiência primordial de comunhão, fora da exigência desta comunhão, em Igreja, caminho da santidade cristã. Trata-se, pois, de uma pastoral da fé, da esperança e da caridade, descobrindo progressivamente a novidade cristã na maneira de viver. É familiar porque toda a acção pastoral da Igreja integra e tem em conta as circunstâncias concretas da vida de cada cristão e de cada comunidade. Toda a acção pastoral se situa na perspectiva do mistério da encarnação.
É por isso que a Igreja, ao longo do seu caminhar no tempo, chegou à formulação jurídica do princípio que, entre cristãos, o único matrimónio válido, é o sacramento do matrimónio. Em circunstâncias, como as actuais, em que um grande número de baptizados, não fizeram uma iniciação cristã e não têm uma fé vivida, esta equação entre baptismo e sacramento traz problemas pastorais acrescidos. Um maior rigor na admissão dos nubentes ao matrimónio sacramento não é solução evidente. Exceptuando circunstâncias graves, não é justo negar o matrimónio religioso a dois nubentes baptizados que o pedem sinceramente. Temos de os ajudar a descobrir a verdadeira dimensão daquilo que pedem. Por mais difícil que isso seja na prática, o momento do pedido do casamento religioso pode ser aproveitado como momento de anúncio querigmático da pessoa de Jesus Cristo.
8. Esta circunstância põe em realce uma outra característica desta pastoral específica: como toda a pastoral baptismal deve ter um ritmo catecumenal. Trata-se de uma caminhada em que se aprofunde e experimente a riqueza do baptismo, a comunhão com Jesus Cristo, em Igreja, descobrindo a beleza da comunhão fraterna, iniciando-se na oração, e aceitando a novidade da moral cristã, porque se descobre que a comunhão com Cristo transforma todas as expressões da nossa vida.
A preparação para o matrimónio deveria ter o ritmo de uma caminhada catecumenal. Só intuindo e saboreando a novidade cristã os noivos se preparam para o casamento, pois só essa descoberta prepara para a vida da Igreja, como caminho de santidade. Mas mesmo depois do matrimónio celebrado, os casais deveriam, durante um tempo, aceitar continuar essa caminhada catecumenal, sobre a orientação do seu Bispo.
9. É uma pastoral comunitária. Trata-se de fazer descobrir a dimensão de comunhão de toda a vida cristã, em Igreja e a sua concretização nas diversas formas de vivência comunitária, entre as quais a família é a primeira, embora não a única. Toda a comunidade eclesial de aprofundamento da fé, que passa por Movimentos, grupos de Catequese de Adultos etc, deve ter ritmo e pedagogia comunitários, convergindo todos para a Eucaristia, principal expressão da comunhão eclesial. Na Igreja as pessoas individuais descobrem o sentido da vida na participação comunitária. A família não pode ser só o contexto em que os indivíduos crescem e encontram a própria felicidade. A sua grande riqueza, que é também a sua maior exigência, está na experiência comunitária. E em comunidade os indivíduos se não contribuem para a felicidade dos outros, também não constroem a própria felicidade.
10. É uma pastoral em ritmo pascal. Só participa na ressurreição de Cristo quem O segue, abraçando corajosamente a própria cruz. O mito da facilidade, da felicidade ao alcance da mão, enfraqueceu a família como espaço de fidelidade e de luta. A capacidade de amar, sofrendo, e a generosidade do perdão são atitudes cristãs essenciais à solidificação da família cristã como comunidade de amor. A família só resiste na coragem da luta, na generosidade do perdão, na resistência à tentação.
No ritmo de uma família interpenetram-se os desejos de radicalidade e a sabedoria da gradualidade. Mistério grandioso de graça, alicerçado na Páscoa de Cristo e fortalecido pelo dom do Espírito, deve ter como horizonte a radicalidade da santidade. Aventura de homens frágeis e pecadores, devem ter a humildade de não desanimar nos seus fracassos, pois o que parece humanamente impossível, torna-se possível com a força de Deus. Só o confundir o pecado com a virtude e as situações de fragilidade com a normalidade leva os esposos a fechar-se à esperança de um futuro novo. E como em toda a vida cristã, só a esperança permite que não se cave um fosso entre a fé e a caridade.
II – A Família na Igreja.
11. Para que toda a Igreja cresça como experiência de comunhão, é prioritário ajudar as famílias a serem experiências de comunhão de vida e de amor. Não só os casais se devem ajudar uns aos outros nesta construção da comunidade familiar, mas todos os outros agentes de pastoral, sobretudo os sacerdotes, os religiosos e religiosas e outras pessoas consagradas, devem dar prioridade a este objectivo pastoral, eu diria mesmo, devem deixar-se devorar por esta paixão de ajudarem as famílias a ser o que Deus quer que elas sejam. Aí se manifestará a complementaridade dos carismas na Igreja, porque a vocação cristã fundamental é comum a todos: ser comunhão, em Jesus Cristo, na caridade.
Aliás este reforçar da família como comunidade de fé e de amor é, em última análise, o objectivo das principais áreas da acção pastoral da Igreja. Quando se dá catequese às crianças e aos jovens, quando se cuida, com particular solicitude, das pessoas idosas, quando investimos na Escola Católica, estamos a colaborar com a família e a contribuir para a sua solidez como comunidade de vida. A família precisa de ser ajudada pela Igreja a ser comunidade, pois quanto mais ela o for, mais a Igreja toda o será, e a Eucaristia, grande expressão da Igreja comunhão, será cada vez mais a oferta da vida real dos seus filhos.
12. Será a família, enquanto tal, um agente de acção pastoral? É preciso ter em conta que a família pode ser, em si mesma, um espaço de irradiação apostólica. A família comunidade, que é continuamente repassada pelas exigências do Reino de Deus, é semente desse Reino.
Os membros dessa família que se empenham na acção apostólica, dentro da Igreja ou no meio do mundo como construtores de uma sociedade mais justa e fraterna, testemunham a força de vida que recebem da família. É difícil a uma pessoa casada viver profundamente o ritmo de comunhão, em Igreja, se não o vive na própria família. A Igreja não pode ser só um refúgio, embora por vezes o seja, como família onde se sentem reconhecidos e amados aqueles que não encontraram o amor.
Quando cada membro de uma família se insere profundamente na Igreja como comunhão, transportará para o seio da família essa experiência como semente da comunhão. Não é só a Igreja que recebe dinamismo de comunhão a partir da família; esta também é continuamente enriquecida pela experiência eclesial dos seus membros. A presença da família na Igreja, ajuda esta a ser uma grande família, onde todos são irmãos porque têm a Deus como Pai; mas a experiência de comunhão eclesial interpela continuamente as famílias a serem comunhão de vida e de amor.
III – A Família Cristã no mundo contemporâneo.
13. Quando falo de mundo contemporâneo falo, de modo particular, das sociedades Ocidentais, que melhor conhecemos e sentimos e onde estamos inseridos, embora aquilo que é perene da família cristã como sinal de um mundo novo seja válido para todos os quadrantes culturais.
Todos estamos conscientes de que o actual ambiente cultural não facilita a vida à família cristã. Esta para permanecer fiel e ser sinal, trava continuamente uma luta, como quem nada contra a corrente. Se resistir, fortalece-se; mas a fidelidade tornou-se mais exigente.
Sem a preocupação de ser exaustivo, indicarei alguns traços dessa cultura ambiente e as repercussões que têm sobre a família.
* A prioridade do indivíduo sobre a pessoa e a comunidade. A própria sociedade é concebida como um conjunto de indivíduos, com direitos e deveres regulados pela Lei e raramente se fala da dimensão comunitária da sociedade, que no entanto é o verdadeiro princípio da sua humanização.
Uma família concebida apenas como conjunto de indivíduos, com direitos e deveres, que não aprendam a encontrar o sentido da sua liberdade no dom de si mesmo aos outros, está ferida de morte como comunidade de vida e de amor. A infidelidade pode aparecer como um direito, a vida não partilhada uma afirmação da privacidade individual, e o divórcio a maneira de resolver conflitos.
* Uma visão funcional da sexualidade. Está na moda desligar a sexualidade do amor; se este existir, pode ajudar. A intimidade sexual aparece na lógica do próprio interesse, não gera compromissos, não é expressão de uma vida partilhada. Se a sexualidade não tiver a beleza e a exigência do amor, a união do casal não é construtora de comunhão e a sua estabilidade está ameaçada. É que na lógica da comunhão, nada exige tanto a gratuidade e generosidade do dom e da busca do bem do outro, como a intimidade sexual. A convivência acordada ou negociada será sempre um simulacro do amor.
* Prioridade do que é efémero e positivo sobre o perene com a marca da eternidade. Se vivemos numa civilização do provisório, do usa e deita fora, porque não havemos de mudar as opções fundamentais da nossa vida? Aliás haverá ainda lugar para opções definitivas?
* A ciência genética fez grandes progressos nos últimos tempos, permitindo ao homem penetrar no mundo insondável da vida. Esses progressos podem ser benéficos para os casais, desde que os critérios científicos não ditem comportamentos e não se transformem em princípios éticos.
* As leis que se aplicam à família são pragmáticas, tendem a regularizar situações de facto, raramente assentam em princípios doutrinais sobre a família. Legaliza-se o aborto, facilita-se o processo de divórcio, equiparam-se à família as chamadas “uniões de facto”, ferindo a família na sua dignidade institucional. O universo ético que protege a família na sua dignidade é cada vez menos secundado pelas leis, obrigando os cônjuges à coragem de posições pessoais, generosas e decididas.
Neste contexto a família cristã, na sua fidelidade, assume a qualidade de denúncia profética, sinal de um mundo novo, traçando na sociedade um rasto de luz, semente da esperança.
14. E no entanto estamos convencidos que só a família, concebida como comunhão de amor e de vida, humaniza a sociedade. Dela irradia o carácter sagrado da vida, a dignidade do homem e da mulher, iguais e diferentes. A fidelidade generosa, no seio da comunidade familiar, é fonte de generosidade e de honestidade, no seio da sociedade.
Cada pessoa deve muito à força da família a maneira como se comporta em sociedade. A família é o ponto de partida para a cidade e o lar onde se regressa, em busca da força da comunidade. Famílias felizes são semente de uma sociedade diferente.
Será que a família cristã sofre, hoje, ataques específicos, ou os dados que referimos são apenas frutos inevitáveis da evolução da sociedade? Por vezes temos a sensação de que o ideal cristão de família é alvo de ataques concretos. Será que querem atingir a Igreja, destruindo a família? Mas cautela! Quem destruir a família, destrói a sociedade.
Lisboa, 12 de Outubro de 2002