A Espiritualidade e a Missão Integral

Autor: Antonio Carlos Barro




Quando penso nestes dois temas aqui interligados vejo um grande desafio, ou seja, a definição dos mesmos. O que é espiritualidade? O que é missão integral? São temas que têm acompanhado as reflexões evangélicas nos últimos anos e têm feito parte dos muitos congressos realizados no Brasil e na América Latina. Seria, portanto, interessante pensar em um primeiro momento numa definição dos mesmos. Quando estou propondo esta definição, tenho em mente que em muitos outros ensaios deste livro, outros autores apresentaram as suas definições. Todavia, creio que apenas enriquece apresentar outras facetas deste tema.
 
O que é espiritualidade?
Respondendo a esta pergunta, Verônica Moraes Ferreira, diz que “No meio evangélico, concebemos espiritualidade como algo exterior e não como uma mudança no mundo interior da pessoa humana”.  Esta afirmação me parece correta, pois a espiritualidade tem sido tradicionalmente ligada com as mudanças externas ou mais apropriadamente com a aparência ou com a estética. Uma pessoa é avaliada e julgada espiritual ou não pelas manifestações exteriores que apresenta. Se alguém em uma reunião de oração responde com amém ou glória a Deus esta pessoa tem mais chance de ser chamada de espiritual do que uma que fica calada. Uma igreja que tem louvor contemporâneo, com musicas de adoração profética, onde a bateria é permitida, é possivelmente uma igreja espiritual em relação a uma igreja onde bateria não é permitida ou o culto é mais “tradicional”. Essa visão “popular” da espiritualidade não ajuda e só tem aumentado a distância entre as muitas denominações ou grupos evangélicos. Neste sentido a espiritualidade carece que referências concretas ou mais refinadas para ser definida.
Existe ainda um outro aspecto que agrava o entendimento deste tema. No movimento evangélico espiritualidade foi quase sempre associada com termos tais como meditação, devocional, hora silenciosa, estar a sós com Deus e outros. Esses termos dão a entender que a espiritualidade é meramente uma disciplina interior e que tem a ver com a comunhão pessoal com Deus. Esses também são parâmetros para determinar qual o grau de cristianismo uma pessoa já alcançou. Normalmente, quem faz devocional todos os dias é visto com “crente” de primeira linha, enquanto que outros que não são regulares na leitura da Bíblia são percebidos como “crentes” de segunda categoria. Certamente, você já se identificou com um ou outro desses aspectos.
Todavia, de uma ou outra maneira a espiritualidade vem ganhando força não somente no meio evangélico, mas também e principalmente no meio das outras religiões e ainda no mundo dos negócios. Ela já faz parte de palestras que têm como objetivo promover motivação entre funcionários de empresas e grandes companhias. Esse interesse não tem como alvo o retorno a qualquer aspecto religioso, mas simplesmente produzir um desejo interior de satisfação e que essa satisfação seja verificada no aumento de produção ou melhoria dos serviços prestados pelos funcionários. Veja como se expressam Boog, Marin e Wagner sobre esse assunto:
O tema da espiritualidade no trabalho vem crescendo de forma intensa nos últimos anos no mundo empresarial. Algo que antigamente era visto como assunto desligado do universo organizacional, como algo religioso ou até místico, hoje se insere como uma dimensão estratégica, na medida em que dá significado à missão da empresa e ao trabalho das pessoas. Quando elas têm esta consciência, a conseqüência é que fluem com muito maior facilidade os fatores mais buscados pelos executivos das organizações: a motivação, o desempenho, o espírito de equipe, a comunicação eficaz, a qualidade, o foco no cliente, o "estar de bem com a vida". 
Nota-se assim, que a espiritualidade foi descoberta pelo mundo materialista, o que num certo sentido é um contra senso, mas é ao mesmo tempo uma retomada interessante, pois procura-se aliar o espiritual com o material, áreas que a igreja por muitas décadas têm preservado como separadas.
Em outro artigo sob o mesmo tema, espiritualidade e trabalho, Luciana Seabra indica que “A espiritualidade pode ser uma forma de aumentar a motivação dos funcionários de uma empresa” e cita a palestra realizada no Auditório da Universidade de Brasília pela psicóloga clínica e organizacional Lúcia Guimarães Monteiro, especialista em psicologia do trabalho pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), quando esta afirma que: “Espiritualidade é o caminho que nos ajuda a desenvolver a consciência de estar neste mundo de forma responsável”.    A conclusão da autora da palestra é que a espiritualidade não está ligada à religião, nem está desvinculada da realidade. Parece-nos que a citação que norteia esta busca pela espiritualidade no trabalho é a frase do teólogo e filósofo Teilhard de Chardin: “Não somos seres humanos tendo experiências espirituais. Antes somos seres espirituais tendo experiências humanas”.
Um autor que eu aprecio muito quando escreve sobre esse tema é o espiritualista católico Segundo Galilea. Para ele a espiritualidade possui três aspectos que são fortemente interligados. Ela 1) relaciona-se com a fé, ou melhor, com a experiência da fé; 2) relaciona-se também com Jesus Cristo, e 3) relaciona-se com a fidelidade ao evangelho de Jesus Cristo em uma situação histórica dada.  Um pouco mais adiante quero voltar a esses três aspectos e conecta-los com a missão integral da igreja. *

O que é missão integral?
O outro tema do nosso tópico é duplo: missão integral. Definir missão integral no movimento evangélico brasileiro também não é tarefa fácil. Veja você que a palavra usada aqui é missão e não missões. Normalmente, existe uma grande confusão entre os dois termos e por vezes missões é usado para missão e missão para missões. São coisas diferentes, com significados bem específicos.
No final dos anos sessenta uma importante revista de missões (International Review of Missions) tirou o “s” do seu nome e com isso deu-se uma completa transformação no entendimento do que significa missões. Missão está relacionada com o propósito geral de Deus na criação do mundo e na formação de um povo para si mesmo. Este povo tem como alvo glorificar a Deus e fazer com que o seu nome ou a sua glória seja vista em toda a Terra. A missão, portanto, é a missio Dei, ou seja: a missão é de Deus. O princípio e o fim da missão é o próprio Deus. Por missões entende-se a atividade que a igreja ou o povo de Deus realiza dentro do escopo da missio Dei. Para ilustrar pensemos em coisas concretas. Imprimir Bíblia, treinar missionários, enviar sustento para o campo missionário, enviar novos evangelistas, faz parte de missões. Missão é conceitual, enquanto que missões é ação. Quem não tem um bom conceito ou entendimento do que é missão, fará missões desordenadamente.
Infelizmente a igreja brasileira ainda não consegue distinguir entre os dois termos. Eu creio que o termo missão precisa ser mais trabalhado teológica e biblicamente para que as ações missionárias tenham êxito e continuem fazendo parte do consciente coletivo das comunidades evangélicas. Creio que a falta desse entendimento é o que tem atrapalhado e até mesmo diminuído o fervor missionário das igrejas locais. Impressiona, negativamente, ver que qualquer conferência para refletir sobre a missão recebe bem poucas adesões porque pensa-se que irá tratar de missões. O mesmo acontece com livros evangélicos. Qualquer título que contenha a palavra missão está fadado ao fracasso. Esta incoerência não pode continuar existindo, pois a missão é a gênese de todas as coisas, inclusive a mãe da teologia, conforme no recorda Martin Kähler.
Retornando ao nosso tema – missão integral – é bom mencionar que os missiólogos do Brasil e da América Latina preferiram o termo integral ao termo holístico que continua sendo mais usado nos países de língua inglesa, todavia, a palavra integral pode ser substituída por holística. Seria interessante fazer um apanhado histórico de como este termo missão integral veio a existir para que posteriormente possamos entender o que significa em termos concretos uma espiritualidade da e na missão integral.

Como a missão integral foi estabelecida
É difícil explicitar com segurança como o termo missão integral veio a existir. Certamente ele não nasceu no América Latina ou no Brasil, mas sim como produto de um outro termo que já foi mencionado acima – missio Dei que foi usado pela primeira vez por Karl Hartenstein em 1934 e que depois veio a ser usado na Conferência Missionário de Willingen em 1952. O termo foi popularizado por Georg Vicedom no seu livro Missão como obra de Deus* publicado originalmente em 1965 e ele significa que a missão primariamente obra de Deus. Neste termo está embutida a idéia de que a tarefa da igreja não deveria resumir-se tão somente ao seu papel evangelístico no mundo, e sim participar da transformação do mesmo.
A missio Dei surgiu no mesmo contexto da Teologia Política delineada pelos teólogos germânicos Karl Rahner e Johamm B. Metz que vai influenciar na América Latina o surgimento da Teologia da Libertação. Segundo Metz a Teologia Política pode ser vista em dois aspectos. Primeiro, ela corrige a tendência de confinar a teologia à arena privada reduzindo o coração da mensagem cristã e o exercício prático da fé a uma decisão meramente individual afastada do mundo – uma reação à separação entre a religião e a sociedade. A segunda contribuição é o esforço da Teologia Política em formular a mensagem escatológica do cristianismo no contexto da sociedade de hoje, levando em consideração as mudanças nas estruturas na vida pública. Em outras palavras, é um esforço em vencer a passividade hermenêutica do cristianismo no mundo de hoje.
Em face destes desdobramentos e caminhos que a teologia – influenciando a missão, estava tomando na Europa, a reação por parte dos evangélicos foi imediata. O lado conservador reagiu ao que cria ser este novo rumo um plano orquestrado para tirar o evangelismo do papel primário dentre todas as tarefas da igreja. O lado mais aberto da igreja evangélica conhecido como evangelical procurou responder de maneira mais positiva às mudanças teológicas que ocorriam agora não somente na Europa, mas também nos Estados Unidos da América.
Creio ser seguro afirmar que a missão da igreja entrou num período de crise de identidade. Já não se sabia mais o que era missão e se missão incluía também a questão social. No Congresso de Wheaton (USA, 1966) os evangelicais demonstraram preocupações com a questão da justiça social e a transformação da sociedade. Todavia, a ênfase no evangelismo como tarefa prioritária da igreja foi mantida. De acordo com Longuine Neto, este congresso ficou conhecido pelos ataques que fez ao movimento ecumênico e por sua preocupação com o liberalismo teológico. Era muito difícil exigir que os evangelicais pudessem aceitar a ação social ou a prática da justiça no mesmo patamar com a evangelização. Outros congressos se seguiram para tratar dos temas da ação social e evangelismo tal como o Congresso Mundial de Berlim em 1966. Em todos eles evangelismo recebeu a prioridade sobre todas as outras ações da igreja.
O congresso que procurou olhar o tema da missão integral com mais cuidado e este congresso nos interessa mais, pois influenciou toda uma geração de pastores e líderes no Brasil, é o Congresso de Lausanne realizado na Suíça em 1974. Sob a forte liderança do conhecido teólogo John Stott tentou-se dar destaque à justiça social como parte integrante da missão ao lado do evangelismo. Mesmo assim, quando você lê o famoso Pacto de Lausanne, irá perceber que o evangelismo ainda ocupou lugar de destaque em relação à obra social da igreja. A partir de Lausanne as posições são mais definidas e pelo menos três delas se solidificam. A primeira é a do grupo que vê evangelismo como tarefa prioritária da igreja. A segunda concentra em integrar uma abordagem holística à missão integrando evangelismo e justiça social, mas mantendo o primeiro como prioridade, e a terceira não vê prioridade na missão nem quanto ao evangelismo e nem quanto à justiça social.
Na América Latina nós temos representantes dos três grupos mencionados acima. O grupo mais representativo ainda é aquele que advoga que a evangelização tem a prioridade na missão da igreja. A ação social está presente nas atividades da igreja, mas muitas vezes como porta de entrada para a evangelização, ou seja, está a serviço do crescimento da igreja. Encontramos igrejas locais e líderes evangélicos que assumem os aspectos dos outros dois conceitos mencionados.
Em se tratando do Brasil a coisa ainda não está bem definida. Muitas vezes a missão integral é usada mais como uma bandeira de marketing do que realmente uma filosofia de ministério que provê diretrizes para a caminhada da igreja. Apenas como ilustração, quando lemos o material produzido pelo famoso Congresso Brasileiro de Evangelização (1983), vamos ver que a missão integral ainda permaneceu subordinada ao evangelismo. Lemos isso no próprio objetivo do congresso: “reafirmar a evangelização como tarefa prioritária da Igreja, desafiando o povo de Deus a realizá-la de forma autêntica e urgente, em âmbito nacional e mundial”. A partir deste objetivo as palestras foram proferidas nesta direção, e ocasionalmente alguém lembrava da missão integral. Creio que a partir do congresso cunhou-se o termo evangelização integral o que não fazia e não faz nenhum sentido tendo em vista que a evangelização não precisa ser integral e sim a missão.

Aspectos da espiritualidade da missão integral
Até o momento, a minha intenção foi a de mostrar que a espiritualidade deve ser nortear o caminho da missão integral. O meu objetivo agora é delinear quais são os aspectos da espiritualidade e em que eles influenciam a caminhada missionária da igreja.
Eu creio que o texto nortear da missão da igreja está registrado em João 20.21: “Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco; assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós”.
Precisamos prestar mais atenção nesse advérbio “assim”. No grego kathos isso significa da mesma maneira, na mesma proporção ou no mesmo grau. Vemos aqui o elemento da missio Dei fortemente exposto. A missão de Cristo começou no céu (Fp 2.5-11) e desembocou na Terra (João 1). Em outras palavras, ela não foi uma missão desautorizada e nem foi uma missão descontextualizada. Quando lemos o texto clássico da Grande Comissão (Mt 28.18-20), encontramos esses dois elementos presentes. Jesus afirma que ele tem toda a autoridade (exousia). Esse termo já foi bastante estudado e ele tem um significado amplo. A pessoa com exousia tem poder de escolha, pode fazer o que lhe agrada. Este poder é tanto físico com mental. Ter poder para decidir ou governar. Isto significa que todos os comandados precisam-se submeter e obedecer a esta pessoa. Além do mais, este poder é universal, isto é, sobre toda a humanidade, simbolizando a realeza de quem o detém. Portanto, Cristo ao morrer e ressuscitar conquistou o direito de ter todo o poder para ordenar e dirigir a sua igreja. Assim como o Pai lhe deu autoridade para vir ao mundo, ele concede autoridade a igreja para estar no mundo em missão.
O segundo aspecto da missão de Cristo é o local da missão. Ele disse que o Pai o enviou. Em João 3 aprendemos que Deus o enviou ao mundo, ou seja, um lugar concreto. Na Grande Comissão Cristo envia a sua igreja ao mundo para fazer novos seguidores do seu reino. O mundo é a arena onde a missão de desenvolve, toma forma. O mundo com todas as suas coisas boas e ruins é o palco onde a batalha pela vida do ser humano é travada.
Assim, quando próximo do seu retorno ao Pai, Cristo comissiona a sua igreja a representá-lo no mundo. Pensando na missão da igreja e na missão de Cristo chegamos a duas conclusões: é a mesma missão e sendo a mesma missão ela não pode ser diferente da missão de Cristo. Ele é o modelo da nossa missão, o referencial absoluto de prática.
Aspectos da espiritualidade de Cristo
O ponto de partida da missão de Cristo é a sua completa obediência aos propósitos de Deus. Por várias vezes ele declara que veio ao mundo para fazer a vontade do Pai (Mt 6.10; Lc 22.42; Jo 4.34, 5.30, 6-38-40). Esse é o elemento basilar em qualquer cadeia de autoridade. O que envia tem o poder de determinar e o enviado tem o dever de obedecer. A verdadeira espiritualidade começa com a obediência, e isso Cristo demonstrou em todos os aspectos da sua missão. A missão da igreja cristã não pode ter outro ponto de partida que não seja o desejo de obedecer a Cristo fazendo a vontade de Deus.
Um outro elemento da espiritualidade de Cristo é que ela é uma espiritualidade pneumatológica. O profeta havia anunciado (Is 61.1-3) que o Messias seria ungido pelo Espírito Santo. Esse foi o entendimento de Cristo ao dar inicio ao seu ministério quando na sinagoga lê o texto de Isaías e afirma que naquele dia aquela escritura havia se cumprido. O texto que ele leu expressamente afirma: “… O Espírito do Senhor é sobre mim” (Lc 4.18). Durante todo o seu ministério Jesus esteve sob a orientação do Espírito Santo e o final do mesmo ele indica que o Espírito Santo permanecerá ao lado da igreja orientando-a e dando-lhe forças no desenvolvimento de sua atividade missionária.
Outro aspecto da espiritualidade de Cristo é que a mesma é uma espiritualidade solidária. Tendo encarnado no mundo, Cristo olha para o mundo com amor e é solidário à dor dos seus habitantes. Seu ministério era sensível às necessidades das pessoas, principalmente daquelas que mais sofriam, como as viúvas, os pobres, os marginalizados por causa de alguma enfermidade ou até mesmo dos sofriam nas mãos dos religiosos da época. Por onde passava, as pessoas afluíam em busca de algum tipo de consolo e o interessante é que Cristo jamais se cansou das pessoas. Elas não o incomodavam jamais, pois as via com pessoas sem direção, sem um pastor ()*. A sua solidariedade era constante e impressionava pela bondade que demonstrava a cada uma delas.
Um quarto aspecto dessa espiritualidade é que ela não é estática. Cristo a desenvolve no caminho. Ele percorria as aldeias, as cidades, entrava na casa das pessoas, ia para o campo, subia as montanhas, falava com as autoridades assim como relacionava-se com pescadores. Em cada encontro Cristo revelava o seu amor pelas pessoas e o proclamava a mensagem de libertação a elas. Diferentemente dos líderes religiosos do seu tempo que percorriam as casas das viúvas para esfoliá-las, ele falava com autoridade, pois fazia o que falava.
Finalmente, não podemos deixar de mencionar que a espiritualidade de Cristo foi totalmente sacrificial. Desde o início do seu ministério, João Batista já o anuncia como o Cordeiro de Deus. Essa linguagem foi emprestada do Antigo Testamento e quando Cristo ouviu aquele anuncio de João, ele sabia que se tratava da sua morte. Ele humilhou-se e foi humilhado até a morte. Deu a sua vida voluntariamente em favor daqueles que seriam resgatados para o Pai.
Creio que estes exemplos são suficientes para mostrar a nós que a espiritualidade de Cristo deve ser modelo para a nossa missão. A igreja precisa resgatar estes aspectos na sua missão integral e para isso é importante sempre recordar como foi que Cristo realizou a sua missão. A tendência da igreja é adequar-se aos ditames da era em que encontra. Hoje, ela recebe uma forte influência da Teologia da Prosperidade e com isso os seus programas recebem uma forte carga pragmática com vistas ou ao crescimento da igreja ou ao bem estar dos membros da comunidade. O Cristo revelado nas Escrituras precisa estar na memória da igreja para que ela não incorra o grave erro de pregar um Cristo desfigurado ou amoldado aos ideais do tempo presente. Veremos agora o quanto a mensagem de Cristo serve para nós de base para a nossa espiritualidade.

A mensagem de Cristo é o fundamento da nossa espiritualidade
Vimos que Cristo veio do alto e habitou na Terra no meio da humanidade. A sua vinda não seu deu “apenas” para morrer na cruz do Calvário, mas também e principalmente para proclamar a mensagem do reino de Deus. Cristo morreria, ressuscitaria e voltaria ao Pai, todavia, os que ficassem para dar continuidade ao seu ministério precisariam de um plano de governo. Teriam que transmitir uma mensagem que fosse totalmente contrária às mensagens que os povos estavam acostumados a ouvir. Se assim não fora, não faria sentido a sua vinda.
Assim sendo, a mensagem de Cristo incluía diretrizes para que o ser humano recuperasse o sentido da vida, a razão de ser da sua criação. Eu creio que o texto áureo da espiritualidade cristã está no chamado Sermão do Monte. Foi ali que Cristo deixou explicitado a ética, os princípios e os valores do reino de Deus. O espaço para este artigo não permite analisarmos todos os aspectos desse ensino, todavia, podemos delinear alguns fundamentos que vão nortear a nossa missão integral nessa nossa jornada rumo à consumação dos tempos.
A espiritualidade deve transcender as circunstâncias desse mundo
Cristo nos recorda no início deste sermão que as circunstâncias desse mundo por mais avassaladoras que possam ser ou parecer, não se esgotam nelas mesmas. Podem nos humilhar, fazer com que choremos seja por fome ou por falta de justiça, podemos ser incompreendidos por causa da nossa maneira de viver, sofrer até mesmo perseguições por causa do ideal cristão ou por causa do próprio Cristo e nada disso poderá tirar a nossa alegria de pertencermos ao Reino de Deus. O reino é uma realidade eterna, enquanto que as circunstâncias desse mundo são transitórias e têm um fim nelas mesmo.
A espiritualidade da missão integral não é alienada e nem alienante. Enquanto que ela olha para esse mundo, ela prega uma mensagem que não é apenas humanista, mas sim uma mensagem que transcende esse universo e aponta para uma realidade maior – o reino de Deus.
A espiritualidade deve modificar as circunstâncias deste mundo
A missão integral da igreja não se desenvolve no âmbito das paredes do templo. Ali, na atmosfera segura que a comunhão dos santos proporciona aprendemos de Deus, todavia, a missão se realiza no meio do caos que o mundo está instalado. Os seguidores de Cristo precisam estar no mundo assim como ele esteve. É necessário encher-se de coragem e ousadia e modificar o ambiente acendendo a luz que ilumina as trevas e trazendo sabor onde o pecado tem apodrecido tantas vidas. O Pai se agrada quando os discípulos de Jesus fazem o que ele fez, ou seja, anda pelo mundo promovendo a sua glória.
A espiritualidade da missão integral é intensa e não se acovarda frente aos desafios que enfrenta. A luz ilumina o mundo e o sal salga a massa. O menor tem mais força do que o maior. É uma espiritualidade que se manifesta nos caminhos do mundo e não se esconde debaixo do velador.
A espiritualidade deve valorizar a vida do próximo
O materialismo transformou a vida humana num objeto. No reino de Deus o ser humano continua sendo a imagem e a semelhança do Criador. Não se pode pensar na vida menos do que isso. Hoje o mundo perdeu a concepção da santidade da vida. O ser humano não vale muito e aqueles que não possuem o status que o mundo oferece são os que mais sofrem as injustiças. A vida é decepada, os lares são destruídos e quase não se tem mais espaço para a prática do amor.
A missão integral resgata as pessoas de suas futilidades e vãs maneiras de viver. Proclama profeticamente contra todos que procuram escravizar as pessoas nos seus esquemas satânicos e também contra as estruturas que promovem a morte e a desestruturação. A espiritualidade da missão integral proclama a dignidade do ser humano.
A espiritualidade deve alterar o meu modo de agir e pensar
Neste momento do sermão Jesus mostra a importância do equilíbrio espiritual e da sanidade daqueles que estão no caminho realizando a missão do Pai. É necessário saber que os discípulos que estão no caminho precisam realinhar seus projetos com a vontade de Deus através do exercício das práticas espirituais. A oração e o jejum têm como objetivos nos desnudarem diante de Deus e revelarem a ele os segredos da alma, restabelecendo as prioridades do ministério não permitindo que os cuidados deste mundo tornem a missão mecânica ao ponto de eventualmente perder o seu rumo.
A espiritualidade da missão integral é também vertical. Não podemos pensar que a prática das disciplinas que purificam a nossa alma é algo alienante e por isso deve ser evitada e substituída por atividades sem fim. A verticalidade da missão é tão importante quanto a sua horizontabilidade.
A espiritualidade deve manifestar dependência na soberania de Deus
Mesmo estando no serviço de Deus é possível esquecer que Deus é o doador de todas as coisas. Os cuidados deste mundo e os seus atrativos são fortes para levar o povo de Deus ao desanimo e principalmente à falta de fé. Na observação das coisas mais simples deste mundo como um pequeno pássaro e uma pequena flor, Deus proclama o quanto somos valiosos para ele e ele cuidará de nós.
A espiritualidade que não valoriza a soberania de Deus na missão é destinada ao descrédito e ao ceticismo. Muitos caem pelo caminho, sucumbem às carências que muitas vezes o serviço cristão traz. Afinal, como o Apóstolo Paulo, precisamos aprender a viver tanto na fartura como na abundância, pois em todas as coisas tudo pode aquele que nos fortalece.
A espiritualidade deve ser zelar pela santidade do bom testemunho
Creio que um último fundamento que seria bom ressaltar é que existe a possibilidade de realizar a missão mesmo não dando um bom testemunho da graça de Deus. Por isso, Cristo mais uma vez incita os seus discípulos a vigiarem em oração e atentarem para os perigos e tentações do caminho. Na caminhada missionária a igreja estará se deparando com muitos imitadores de Cristo, muitos que anunciam a palavra, mas não foram transformados por ela. É tempo de semear tendo como base o sólido fundamento da palavra de Deus, pois esta é a única garantia de permanência nos propósitos de Cristo.
A missão integral tem uma espiritualidade que promove a santidade dos servos de Cristo. Esta santidade os torna diferentes daqueles que possuem apenas aparentemente a mensagem. Estes não resistem ao tempo.

Conclusão
Chegamos ao fim da nossa conversa. O que é todas essas coisas têm a ver com espiritualidade e com missão integral? É momento de avaliarmos tudo o que foi dito até agora.
A espiritualidade não pode ser apenas um conceito abstrato e nem algo para ser experimentado na vida particular ou privada. Isso também faz parte da verdadeira vida espiritual, todavia, os frutos e os benefícios de uma vida em comunhão com Deus serão manifestados e se tornaram públicos. Quando Cristo caminhava pelas ruas da Palestina ele revelava a todos aquilo que era diante do Pai. “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” (Jo 4.34), disse ele quando teve aquele encontro com a mulher samaritana que já há muito havia desacreditado da vida. Nele, ela encontrou a água que lhe trouxe a vida. Assim sendo, não existe espiritualidade que não desemboque no mundo, principalmente quando este mundo está tão carente de bondade e paz.
A Teologia Política e a Teologia da Libertação ajudou-nos a estabelecer melhor os conceitos e a firmar os conteúdos da missão integral. A igreja descobriu que ela é parte do mundo e que a sua missão não é esquartejada em muitas facetas e que uma ou outra é mais importante do que essa ou aquela. A missão da igreja é uma só: revelar Cristo ao mundo como o mediador de Deus. Na sua missão ela tanto proclama como serve, tanto adora como ensina. A missão é integral por causa disso, porque ela é um todo, indivisível. Assim foi Cristo, assim somos nós. A sociedade de hoje cobra da igreja uma participação maior na solução dos seus problemas. Se a igreja não tem tantos recursos materiais, ela precisa realizar a missão com os recursos que tem. Com criatividade e da sua pobreza ela testifica ao mundo sobre a bondade de Deus e o seu amor por suas criaturas. Alias, na história do cristianismo a igreja ganhou mais credibilidade quando da periferia do poder pregou contra os desmandos e abusos dos poderosos e opressores.
Vimos também que a espiritualidade encontra no ministério de Cristo os aspectos necessários para a missão. Ele, o perfeito e justo homem de Deus, nos mostra que é preciso despir-nos dos conceitos deste mundo e imergirmos no ser de Deus para não nos acovardarmos durante a nossa peregrinação terrena. A sua mensagem é uma mensagem ousada e transformadora. Quem nele e nela crer não será mais a mesma pessoa. Seus valores, seus princípios e sua ética serão todos determinados pelos sinais do reino de Deus.
A espiritualidade da missão integral é pró-ativa e busca resgatar o ser humano na sua totalidade e isso, até que o reino seja chegado, pois Cristo e o seu Pai trabalham, e nós também trabalhamos.

1  Verônica Moraes Ferreira, O que é espiritualidade. http://ejesus.com.br/onASP/exibir.asp?arquivo=3164 (capturado em 29.06.2004).
2  Gustavo G. Boog, Maysa C. Marin, Valéria Silveira Wagner. Espiritualidade no Trabalho.
http://www.guiarh.com.br/p55.htm (capturado em 29.06.2004). Apenas como curiosidade destaca-se que Boog é Consultor e Terapeuta Organizacional, Marin é Consultora e Numeróloga e Wagner é terapeuta floral e produtora de eventos culturais e são autores e coordenadores da Série "Espiritualidade no Trabalho", da Editora Gente.
3  Luciana Seabra. Resgatar a fé no trabalho.
http://www.unb.br/acs/unbagencia/ag0304-27.htm (Capturado em 29.06.2004). UnB Agência.
4  Galilea, Segundo. Renovação e Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1982, pp. 13-15
5  Citado por Bosch, David J. Missão transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2003, p. 34.

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