Autor: Daniel Rocha
Diante de inúmeros termos que se tornaram comuns no meio evangélico atual, um que se há de destacar é o da “adoração extravagante”. Muito se tem falado e escrito sobre esse tema. Meu intuito aqui é refletir e propor um entendimento diferente e mais amplo.
Por certo a vida cristã é constituída de inúmeros aspectos que precisam ser observados, tais como a devoção diária, a meditação na Palavra, o louvor, a ação de graças, a adoração, a oração, a comunhão com o Corpo, e muitos outros. Porém, a partir do momento que elegemos e vivenciamos um desses aspectos de uma forma mais preponderante, naturalmente outros podem ser relegados a um plano inferior, e com o tempo acabam sendo esquecidos e até mesmo depreciados. Na verdade, o bom-senso e a coerência cristã nos leva a buscar o equilíbrio valorizando tudo aquilo que é importante e essencial.
Quando falamos em “extravagante” normalmente associamos com algo fora-do-comum, algo que vai além do normal, e num certo sentido excêntrico. Pode ser algo bem peculiar àquela pessoa, e representar uma expressão saudável de todo o ser do cristão. Ou não!
Como estudioso da alma humana, entendo que torna-se imperioso diferenciar aquilo que é salutar, que beneficia, que acrescenta, que edifica, que aumenta nossa percepção, que nos remete a uma vida de mais coragem, sim, há de se diferenciar de atos que sejam frutos de obsessão, de gestos vazios, de doença da alma, de alienação em relação à vida. A nossa proximidade de Deus sempre nos leva a um nível de maior desenvoltura, maior conscientização e compromisso. A espiritualidade sempre acrescenta, e não subtrai.
Na verdade, a vida cristã não pode sofrer de nenhuma forma de “reducionismo”, ou seja, não se pode decompor o todo da riqueza da expressão de fé cristã e conceder-se a uma de suas partes mais atenção e valor que a realidade total. Por isso, mais importante que ser um “adorador extravagante” é ser um cristão com todas as implicações a que isso remete. E se for um cristão “extravagante”, no sentido de que foge do lugar comum dos modelos “insosso-gospel” existentes, melhor!
Vejo na Parábola do Samaritano (“bom samaritano” é um termo preconceituoso), contada por Jesus (Lc 10.25-37), um ensino para compreendermos a adoração a serviço da vida e não como um “momento” a ser vivenciado dentro do templo.
Historicamente os samaritanos pertenciam ao reino israelita do norte que caiu ante o império assírio em 722 a.C., e a mistura gradual com povos colonizadores foi alterando paulatinamente a atitude e a adoração do povo. Ou seja, para um judeu, era muito claro que um samaritano não era capaz de adorar a Deus “corretamente”. E quando Jesus começa a desfilar os personagens que passaram diante daquele homem caído e machucado por salteadores, era presumível aos que ouviam a parábola, que o levita e o sacerdote socorreriam o pobre homem. Era de se esperar que a visão do sofrimento humano tocaria fortemente aquelas figuras religiosas cujas funções os colocavam como irreputaveis.
Sacerdotes e levitas tinham seus deveres específicos no templo, aos quais sem dúvida, incluía a adoração. Talvez eles estivessem apressadamente vindo de Jerusalém para Jericó após o trabalho do templo. Já quanto ao samaritano, ele era considerado de antemão um desqualificado, um despreparado, alguém que não saberia como adorar a Deus verdadeiramente, pois ele não tinha nem a “técnica”, nem a paixão, nem o conhecimento necessário para isso.
Mas, surpreendentemente foi aquele piedoso samaritano que trouxe uma preciosa lição aos religiosos da época e a nós. Ele não só se condoeu, como socorreu, como transportou e ainda deixou dinheiro na hospedaria para os gastos que viessem a ter com o ferido. Podemos dizer, pela narrativa da parábola, que ele teve:
1. coração compassivo;
2. restou socorro;
3. o cansaço do transporte do ferido;
4. cuidados para providenciar as necessidades posteriores.
Tudo isso, percebe-se, que foi emanado de um coração verdadeiro. Podemos dizer que o amor ao próximo ensinado por aquele homem não foi calculista nem mesquinho, mas totalmente extravagante e abundante! O samaritano não estava procurando cumprir um dever, nem estava se mostrando a ninguém, simplesmente ele deu-se inteiro. Eu até ousaria chamar de a “parábola do samaritano extravagante”. Salta aos olhos a “extravagância” de sua compaixão, assim como salta aos olhos a “pressa” do levita após a sua adoração.
Uma pergunta deve ser feita aqui: naquele dia, de onde surgiu a adoração extravagante ao Senhor? Naquele dia, quem O adorou em espírito e em verdade?
Albert Schweitzer, teólogo, médico, missionário, organista intérprete de Bach, é um dos nomes mais respeitados do cristianismo moderno pelo seu trabalho de amor, cuidado e dedicação na África junto aos nativos, pela construção de um hospital, pelos seus tratados teológicos e composição de hinos. Seria inteiramente despropositado e sem sentido perguntar-se de que forma Schweitzer adorava a Deus, se esparramava-se pelo chão, se tinha fortes emoções, se dedicava minutos ou horas adorando….. Na verdade sua vida toda foi uma adoração. E que adoração extravagante e agradável a Deus!
Ser um cristão extravagante pode levar muitos a imaginarem coisas esquisitas tais como o monge medieval que ao converter-se prometeu nunca mais comer carne saborosa, ou aquele outro que isolou-se numa caverna no alto da montanha e nunca mais saiu de lá. Conheci um homem que levou sua família ao restaurante, e sentaram-se todos à mesma mesa. Ele, então, chamou o maitre e pediu-lhe que a música ambiente fosse desligada pois ele iria orar agradecendo pelo alimento. Sem dúvida, uma atitude extravagante, mas ao mesmo tempo presunçosa.
Na vida do cristão primitivo vemos que a adoração não se prende mais ao templo, não se detém no horário do culto, não termina após a performance no palco…. agora ela expande-se para a própria vida. O lugar por excelência do cristão não se restringe nem ao culto, nem à igreja, nem a um evento especial. Esse lugar agora é o mundo, é a vida. Não se pode reduzir a vida do cristão à vida eclesial.
A verdadeira adoração é mais que gestos, posturas, e emoções diversas. Ela desenvolve a fé, gera força para viver, confere a nós uma alma grata e consciente da nossa dependência Àquele que cuida de nós. Penso que se a adoração extravagante não gerar uma vida cristã igualmente “além-do-normal”, ela se tornará vazia, mostrar-se-á oca, descompromissada, presa ao êxtase da transfiguração e desvinculada da vida “cá embaixo”.
Esparramar-se e quebrantar-se diante do Senhor hoje significa andar com Deus, significa derramar a alma e o coração na confiança, no amor e no desejo de não colocar nenhuma barreira, nenhum senão, nenhum obstáculo entre nós e Jesus. Significa vivenciar um amor irrestrito a Ele, deleitar-se com a Sua Palavra, embeber-se dela, “embriagar-se” do Espírito para falar com profusão das maravilhas de Deus. É esbanjar confiança na Graça de Deus.
Mais que adoradores, queremos ser cristãos verdadeiros que compreendem que sua adoração extravagante consiste em quebrar o alabastro de sua vida e permitir que o bom perfume de Cristo inunde a Terra.
Pastor metodista, e psicólogo
dadaro@uol.com.br
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