Autor: Gordon MacDonald
Para os líderes: Quando os líderes implodem
Ted Haggard, auto-destruição e as consequências que todos nós sofremos
By Gordon MacDonald, editor da revista Leadership
(Nota do editor: O que é que os líderes cristãos devem concluir depois da experiência espectacularmente dolorosa de assistirem às notícias sobre o Ted Haggard? O presidente da Associação Evangélica Nacional (Estados Unidos da América) e Pastor da mega-igreja New Life Community (Comunidade Vida Nova) em Colorado Springs, no Estado do Colorado, E.U.A, admitiu gradualmente que comprava anfetaminas e recorria aos serviços de um prostituto masculino. Pedimos ao editor da revista Leadership, Gordon MacDonald, para fazer uma reflexão sobre o que devemos aprender com este episódio.)
É difícil para além de toda a descrição ver na televisão o nome e rosto de Ted Haggard arrastados pelos televisores em todos os noticiários. Mas como o meu amigo, Tony Campolo, disse numa entrevista a semana passada, quando passamos a nossa vida a buscar o microfone para falar ao mundo das nossas opiniões e julgamentos, não deveríamos ficar surpreendidos quando o sistema redirige os holofotes para nós, justa ou injustamente, durante os nossos maus momentos.
Ainda estamos no processo de aprender o que transpareceu realmente nos últimos meses na face secreta da vida de Ted. No Domingo a liderança da New Life Church anunciou que lhe pediram para renunciar aos cargos. O seu ministério na New Life Church e como líder da Associação Evangélica Nacional acabou.
Passei algum tempo a tentar entender como e porquê alguns homens e mulheres em todos os tipos de liderança se metem em problemas, quer sejam financeiros, morais ou abuso de poder e ego. O fracasso e a humilhação não me são desconhecidos. Destes terríveis momentos passados há vinte anos na minha própria vida cheguei à conclusão de que existe uma pessoa escondida em muitos de nós que não é diferente de um assassino. Esta pessoa escondida (como um membro contencioso de uma Direcção) pode ser a fonte de atitudes e comportamentos contra os quais normalmente nos posicionamos no nosso ser consciente. Mas busca destruir-nos e transmite uma capacidade de – sem limites – nos tentar a fazer coisas “contra as nossas convicções”.
Se foi tão “queimado” quanto eu (e os meus entes queridos), não viverá um dia sem se lembrar que há algo dentro disso que se não for vigiado, o fará cair no descalabro. Wallace Hamilton escreveu: “Dentro de cada um de nós há uma manada de cavalos selvagens que se querem soltar e correr livremente.”
Parece-me que quando as pessoas se tornam líderes de organizações e movimentos com visibilidade, quando se tornam famosas e as suas opiniões são constantemente sondadas pelos mídia, devem tornar-se cautelosas. O mesmo desejo que impele alguns líderes para níveis extraordinários de empreendimento é o desejo que frequentemente os impele para alvos e objectivos que ultrapassam o razoável.
Como um rio que galga as suas margens, esse desejo alarga-se frequentemente a áreas de empolgamento e risco que podem ser perigosas e destrutivas. Por vezes esse desejo parece ser imparável.
Esta parece ter sido a experiência de David no Velho Testamento e dos seus olhos observadores e curiosos, de Uzias no seu tédio e de Salomão na sua fome insaciável por riquezas, esposas e cavalos. Parecem ter encetado uma cruzada à procura de mais emoções ou de satisfazerem as suas necessidades pessoais mais profundas, e a satisfação normal na maioria das pessoas torna-se inadequada para elas.
O Que Devemos Acautelar
Quando vejo um líder que se torna teimoso e rígido, que é cada vez menos compassivo para com os seus adversários, cada vez mais tirano na sua própria organização, que desperta a ira e a arrogância nos outros, pergunto-me se ele não estará a gerar este clima porque está arduamente a tentar dizer “não” a algo que surgiu bem fundo dentro da sua alma.
São as suas palavras e gestos direccionados contra o inimigo “lá fora” ou contra um inimigo muito mais fortuito e astuto no seu interior? Várias vezes visitei pastores que passavam horas imersos na pornografia e um ou dois dias depois pregavam os seus sermões mais ungidos contra a imoralidade. É um paradoxo que baralha as mentes racionais.
Não há responsabilização adequada que trave a pessoa que vive em tal conflito interior. Nem pode travar a pessoa que precisa constantemente de adrenalina para superar os pontos altos do passado. Talvez essa seja uma das características geniais de Jesus: saber quando parar, como recusar o cocktail do privilégio, da fama e o aplauso que distorce a capacidade individual de pensar com sabedoria e de controlar o ego.
Várias vezes vimos vir ao de cima a verdade sobre a vida de alguém, não de uma vez, mas numa série de revelações, cada uma admitindo mais culpa, quando um dia ou dois antes até tinha sido negada. Talvez a incapacidade de dizer toda a verdade é um sinal de que a pessoa está a mentir a ela própria e não consegue encarar a verdade plena do seu comportamento.
Mas é assim que todos os pecados começam: quando mentimos a nós próprios.
As mentiras cardinais de um líder falhado? Eu dou e dou e dou nesta posição; eu mereço privilégios especiais – talvez até o privilégio de viver acima das regras. Ou, tenho charme e palavrinhas mansas suficientes para dizer o que quero – e até dar uma aparência de inocência genuína. Ou, uma boa parte da minha vida é vivida acima da linha da santidade de forma que posso ser desculpado desta ou daquela falha. Ou, já fiz tanto por estas pessoas; agora é a vez de elas fazerem algo por mim – tal como perdoar-me e dar-me uma segunda oportunidade.
Estou de coração partido por causa do Ted e da sua família. Não sou capaz de imaginar a tortura por que estão a passar neste momento. Caídos da estima e admiração nacionais em apenas algumas horas, têm de interrogar-se sobre quem serão agora os seus amigos verdadeiros. Devem estar a interrogar-se sobre como estes acontecimentos – conhecidos em todo o mundo – afectarão os seus filhos. A Sra. Haggard não vai poder aparecer no supermercado local sem se perguntar quem vai encontrar no corredor das frutas: Um repórter? Um membro da igreja? Um crítico? Tanto o Ted Haggard como a esposa vão enfrentar câmeras de televisão sempre que saírem de casa – até os mídia encontrarem outra pessoa a quem assediar.
As viagens, os conhecimentos, as entrevistas, os aplausos da congregação, o poder da organização, os privilégios e luxos, a honra: tudo desapareceu! O acesso às pessoas de posição e poder: desapareceu! A oportunidade de dizer todos os dias uma palavra de influência aos jovens ensináveis: desapareceu! A certeza de que Deus ungiu a pessoa para tempos como estes: desapareceu!
E o que cresce agora a cada dia é o sentimento adormecedor do arrependimento e da perda. Com o tempo vão ser abordados por pessoas que de uma forma ou de outra vão dizer: “Eu confiava em ti, mas o que fizeste fez-me ficar muito zangado.” “Fizeste com que o meu filho se afastasse do Evangelho.” “Pensei que te conhecia, mas afinal não”.
Vai passar muito tempo até que os dois Haggards se sintam de novo seguros. Este tipo de sofrimento dura uma vida inteira, mesmo depois da restauração. Como eu queria que eles fossem poupados a isto! Talvez haja um dia do percurso em que seja possível um regresso à posição de influência. Mas neste momento é – ou deveria ser – algo muito longínquo.
Oração pelos que caíram e por aqueles que ficaram magoados
É minha oração que a liderança da New Life Church não assuma que “restauração” significa colocar o Ted nos púlpitos o mais depressa possível. A pior coisa do mundo seria dar-lhe esperanças de que a partir do momento em que ele mostre que está arrependido pode voltar em breve à exposição pública. Para seu próprio bem, ele deve tirar bastante tempo para trabalhar os factores que causaram esta situação. Voltar ao trabalho não resolverá o que estiver errado na sua própria alma.
Ele e a esposa devem separar muito, muito tempo para permitir que o relacionamento entre ambos fique restaurado. O perdão é uma cura prolongada, não instantânea.
E há aqueles cinco filhos. Pensar neles dá-me vontade de chorar.
E depois há inúmeras pessoas dentro e fora da igreja deles que têm de tirar muito tempo para descobrir o que tudo isto significa. Não, a pior coisa que os amigos e supervisores do Ted podem fazer é retirá-lo prematuramente deste processo. A melhor coisa que podem fazer é pedir-lhe para se retirar para o silêncio com aqueles que ele ama e ouvir – a Deus e a conselheiros idóneos.
As Consequências que devemos enfrentar
A declaração feita pela Comissão Executiva da Aliança Evangélica Nacional na sexta-feira à tarde parece-me vazia. Parece ter sido escrita por um Relações Públicas que queria dizer as coisas mais simpáticas e adequadas para apaziguar os mídia e sossegar os advogados. O fardo da declaração parece ter sido que a AEN já está a tratar de escolher quem será o próximo líder.
O facto é que, demasiadas vezes vimos o Presidente da AEN nos noticiários e nos talk-shows a falar como líder de 33 milhões de evangélicos norte-americanos. Tenho a certeza que ninguém perguntou à maioria dos evangélicos se queriam ser representados pelo Ted Haggard, ou seja por quem for. Sei que a última vez que me senti à vontade por ter alguém a falar pelos evangélicos como um todo foi quando o Billy Graham falou em nosso nome. Mas houve uma ilusão permitida: que a AEN era um movimento bem organizado e bem difundido entre os evangélicos norte-americanos, liderada pelo Ted Haggard e que, quando ele falava, falava em nome de todos.
Agora, infelizmente, essa voz falou mal, e o nosso movimento tem de viver com as consequências.
Tenho uma média fraquinha de sucesso em prever o futuro. Mas pressinto que a AEN (tal como a conhecemos) não irá recuperar deste momento horrível. Deveria? Líderes de vários apoiantes da AEN muito provavelmente irão pensar que as suas fortunas ficarão melhor servidas investindo em novas e mais frescas alianças.
Desde o início da administração do Bush que me preocupo com a tendência que existe em diversas personalidades Evangélicas de ir a público sempre que visitam a Casa Branca ou têm uma conferência pelo telefone com um oficial da administração. Sei que isto tem uma extraordinária capacidade para levantar fundos. Conheço a tentação para a expansão do ego quando alguém acha que o Presidente lhe dá ouvidos. Mas o resultado é que agora somos um movimento evangélico que está profundamente comprometido – identificado aos olhos do público como profundamente entranhado nos bolsos do partido Republicano. Pessoalmente creio que o nosso movimento foi usado.
Há rumores de que o movimento – já dirigido em conjunto por Billy Graham e Harold Ockenga – começa a fragmentar-se porque se identifica mais por uma agenda política que parece estar a falhar e menos por um compromisso com Jesus e com o Seu Reino. Quer nos agrade ou não, somos vistos como aqueles que apoiam a guerra, tortura e que adoptam uma postura de fanfarrões nos relacionamentos internacionais. Qualquer americano que viaja para o estrangeiro já provou a hostilidade global para com o nosso governo e a suspeita de que as políticas do nosso Presidente reflictam os verdadeiros inquilinos da fé cristã.
E devo acrescentar que há uma desilusão crescente da parte dos nossos irmãos e irmãs de outros países que não descortinam qual o papel dos cristãos americanos em tudo isto. O nosso movimento pode ter as suas intervenções no Supremo Tribunal, mas pode ter também comprometido o seu centro histórico de fé bíblica. É tempo de deixar que o público em geral saiba que algumas personalidades evangélicas da TV e da rádio amplamente conhecidas não falam por todos nós.
E por isso eu oro:
Senhor e Pai,
Como deves ficar triste quando vês o mais poderoso e o mais fraco dos teus filhos caírem nas garras do pecado e do mal. Não há nada que alguém tenha feito que nós – cada um de nós – não sejamos capazes de fazer. Por isso, ao orarmos pelo nosso irmão, Ted Haggard, não oramos por pena ou julgando-nos justos mas com um espírito humilde porque estamos com ele prostrados diante da cruz.
Pai, dá a este homem e à sua esposa o dom da Tua graça. Protege-os das acusações constantes do diabo, que vai querer tirar-lhes o sono, tentá-los para que falem demais com o público, levantar conflitos entre eles como casal e com os seus filhos. Envia as pessoas certas às suas vidas, que possam fazer a mistura correcta de esperança e amor sarador. Livra-os daqueles que buscam os seus favores dizendo-lhes as coisas que eles não deveriam ouvir. Livra-os de fazerem maus juízos, mesmo nos seus piores momentos.
Senhor, sê com os crentes e a liderança da New Life Church. E com a liderança da AEN que tem que viver com os efeitos secundários desta tragédia. E com as pessoas na tradição evangélica que hoje se perguntam em quem podem confiar. Sobre o que mais podemos orar? Tu sabes todas as coisas. Somos pequenos.
Ámen.
O Pastor e autor Gordon MacDonald é Presidente da World Relief e editor da revista Leadership.
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