Autor: Jonathan Menezes
“Guias de cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um camelo” (Mateus 23:24). Em tantos momentos, essas palavras de Jesus, apesar de exortativas ou quem sabe ásperas demais para serem aceitas, podem soar para nós como um canto de liberdade. São como um tiro fulminante acertando o alvo bem no centro, produzindo um som alucinante e uma transformação inesperada. Como anelo por ver esse canto retumbando nos ouvidos dos opressores de hoje, sendo entoado por cristãos não-nominais, inconformados e persistentes da contemporaneidade, fazendo coro ao lado de inúmeras vozes de pessoas que continuam sofrendo na pele os diversos tipos de escravidão ainda vigentes. Mas Jesus fala aqui de um tipo específico de escravidão: a escravidão da religião.
O cristianismo, originalmente, constituiu-se como uma religião dos escravos, porém libertos e absolvidos pelo sangue de Jesus Cristo. Posteriormente, em grande parte, não foi capaz de se proteger do fermento sórdido e burocratizante dos fariseus – praga que sempre existiu e existirá na religião; lobos disfarçados de cordeiros, que colocam fardos pesados sobre os ombros dos mais fracos, sem poder, eles mesmos, movê-los. É um tipo de gente amarga, que não pratica o que prega e ainda faz tudo para preservar o mérito e alcançar reconhecimento. Celebram os atos dos que mercadejam a palavra de Deus e que fazem tudo em seu nome (até guerra), porém rejeitam e assassinam seus profetas, junto com aqueles que não se acomodam com suas indulgências legalistas e nem vendem a mensagem de seu mestre por míseras 30 moedas de prata, como fez o “discípulo” Judas Iscariotes.
O canto de Mateus 23 é do tipo que Jesus entoava. O canto de liberdade do Evangelho, não é apenas um canto de paz interior (“pois paz sem voz não é paz, é medo” – O Rappa), de harmonia ou de alívio pela quebra das algemas, mas é também um canto de protesto e de repulsa ao sistema e à ordem vigente, se esses se fazem opressores. O canto da liberdade é o canto da subversão, do inconformismo e da ira santa. Só pode cantá-lo quem não desistiu da utopia possível do Reino, mesmo que isso custe o renunciar à própria existência. É o canto daqueles que celebram a vida e resistem às forças dominadoras da morte. É o grito de coragem e desespero (como o que foi dado por Cristo na cruz – “Por que me desamparaste?”), de quem tem pouca ou nenhuma chance de vencer, historicamente falando, mas que não tem mais nada a perder, porque, em Cristo, tudo perdeu e também tudo já lucrou. Abaixo a escravidão! Viva a liberdade!
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