Administração: Liderança Espiritual ou Secularismo Batizado?

Autor: Rex D. Edwards
O pastor é o líder de Deus vivendo a vida de Cristo no meio do povo. É uma testemunha da graça divina, servindo não para benefício próprio mas para o bem-estar da congregação.

“Atarefa de um líder”, disse Henry Kissinger, “é levar as pessoas de onde elas estão para onde ainda não estão.” Poderia isso acontecer no âmbito de um organismo espiritual que é a igreja local, se o estilo de liderança do pastor reflete um modelo secular, embora seus objetivos sejam espirituais?
Poderia isso acontecer se um pastor trata as pessoas como coisas e não como seres humanos? Poderia isso acontecer se o foco é sobre o crescimento da organização em lugar do crescimento espiritual das pessoas? Eu penso que não.
Os líderes da Igreja têm variados conceitos de seu status e autoridade. Muitos tomam emprestados seus conceitos e idéias de liderança do militarismo, do mundo dos negócios, ou de algum antigo pastor que se tornou seu exemplo e ideal de imitação.
Nós estamos conscientes das muitas diferenças existentes entre as pessoas que guiam nossas atividades. Muitas dependem do modelo de liderança do líder ao qual tomaram como exemplo. Outras dependem do tipo de pessoa que ele é.
Shawchuck e Heuser argumentam que “se o líder é fraco, dúbio e irritado, a congregação refletirá essas qualidades. Se o líder é calmo, competente e pacífico, então a congregação eventualmente refletirá essas qualidades”. Eles ainda sugerem que “nosso mundo interior cria nossa realidade contextual”.1
Analisemos a seguir três bem conhecidos modelos gerais de liderança na Igreja: autocrático, laissez faire e democrático.

Liderança autocrática
James Lundy descreve o líder autocrático como alguém que “toma decisões por si mesmo, dirige outros manipulando-os, critica rapidamente, talvez humilhantemente, e influencia pela intimidação”.2 Esse líder toma poucas pessoas em sua confiança, e geralmente conserva autoridade e responsabilidade centralizadas em si mesmo.
Freqüentemente esse tipo de líder confessa fé na democracia, mas insiste que ele é o democrata que a dirige. Tal líder quer delegar responsabilidade, mas recusa partilhar autoridade. Os subordinados têm pouca ou nenhuma parte na formulação dos planos cuja execução deles é esperada.
Weldon Crossland descreve o líder autocrático como “um tipo de exército de um homem. Ele é o comandante-em-chefe, sargento mestre, corporativo e privado. … Ele é ‘a noiva em todo casamento e o cadáver de todo funeral’”.3 A tal líder falta fé nas pessoas e em si mesmo. Líderes que sentem insegurança normalmente tendem a ser autocráticos; evitam partilhar responsabilidade e desenvolver outras pessoas como líderes, temendo que isso possa lhes suscitar rivais.

Liderança laissez faire
Michael J. Anthony descreve o líder do tipo laissez faire como aquele que “prefere manter o status quo e prefere não fazer cena a respeito de qualquer coisa. Pode não ser o melhor caminho para fazer alguma coisa mas, contanto que funcione, por que tentar mudar? O lema dessa pessoa é: ‘se não está quebrado, não cole’. Ela prefere trabalhar isolada em seu escritório, longe da ação. … Não gosta de confrontação e ‘vai com a maré’. … Esse líder é mais parecido com um bondoso capelão do que com um comandante de tropas”.4
Ted W. Engstrom conclui que “esse estilo é praticamente de nenhuma liderança no final das contas, e permite as coisas tomarem o seu próprio curso”.5 O líder laissez faire desenvolve uma imunidade ao lado administrativo do trabalho da Igreja. Ele provavelmente diz: “Eu sempre coloco tudo nas mãos dos leigos.” Que o trabalho da igreja sofra dificuldades, não parece perturbá-lo; muito menos lhe perturba o fato de que esteja negando encorajamento, experiência e inspiração àqueles que, ao seu lado, estropiam a congregação. Tal líder pode ser descrito como um líder democrático “em cima do muro”.

Liderança democrática
O líder democrático vê-se como um guia e conselheiro. Ele ajuda o grupo a definir e conquistar os objetivos da organização ou comunidade. Ajuda o grupo a planejar seu programa e desenvolver seus métodos. Busca conquistar seguidores para trabalhar com ele, não para ele. Acredita que a democracia é dinâmica e criativa, no sentido de que requer a participação de muitos, e atribui grande importância às pessoas e como elas atuam.
“Democracia”, diz Ordway Tead, “tem em alta consideração, em seus elementos constituintes, o princípio de conservação e enaltecimento da personalidade de todos os indivíduos – a idéia de respeito pela integridade da pessoa e do valor primário de desenvolvê-la. … Isso inclui a descoberta e o uso de seus talentos, a mais completa expressão possível do seu poder criativo, a hipótese responsável de modelar as condições que tornam possível o crescimento na qualidade pessoal.”6
T. V. Smith distingue entre autoritarismo e democracia quando diz que o líder autocrático é forte na proporção da ignorância de seus seguidores, ao passo que o líder democrático é forte na proporção da inteligência de seus seguidores.7
Nós todos temos trabalhado com líderes na Igreja que enquanto prestam um serviço de lábios ao processo democrático, o negam na prática. Tais líderes freqüentemente escolhem sua equipe ou elegem subordinados que sempre dirão “amém” a todos os seus programas e idéias. Ditadores mascarados de democratas acreditam que os fins justificam os meios. Tais líderes “usam as pessoas e conduzem suas aspirações para aumentar sua autoridade. Conseguem o consentimento para suas decisões, mas fazem isso através de manipulação, ocultando os verdadeiros fatos, e através de meios de controle e ameaças”.8
Assim, o estilo de liderança é uma escolha moral: um líder escolhe se respeita a personalidade humana (como Jesus respeitou) ou se trata as pessoas como coisas.

No ambiente da igreja
A Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma democracia espiritual, onde todos os membros têm os mesmos privilégios e responsabilidades.
E. Y. Mullins argumenta que “a democracia no governo da Igreja é um corolário inevitável da doutrina geral sobre a competência da alma em questões de religião. A capacidade do homem para governar, religiosamente falando, nada mais é que a autoridade de Cristo exercida em e através da vida interior dos crentes, sempre com a compreensão de que Ele regula essa vida interior de acordo com Sua Palavra revelada. O sacerdócio de todos os crentes é tanto uma expressão de competência da alma, como a democracia é sua expressão no lado eclesiástico da religião”.9
Os membros das igrejas do Novo Testamento eram iguais em posição e privilégios. Os indivíduos que lideravam congregações foram ordenados para servir, não para mandar; para exercer liderança, não senhorio. Os papéis de liderança identificados em Efésios 4:11 e 12 revelam uma base funcional, não posicional. As distinções ditadas pelos dons do Espírito realçam várias esferas de serviço, não uma posição autoritária.
O ensinamento do próprio Cristo sobre esse assunto é inequívoco: “Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo” (Mat. 20:25-27). John R. W. Stott lembra que “clericalismo autocrático é destrutivo para a Igreja, desafiante ao Espírito Santo e desobediente a Cristo”.10
Certamente aqueles que foram selecionados como líderes espirituais nos tempos bíblicos possuíam qualidades similares aos que exerciam funções no mundo dos negócios e nas organizações civis. A diferença era a presença do poder capacitante do Espírito Santo. Essa é a razão pela qual o estilo de liderança secular é um modelo inadequado para o corpo de Cristo.
Quando um líder é cheio do Espírito Santo, ele possui as qualidades de caráter que refletem essa realidade.
Tal líder gera respeito, cuidado e preocupação pelos outros. Os servos cristãos demonstrarão uma liderança flexível, de acordo com a direção provida por Deus.

Os objetivos
O sociólogo Vance Packard descreve os objetivos da liderança como “a arte de levar outros a querer fazer alguma coisa que você está convencido de que deve ser feita”.11 Se isso é verdade, então um líder de igreja necessita ter em mente as seguintes questões: “O que é que eu estou tentando fazer em e através dessas pessoas? Como posso ajudá-las a desenvolver todo o seu potencial? O que é que eu estou tentando cumprir em e através da igreja?”
Andrew Blackwood lista oito dos principais alvos que um pastor deve alcançar. Ei-los:
• Evangelismo segundo o Novo Testamento.
• Nutrição espiritual da comunidade.
• Religião doméstica.
• Igreja amistosa.
• Aperfeiçoamento da comunidade.
• Missão nacional.
• Fraternidade universal.
• Missão mundial.12
Os objetivos do pastor poderiam ser estabelecidos numa estrutura de pessoas que foram redimidas, nascidas de novo e reunidas voluntariamente em uma comunidade amorosa. O interesse nas pessoas deveria levar ao interesse no crescimento delas.
O papel do pastor é facilitar o desenvolvimento do caráter cristão e construir um clima espiritual condutor do crescimento de uma comunidade verdadeiramente espiritual. Ele é um líder motivado pelo amor, com visão e compaixão, que tem fé nas pessoas e crê que elas crescem através de cooperação voluntária, não de coerção.
Uma forma pela qual as pessoas crescem é estando envolvidas no desenvolvimento e manutenção dos planos e programas da igreja. Detalhar às pessoas o que fazer e como fazer sufoca a criatividade e produz dependência espiritual. Semelhantemente a canários, elas se tornam contentes no cativeiro e sempre desejarão permanecer na gaiola, mesmo quando a porta esteja aberta.
James M. Kouzes e Barry Z. Posner argumentam: “Líderes constroem equipes com espírito e coesão, equipes que se sentem como uma família. Eles envolvem ativamente outros em planejar e lhes ensinam prudência para tomar suas próprias decisões. Líderes fazem com que os outros se sintam proprietários, não como empregados.”13
Por que alguns pastores são incapazes de partilhar responsabilidades com os membros? Seria uma questão de poder e popularidade? Seria o desejo de serem executivos que dirigem pessoas querendo que elas lhes prestem satisfação até por um aceno que precisam dar? Ou é por vaidade e glorificação própria?
Bert Haloviak, diretor de Arquivos e Estatísticas da Associação Geral, relata que Tiago White, um líder de igreja do “modelo patriarcal”, aparentemente tinha dificuldade em delegar responsabilidades. Um mês depois de sua morte, sua esposa, Ellen, estava de joelhos “suplicando ao Senhor luz para cumprir seu dever”. Enquanto orava, ela dormiu e sonhou que estava em sua carruagem sentada ao lado do esposo, que dirigia o veículo. Depois, ela escreveu a conversa que teve lugar entre eles no sonho. Tiago confessava: “Eu cometi erros; o maior deles foi permitir-me, em minha simpatia pelo povo de Deus, tomar sobre mim trabalhos que outros poderiam ter feito.”14
Liderança espiritual envolve ver a igreja como uma escola, da qual o pastor é o supervisor, com várias atividades correlatas tais como adoração, ensinamento, treinamento, serviço, recrutamento, cuidado de membros, relações públicas, organização, pregação, administração. O pastor é o deão e todos os membros são seus colegas de ministério.

O líder espiritual
Técnicas de administração, apenas, não fazem um líder de sucesso. O que um líder é como pessoa é de maior importância que o papel de liderança assumido. Um líder cristão é, antes de tudo, um cristão. Com uma vida dirigida por Deus e capacitada pelo Espírito Santo, um líder-servo vive o que professa.
Em seu livro mais recente, Kouzes e Posner identificam a “credibilidade” como a chave. Eles aconselham: “Líderes terão de nutrir seu relacionamento com os liderados. Terão de mostrar às pessoas que eles cuidam todos os dias. Terão de tomar tempo para agir conscienciosa e consistentemente. Suas ações devem falar mais alto que suas palavras. Liderança, depois de tudo, existe apenas aos olhos dos liderados.”15 O pastor é o líder de Deus vivendo a vida de Cristo no meio do povo. Ele é, antes e acima de tudo, uma testemunha da graça de Deus, servindo não para benefício próprio mas para o bem-estar da congregação.
O líder deve crer em si mesmo antes que possa aceitar, acreditar e servir outras pessoas. “A insegurança e a personalidade privada não são requisitos básicos para completa e livre aceitação de outros nem para identificação com seus problemas e necessidades. Psicólogos têm descoberto que pessoas que estão muito absorvidas pelos seus problemas são incapazes de se preocupar com os problemas dos outros.”16
O líder cristão poderia dizer ao seu povo: “Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos, logo, todos morreram. E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou” (II Cor. 5:14 e 15).
O líder cristão escolhe “servir acima do interesse próprio”17 e seguirá a admoestação de Pedro: “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho” (I Ped. 5:2 e 3).

Referências:
1 Norman Shawchuch e Roger Heuser, Leading the Congregation (Nashville: Abington Press, 1993), págs. 111 e 56.
2 James Lundy, Lead, Follow, or Get Out of the Way (San Diego: Pfeiffer & Co., 1993), pág. 92.
3 Weldon Crossland, Better Leaders For Your Church (Nova York: Abingdon Press, 1955), pág. 14.
4 Michael J. Anthony, The Effective Church Board (Grand Rapids, MI, Baker Books, 1993), pág. 135.
5 Ted W. Engstrom, The Making of a Christian Leader (Grand Rapids: Zondervan, 1976), pág. 71.
6 Ordway Tead, Democratic Administration (Nova York: Association Press, 1945), págs. 58 e 59.
7 T. V. Smith, The Democratic Way of Life (Chicago: Imprensa da Universidade de Chicago, 1936), capítulo 6.
8 Engstrom, Op. Cit., pág. 174.
9 E. Y. Mullins, The Axioms of Religion (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1997), pág. 66.
10 John R. W. Stoot, One People (Downer’s Grove: InterVarsity Press, 1971), pág. 33.
11 Vance Packard, The Pyramid Climbers (Nova York: McGraw Hill, 1962), pág. 170.
12 Andrew W. Blackwood, Pastoral Leadership (Nova York: Abingdon-Cokesbury Press, 1949), págs. 16-19.
13 James M. Kouzes e Barry Z. Posner, The Leadership Challenge (San Francisco: Jossey-Bass Pub., 1987), pág. 131.
14 Ellen G. White, Manuscript Releases, 10:38-40 (12/09/1881), Ellen G. White State, Silver Spring, Maryland.
15 Kouzes e Posner, Credibility (San Francisco: Jossey-Bass Pub., 1993), pág. 56.
16 Franklyn S. Haiman, Ph.D., Group Leadership and Democratic Action (Boston: Houghton Mifflin Co., 1950), pág. 115.
17 Peter Block, Stewardship (San Francisco: Berrett-Koehler Publishers, 1993), pág. 49.

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O autor é diretor de Estudos Religiosos da Universidade Griggs, Silver Spring, Maryland, Estados Unidos

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