Sexo & Afeto

Autor: Frei Betto

A pesquisa da Unesco sobre a sexualidade da juventude brasileira, divulgada este ano, é no mínimo preocupante. Como ressaltou Jorge Werthein, representante do organismo da ONU no Brasil, há aspectos positivos, como o repúdio à promiscuidade e a busca de mais conhecimento sobre a questão. Os jovens brasileiros tendem a iniciar a vida sexual mais cedo (entre 11 e 14 anos) e consideram desimportante a virgindade. Mas nem sempre se protegem contra as DST (doenças sexualmente transmissíveis) e a Aids, e tendem a discriminar os homossexuais.

Ano passado, acompanhei uma pesquisa realizada no Ceará. Indicava o aumento da gravidez precoce e a diminuição dos casos de aborto. As meninas, com certeza induzidas por exemplos televisivos, preferem assumir a “produção independente”, ainda que isso implique riscos de abandono da escola, ingresso na prostituição e mais criança na rua. Na pesquisa da Unesco, 14,7% das entrevistadas admitiram ter engravidado, pela primeira vez, entre 10 e 14 anos.

O Unicef constata que a educação escolar de uma menina vale, na América Latina, em termos de efeitos sociais, pela educação de cinco meninos. Quanto mais escolaridade da mãe, menor o índice de natalidade e maior o período de vida do filho. São as mães que assumem, sempre mais, a chefia da família, e também as principais transmissoras de valores aos filhos.

O que me espanta é que os jovens se queixem de que têm poucas fontes de conhecimento da sexualidade. Só nas últimas décadas as escolas começaram a introduzir o tema na salas de aulas, assim mesmo com ênfase na higiene corporal, tendo em vista as DST. A família, aos poucos, começa a derrubar tabus, exceto nas classes populares, onde a falta de conhecimento obriga os jovens a aprenderem “na rua”, como se dizia na minha geração. Hoje, “aprende-se” na TV. Primeiro, com a exacerbação do voyeurismo, tipo Big Brother. É o bordel despejado, via eletrônica, no quarto das crianças ou na sala da casa. Sem que famílias, escolas e igrejas cuidem da educação do olhar de crianças e jovens.

Em minha adolescência, em Belo Horizonte, havia cine-clubes, onde aprendíamos, nos debates após a exibição dos filmes, a distinguir obras de arte do mero entretenimento. Por que as escolas não exibem vídeos clipes publicitários, trechos de filmes e telenovelas, programas humorísticos? Não há melhor caminho para despertar a consciência crítica, o discernimento, que debater em grupo as mensagens implícitas quanto, por exemplo, à dignidade da mulher num quadro de humor ou o fetiche do carro numa peça publicitária.

Os animais têm uma sexualidade atávica, presos a seus ciclos libidinosos. Talvez essa herança instintiva, acrescida de tabus religiosos, nos impeça de falar da sexualidade com a mesma liberdade com que tratamos a geografia e a história do nosso país. E quanto menos se fala, mais bobagem se faz. O melhor seria a TV, com o seu poder de irradiação, entrar em detalhes a respeito de menstruação e masturbação, homossexualismo e machismo, castidade e promiscuidade. Mas nem sempre interessa tratar esses temas às claras.

O tabu reforça o mistério, que excita a imaginação, que alimenta o voyeurismo, que atrai milhares de telespectadores à exibição de produtos que imprimem à sexualidade o sabor libidinoso da pornografia. Ao contrário da realidade, a fantasia não conhece limites… E dá-lhe delegacias de mulheres, e a proliferação de assédios e estupros, e o preconceito aos homossexuais.

Suponho que 99% da humanidade case algum dia. Mas tenho certeza de que a grande maioria é obrigada a improvisar nessa opção tão importante. Pois se ainda estamos nos primórdios da educação sexual, falta muito para atingirmos a idade da pedra da educação afetiva. Que eu saiba, uma única instituição se dedica a preparar noivos para o casamento – a Igreja. Fora disso, não há nenhuma didática que sistematize, para proveito alheio, a convivência conjugal, a educação dos filhos, os valores da família, as fases da sexualidade do casal, o modo de dialogar com os filhos sobre vida sexual e afetiva, a descasamento e o recasamento, o universo da homossexualidade etc. Em conseqüência, cada um que faça o próprio caminho, à base do improviso, repetindo erros que poderiam ser evitados se houvesse, em nossa sociedade, espaços e recursos de educação para o amor.

Outro dia deparei-me, num hospital público, com uma menina de 13 anos, toda machucada porque havia sido espancada pela mãe. Estava grávida. Isso a mãe aceitou. Mas ficou revoltada quando a menina declarou não saber quem é o pai. Pois havia participado da dança do “trenzinho” num baile funk: rapazes sentados, a braguilha aberta, as garotas sem calcinha pulando de colo em colo…

O que me chocou no foi tanto o ritual orgíaco. Mas a carência, o vazio, a subjetividade inconsútil, a busca desenfreada de afeto reduzida àquela espécie de “roleta russa”. Não se trata de imoralidade, e sim de amoralidade, como entre os répteis. Porque estamos começando a ter vergonha de assumir valores, cultivar o espírito e fazer projetos. Nos escombros da modernidade, tudo é aqui-e-agora, my brother. E quando o desemprego, o baixo nível da educação, a violência, a desagregação familiar, nos fecham as cortinas do horizonte da felicidade, o jeito é apelar para o prazer imediato, epidérmico, já que a vida se reduz a um jogo de sobrevivência e a morte pode estar nos espreitando na próxima esquina.

Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros livros.

Este artigo foi extraído do site
(http://www.domhelder.org.br

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