Autor: C. René Padilla
Cada tentativa de definir a relação entre o Reino de Deus e a igreja, por um lado, e entre o reino de Deus e o mundo, por outro lado, será necessariamente incompleta. Falar do Reino de Deus é falar do propósito redentor de Deus para toda a criação e da vocação histórica que a igreja tem com respeito a este propósito aqui e agora, “entre os tempos”. É também falar de uma realidade escatológica que constitui simultaneamente o ponto de partida e a meta da igreja. A missão da igreja, conseqüentemente, só pode ser entendida à luz do Reino de Deus.
1. A PRESENÇA DO REINO
A ênfase central do Novo Testamento é que Jesus veio para cumprir as profecias do Antigo Testamento e que em sua pessoa e obra o Reino de Deus tornou-se uma realidade presente.
Um dos conceitos básicos da escatologia judaica no tempo de Jesus e seus apóstolos eram o das duas eras (eras e séculos), claramente expresso numa fórmula comum na literatura rabínica: “este século” e o “o século vindouro”. (NOTA 1. Não há segurança quanto ao uso da fórmula entre os rabinos antes do ano 70 d.C. juntamente com P. Volz, W.D. Davies acredita podermos ter como certo que a idéia é “mais antiga que os termos que a definem” – The seting of the sermon on the munt. Cambridge: Cambridge University Press, 1964, p. 183 – Não devemos descartar a possibilidade de que Jesus tenha sido o primeiro a usar a terminologia das duas idades. Ver Mc 10:30; Lc 18:30; Mt 12:32; etc.) O dualismo da escatología judaica reflete o profundo pessimismo em que o povo resvalara sob o gobernó de imperadores pagãos no império pós-exílio. A voz de Deus havia se calado; o Reino messiânico prometido pelos profetas não tinha aparecido. Ao contrário os fiéis de Israel eram vítimas do ódio e da perseguição dos gentios. A partir dessa situação surgiu em Israel um conceito de história com um interesse exagerado no futuro e um persistente desprezo para com o presente. A história estava divorciada da escatologia. Mesmo que os judeus esperassem que Deus estabelecesse uma nova criação, pensavam que isso só aconteceria num futuro distante. O presente estava abandonado, sob o domínio do mal e do sofrimento.
Essa escatologia está em oposição à dos profetas do Antigo Testamento, para os quais o cumprimento dos propósitos de Deus na história era de suma importância.
Tal como George Eldon Ladd assinalou, “ a mensagem profética se dirige ao povo de Israel numa situação histórica específica, e o presente e o futuro mantêm-se numa tensão escatológica”. (NOTA 2: George E. LADD, The presence of future: The eschatology of biblical realism. Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1974, p.93).
Ao longo do Novo Testamento a doutrina das duas eras é pressuposta, mas sua interpretação é feita à luz da morte e ressurreição de Jesus Cristo. A premissa fundamental é que, na vida e obra de Cristo, Deus atuou definitivamente para cumprir seu propósito redentor. O ator principal apareceu e foi dado início ao drama escatológico da esperança judaica. A escatologia invadiu a história. O impacto daquela sobre esta produziu o que Oscar Cullmann denominou acertadamente “ a nova divisão do tempo”. (NOTA 3: Oscar CULLMANN, Christ and Time. Londres: SCM, 1962, p. 81ss. Há tradução castelhana:Cristo y el tiempo. Barcelona: Estela, 1968). Em contraste com o judaísmo, o Cristianismo do Novo Testamento sustenta que o ponto médio da linha do tempo não está no futuro, mas no passado: ele chegou em Jesus Cristo. A nova era (“o século vindouro”) da esperança judaica iniciou antecipadamente; aqui e agora é possível desfrutar as bênçãos do Reino de Deus.
Ainda que o ponto médio da linha do tempo tenha desaparecido, a consumação da nova era se realizará no futuro. O mesmo Deus que interveio na história para iniciar um drama está atuando ainda e continuará agindo a fim de levar o drama até sua conclusão. O Reino de Deus é portanto, uma realidade presente e ao mesmo tempo uma promessa que será cumprida no futuro: ele veio (e está presente entre nós) e virá (de modo que esperamos seu advento). A afirmação simultânea do presente e do futuro tem como resultado a tensão escatológica que permeia todo o Novo Testamento e representa, indubitavelmente, um redescobrimento da escatologia “profético-apocalíptica”, que o judaísmo tinha perdido. (NOTA 4: Ver George E. LADD, Op. cit, p. 318ss.).
As pesquisas mais recentes no campo da escatologia do Novo Testamento mostram que a tradição mais antiga do ensino de Jesus combina com a afirmação da vinda do Reino, como uma realidade presente, com a expectativa do cumprimento futuro do propósito redentor de Deus. No entanto a premissa básica da missão de Jesus e o tema central de sua pregação não é a esperança da vinda do Reino numa data previsível, mas o fato de que em sua própria pessoa e obra o Reino já tenha tornado presente com grande poder. Jesus afirma que ninguém sabe o dia nem a hora em que o drama escatológico chegará a sua conclusão, “nem os anjos do céu, nem o Filho, senão somente o Pai” (Mc 13:32). Mas afirma que o último ato do drama (“os últimos dias”) já começou com ele. O Reino tem a ver com o poder dinâmico de Deus por meio do qual “os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11:5). Tem a ver com o Espírito de Deus – o dedo de Deus – que expulsa demônios (Mt 12.28; Lc 11.20). Ele é visto na libertação dos poderes demoníacos (Lc 8.36), cegueira (Mc 10.46-52), hemorragia (Mc 5.34) e a própria morte (Mc 5.23). O reino das trevas que corresponde a “este século” foi invadido; o “homem forte” foi desarmado, conquistado e saqueado (Mt 12.29; Lc 11.22). Chegou a hora anunciada pelos profetas: O Ungido veio para dar boas novas aos pobres; sarar os quebrantados de coração, pregar a liberdade aos cativos e vista aos cegos, colocar em liberdade os oprimidos e pregar o ano aceitável do Senhor (Lc 4.18-19). Em outras palavras, a conexão com o Reino de Deus. Sua missão aqui e agora é a manifestação do Reino como uma realidade presente em sua própria pessoa e ação, em sua pregação do evangelho e em suas obras de justiça e misericórdia.
Em sintonia com isto, o Reino é o poder dinâmico de Deus, que se torna visível por meio de sinais concretos que mostram que Jesus é o Messias. É uma nova realidade que entrou no centro da história e que afeta a vida humana, não somente moral e espiritualmente, mas também física e psicologicamente, material e socialmente. Antecipando a consumação escatológica do final dos tempos, ele foi inaugurado na pessoa e obra de Cristo. Está ativo no meio do povo, ainda que possa ser percebido na perspectiva da fé (Lc 17.20-21). A consumação do propósito de Deus ser realizará no futuro, mas aqui e agora é possível vislumbrar a realidade presente do Reino.
À luz das manifestações visíveis do Reino de Deus, pode-se entender a proclamação do Reino por parte de Jesus. Seu anúncio: “O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15) não é uma mensagem verbal dada isoladamente dos sinais que o confirmam, é, antes, boa-nova acerca de algo que se pode ouvir e ver. Segundo as palavras de Jesus, (a) é uma notícia acerca de um fato histórico, um evento que se está realizando e que afeta a vida humana de muitas maneiras; (b) é uma notícia de interesse público, relacionada com toda a história humana; (c) é uma notícia relativa ao cumprimento das profecias do Antigo Testamento (o malekut Iahweh aunciado pelos profetas e celebrado por Israel tornou-se uma realidade presente); (d) é uma notícia que suscita arrependimento e fé; (e) é uma notícia que resulta na formação de uma nova comunidade, constituída por pessoas chamadas individualmente.
O sentido exato em que o Reino de Deus chegou, pode ser visto na história da obra de Jesus, que se desenvolve em seguida ao anúncio do Reino. Nele e por meio dele o Reino de Deus tornou-se uma realidade presente.
2. O REINO E A IGREJA
O Novo Testamento apresenta a Igreja como a comunidade do Reino, a comunidade que reconhece a Jesus como Senhor do universo, por meio da qual, numa antecipação do fim, o Reino se manifesta concretamente na história.
Os termos Messias e comunidade messiânica são correlatos: se Jesus é o Messias, como afirmou ser, então não surpreende que, entre outras coisas, ele se tenha rodeado de uma comunidade que reconhecia a validade de sua afirmação. Basta uma análise superficial da evidência para concluir que de fato foi assim. Em seu ministério, ele convidou homens e mulheres a deixar tudo para segui-lo (Lc 9.57-62; 14-25-33; Mt 10.34-38). Aqueles que seguiram o seu chamado constituíram o “pequenino rebanho” ao qual o Pai deseja dar o Reino (Mt 26.31; Lc 12.32). Eles serão reconhecidos por Jesus na presença do Pai que está nos céus (Mt 10.32ss). São sua família, mais próximos a ele que seus próprios irmãos e mãe (Mt 12.50).
A referencia de Jesus a esta comunidade messiânica como “minha igreja” (Mt 16.18) se ajusta perfeitamente com um propósito de sua missão: sua intenção de rodear-se de uma comunidade própria, na qual as promessas do pacto de Deus com Israel estabelecerá uma igreja que seja caracteristicamente sua, sugere a relação entre a igreja e sua messianidade; somente depois que seus discípulos o tenham reconhecido como Messias, ele anuncia-lhes sua intenção. Ele é o Messias, em quem o Reino de Deus se tornou realidade presente. A igreja é a comunidade que surge como resultado de seu poder real. Sendo assim, é óbvio que a igreja não deve ser equiparada com o Reino.
Como diz Ladd:
Se o conceito dinâmico do Reino estiver correto, nunca deverá ser identificado com a igreja (…) Na terminologia bíblica, o Reino não se identifica com seus sujeitos. Estes são o povo de Deus que ingressa no Reino, vive sob seu mando e é governado por ele.A igreja é a comunidade do Reino, mas nunca o próprio Reino (…) O reino é o reinado de Deus, a igreja é uma sociedade de pessoas. (NOTA 5. George E. Ladd. A theology of the New Testament. Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1974, p.111; em português: Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1985).
Segundo o propósito de Deus de Pentecostes o Reino de Deus continuaria como uma realidade presente por meio do dom do Espírito Santo. Isto está claro pelo fato de que, quando os discípulos de Jesus lhe perguntaram: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel”, ele respondeu: “Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade;mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo (…)” (At 1.6-8). O Espírito Santo é, portanto, o agente da escatologia em processo de realização. O Reino de Deus que irrompeu na história em Jesus Cristo continua atuando por meio do Espírito Santo.
A Igreja é o resultado da ação de Deus por meio do Espírito. Ela é o corpo de Cristo e, como tal, a esfera na qual opera a vida da nova era iniciada por Jesus Cristo; o Espírito Santo é o agente por meio do qual esta vida é ortogada aos crentes (2 Co 2.4ss). Isto significa que a igreja não é primordialmente uma organização, mas um organismo cujos membros estão unidos pela ação do espírito. “Um corpo” correspondente a “um Espírito” (Ef 4.3-4).
Não se pode exagerar a importância desta relação entre o Espírito Santo e a igreja para a compreensão correta da relação entre o Reino de Deus e a Igreja. A Igreja depende do Espírito para sua própria existência. Suas palavras e ações são meramente o meio para manifestação presente do Reino de Deus, e não podem ser explicadas plenamente como palavras e ações humanas. O Reino de Deus não pertence exclusivamente ao futuro. Ele é também uma realidade presente, manifestada na comunidade cristã, que é “habilitação de Deus no Espírito” (Ef 2.22). A Igreja não é o Reino de Deus, mas o resultado concreto do Reino. Ela leva as marcas de sua existência histórica, do “ainda não” que caracteriza o tempo presente.
Mas aqui e agora ela participa do “já” do Reino que Jesus iniciou.
Como a comunidade do Reino habilitada pelo Espírito Santo, a Igreja é claramente chamada a ser uma nova sociedade, uma terceira força junto com os judeus e gentios (1 Co 10.32). Ela não deve ser equiparada com o Reino, mas tampouco separada dele. Seu propósito é refletir os valores do Reino, aqui e agora, pelo poder do Espírito Santo. Não é ainda a “Igreja gloriosa”, mas sim “o Israel de Deus” (Gl 6.16), o povo de Deus chamado a confessar Jesus Cristo como Senhor e viver à luz desta confissão. Como Leslie Newbigin o expressa:
Somente a comunidade que começou a experimentar (ainda que seja apenas inicialmente) a realidade do Reino pode prover a hermenêutica da mensagem (…) Sem a hermenêutica desta comunidade vivente, a mensagem do Reino somente pode se converter numa ideologia e num programa: não será o evangelho. (NOTA 6. Leslie NEWBIGIN. Sign of the Kingdom. Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1980, p.19).
3. MISSÃO E BOAS NOVAS
Já que o Reino foi inaugurado por Jesus Cristo, não é possível entender corretamente a missão da igreja independentemente da missão de Jesus. È a manifestação, ainda que não completa,do Reino de Deus tanto por meio da proclamação como por meio da ação e do serviço social. O testemunho apostólico continua sendo o testemunho do espírito acerca de Jesus Cristo, por meio da Igreja. Deus que “colocou todas as coisas debaixo dos seus pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.22-23). Como comunidade do Reino, a Igreja confessa e proclama ao Senhor Jesus Cristo. Ela também realiza boas obras que Deus preparou de antemão para que as faça, para o que Deus a criou em Jesus Cristo (Ef 2.10). É verdade que “por meio dos escritos apostólicos, Jesus e os apóstolos continuam falando”; (NOTA 7. Arthur P. JOHNSTON. El Reino en relación a la iglesia y el mundo.Palestra apresentada na Consulta sobre a relação entre evangelização e responsabilidade social, realizada em Grand Rapids de 19 a 26 Junho de 1982, na p.28).é igualmente verdade que por meio da igreja e de suas boas obras o Reino de Deus se torna historicamente visível como uma realidade presente. As boas obras, portanto, não são um mero apêndice da missão, mas uma parte integral da manifestação presente do reino: elas apontam para o Reino no que já veio e para o Reino que está por vir.
Isto não significa, obviamente, que as boas obras – os sinais do Reino – necessariamente persuadirão os não-crentes acerca da verdade do evangelho. Mesmo as obras realizadas por Jesus foram por vezes rejeitadas. Suas palavras foram igualmente rejeitadas. Conseqüentemente, não devemos interpretar a missão cristã de tal modo que deixemos a impressão de que a proclamação verbal é “por si só persuasiva aos não-crentes”, enquanto os sinais -as boas obras –não o são. (NOTA 8. Arthur P. JOHNSTON. Op cit., p. 29; cf.p.44) Nem o ver nem o ouvir necessariamente produzem fé. Tanto a palavra como a ação apontam para o Reino de Deus, mas” (…) ninguém pode dizer: Senhor Jesus! Senão pelo Espírito Santo” (1 Co 12.3).
4. O REINO DE DEUS E O MUNDO
Segundo o Novo Testamento, todo o mundo foi colocado sob o senhorio de Jesus Cristo. A esperança cristã se relaciona com a consumação do propósito de Deus de unir todas as coisas no céu e na terra sob o mando de Cristo como Senhor, e de libertar a humanidade do pecado e da morte em seu Reino.
O Cristo que a Igreja reconhece como Senhor é o Senhor de todo universo. Nesta afirmação de seu senhorio universal, a Igreja encontra a base para sua missão. Cristo foi coroado como Rei, e sua soberania se estende sobre a totalidade da criação. Como tal, ele comissiona os seus discípulos a fazerem discípulos de todas as nações (Mt 28.18-20).
A igreja é a expressão do senhorio universal de Jesus Cristo, a manifestação concreta do Reino de Deus. Que Jesus é “Senhor de todos” significa não somente que ele seja soberano sobre a humanidade, mas que no tempo presente concede as bênçãos do Reino de Deus a todos os que invocam seu nome (Rm 10.12). “Que ele é o cabeça sobre todas as coisas” é importante porque como tal ele recebeu domínio sobre a Igreja, de modo que esta seja “ a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.22). Como Senhor exaltado, cuja autoridade se estende por todo o universo, ele deu a seu povo dons para capacita-lo para crescer como uma unidade orgânica, de modo que possa imitar o modelo da humanidade realizado perfeitamente em sua pessoa (Ef 4.10ss). Ele é o primogênito de toda a criação por causa do seu papel como sabedoria de Deus, e ao mesmo tempo é o primogênito da nova criação por causa de sua ressurreição (Cl 1.15,18). Ele é o “cabeça de todo principado e potestade” (Cl 2.10) e ao memso tempo “a cabeça do corpo, a igreja” (Cl 1.18; cf Ef 5.23), a cabeça da qual a igreja recebe sua vida (Cl 2.19). Pela morte de Cristo, Deus quis reconciliar consigo “todas as coisas” (Cl 1.20), e “no corpo da sua carne, mediante sua morte”, reconciliou os crentes a fim de apresenta-los “santos, inculpáveis e irreprensíveis” perante ele (Cl 1.22). O fato de que ele esteja “à direita da Majestade nas alturas” não somente se relaciona com sua proeminência como o Rei mediador de toda a criação, mas aponta para seu ministério de intercessão em favor de seu povo (Hb 1.3,10,12; Rm 8.34).
Esta ênfase central do Novo Testamento nos leva à conclusão de que a Igreja, para ser compreendida corretamente, deve ser vista no contexto do propósito universal de Deus em Cristo Jesus. A intenção de Deus é “fazer convergir nele (…) todas as coisas, tanto as do céu como as da terra” (Ef 1.10). O “segredo revelado” está sendo realizado já na Igreja, cuja confissão de Jesus Cristo antecipa o cumprimento do propósito de Deus de que “(…) ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.10-11). Falar de Reino de Deus é falar de um evangelho universal – uma mensagem centrada no Filho que foi enviada pelo pai para ser o “Salvador do mundo” (1 Jo 4.14).
O fato de que o propósito de Deus inclua todo o mundo não significa que todos os homens e mulheres automaticamente pertençam ao Reino. O Reino de Deus é uma ordem escatológica à qual se deve entrar, e ninguém pode entrar nela sem reunir certas condições (Mt 5.20; 7.21; 18.3; 19.23; Mc 10.23ss). Conseqüentemente, a proclamação do Reino de Deus não é meramente a proclamação de um fato objetivo com respeito ao qual todos devem ser informados; é antes, simultaneamente a proclamação de um fato objetivo e um convite à fé.
No entanto, à luz do propósito universal de Deus não é possível entender a relação do mundo não é possível entender a relação do mundo com o Reino exclusivamente em termos da providencia de Deus. Com a vinda de Jesus Cristo, todo o mundo foi colocado sob o sinal da cruz e isso significa não somente juízo, mas também graça. Porque Cristo morreu e ressuscitou, o mundo já não pode ser visto meramente como a humanidade sob o juízo de Deus. Seu “ato de justiça” tem dimensões universais. Por que “assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça, a vida” (Rm 5.18). O evangelho continua sendo a proclamação de um evento que afeta a totalidade da vida humana.
Conseqüentemente, não basta dizer que Deus “providencialmente reina supremo e conduzirá toda a história ao cumprimento de seus propósitos em sua criação”, (NOTA 9. Arthur P. JOHNSTON. Op. cit., p.17) como se a obra de Cristo fosse totalmente irrelevante em relação à maneira com que Deus cumprirá seu propósito para a história. Cristo foi exaltado como Senhor. Ele deve exercer seu reinado –deve reinar- até que todos os seus inimigos, incluindo a morte, tenham sido colocados debaixo dos seus pés.
“Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos.” (1 Co 15.28).
O Deus da redenção é também o criador e juiz de toda a humanidade que deseja a justiça e a reconciliação para todos. Seu propósito para a igreja, portanto, não pode ser separado de seu propósito para o mundo. A igreja só é corretamente entendida quando vista como sinal do Reino universal de Deus, os primeiros frutos da humanidade redimida. Aqui e agora,, em antecipação do fim, na igreja e por meio dela, todo o mundo é colocado sob o senhorio de Cristo, e portanto, sob a promessa de Deus de um novo céu e uma nova terra no Reino de Deus. Não se pode ler o Novo Testamento e tentar entender a Igreja à parte do propósito de Deus para a humanidade e para a história, do qual ela deriva seu significado. No entanto, a universalidade do evangelho não significa que todos participarão no Reino de Deus, mas que a Igreja proclamará o Reino a todos (cf. At 1.8;19.8; 28.23). A redenção da criação é inseparável da “revelação os filhos de Deus”; sua libertação é inseparável da “liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.19-21). Em outras palavras, na perspectiva do Novo Testamento, o significado cósmico da igreja. Esta não é uma seita composta por umas poucas almas resgatadas do tumultuoso mar da história, mas a minifestação cósmica da multiforme sabedoria de Deus, que criou todas as coisas (Ef 3.9-10), o “novo homem” em quem se reproduz a imagem do segundo Adão (Ef 2.15; 4.13; 1 Co 15.45), os primeiros frutos da nova humanidade (Tg 1.18).
Falar do Reino de Deus em relação ao mundo não é somente afirmar a providência de Deus, mas falar do Rei-Mediador Jesus Cristo, cujo Reino se faz visível (mesmo que ainda não em sua plenitude) na comunidade que confessa seu nome. È também confirmar que Deus tem um propósito para a história, o mesmo que provê sentido e direção à missão da Igreja aqui e agora. Deus está ativo para realizar o seu propósito para com a criação. A Igreja no poder do Espírito proclama a salvação em Cristo e planta sinais do Reino, entregando-se sempre inteiramente à obra do Senhor, sabendo que seu labor no Senhor não é em vão (1 Co 15.ç58).
CONCLUSÕES
1. Tanto a evangelização como a responsabilidade social podem ser entendidas unicamente à luz do fato de, que, em Cristo Jesus, O Reino de Deus invadiu a história e agora é uma realidade presente e ao mesmo tempo um “ainda não”. Neste sentido, O Reino de Deus não é “o melhoramento social progressivo da humanidade, segundo o qual a tarefa da Igreja é transformar a terra em céu, e isto agora”, nem “o reinado interior de Deus presente nas disposições morais e espirituais da alma, com sua base no coração”. (NOTA 10. Destes conceitos, Johnston rejeita o primeiro e aceita o segundo. Como observou corretamente Joachin Jeremias, “nem no judaísmo nem em parte alguma do Novo Testamento encontramos algum exemplo, no coração; esta interpretação espiritualista fica descartada tanto para Jesus como para a tradição cristã primitiva” – New Tstament Theology: The proclamation of Jesus. Londres: SCM Press, 1971, p. 101. Em castelhano: Teologia del Nuevo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1974). Antes, ele é o poder de Deus, liberto na história, que traz boas novas aos pobres, liberdade aos cativos, vista aos cegos e libertação aos oprimidos.
2. A evangelização e a responsabilidade social são inseparáveis. O evangelho é boa nova acerca do Reino de Deus. As boas obras, por outro lado, são so sinais do Reino para as quais fomos criados em Cristo Jesus. A palavra e a ação estão indissoluvelmente unidas na missão de Jesus e de seus apóstolos, e devemos mantê-las unidas na missão da Igreja, na qual se prolonga a missão de Jesus até o final do tempo. O Reino de Deus não é meramente o governo de Deus sobre o mundo por meio da criação e da providência; e esse fosse o caso, não poderíamos afirmar que foi inaugurado por Jesus Cristo. O Reino de Deus é, antes, uma expressão do governo final de Deus em toa a criação, o mesmo que, em antecipação ao fim, se fez presente na pessoa e obra de Jesus Cristo. Tanto a proclamação do Reino como os sinais visíveis de sua presença por meio da Igreja se realizam pelo poder do Espírito – o agente da escatologia em processo de realização – e apontam para sua realidade presente e futura.
A necessidade mais ampla e mais profunda de todo o ser humano é um encontro pessoal co Jesus Cristo, o Mediador do Reino. “Deus é o mesmo Senhor de todos e abençoa muito a todos os que pedem a sua ajuda. Como dizem as Escrituras Sagradas: “Aquele que pedir ajuda do Senhor será salvo”. (Rm 10.12-13, LH). Nesta perspectiva, e somente nela, é possível afirmar que “o serviço de evangelização abnegada figura como a tarefa mais urgente da Igreja” (Pacto Lausanne, seção 6), e o evangelho é boa-nova acerca do Reino, e o Reino é o domínio de Deus sobre sua totalidade da vida. Cada necessidade humana, portanto, pode ser usada pelo espírito de Deus como o ponto de partida para a manifestação de seu poder real. Por isso, na prática é irrelevante perguntar qual vem primeiro, a evangelização ou a ação social. Em cada situação concreta, as próprias necessidades provêem a definição das prioridades.
Se a evangelização e a ação social são consideradas essências na missão, não necessitamos de um manual que nos diga qual vem primeiro e qual vem depois. Por outro lado, se não são considerados essenciais, o esforço para entender a relação entre elas é um exercício acadêmico inútil; tão inútil como tentar entender a relação entre a asa esquerda e a direita de um avião, quando se acredita que um avião pode voar com uma asa só. E quem pode negar que a melhor maneira de entender a relação entre duas asas de um avião é voar nele, ao invés de especular a respeito?
3. De acordo com a vontade de Deus, a Igreja é chamada a manifestar o Reino de Deus aqui e agora, tanto através daquilo que ela faz, como através do que proclama. Porque o Reino de Deus já veio e está por vir;a Igreja “entre os tempos” é uma realidade escatológica e histórica. Se não manifesta plenamente o Reino, isto não se deve a que o Reino dinâmico de Deus tenha invadido a presente era “sem a autoridade ou o poder para transformá-la na era vindoura”, (NOTA 11. Arthur P. JOHNSTON. Op cit., p. 23), mas porque a consumação não chegou ainda. O poder que está ativo na igreja, no entanto, é como a operação do poder de Deus, o qual “exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o sentar a sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado e potestade, e poder, e domínio, e de todo o nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro” (Ef 1.20-21). A missão da Igreja é a manifestação histórica deste poder por meio da palavra e da ação, no poder do Espírito Santo.
5. Por sua morte e ressurreição, Jesus Cristo foi exaltado como Senhor do universo. Conseqüentemente, todo o mundo foi colocado sob seu senhorio. A Igreja antecipa o destino de toda a humanidade. Entre os tempos, portanto, a Igreja – a comunidade que confessa a Jesus Cristo como Senhor e através dele reconhece a Deus como criador e juiz de todos os homens – está chamada a “participar dessa solicitude divina pela justiça e reconciliação em todas as sociedades humana, e pela libertação do homem de toda forma de opressão” (Pacto de Lausanne, seção 5). A entrega de Jesus Cristo é entrega a ele como Senhor do universo, o Rei diante do qual todo joelho se dobrará, o destino final da história humana. Mas a consumação do Reino de Deus é a obra de Deus. Nas palavras de Wolfhart Pannenberg, “O Reino de Deus não será estabelecido pelo homem. Muito enfaticamente, ele é o Reino de Deus (…) O homem não é exaltado, mas degradado quando se torna vítima de ilusões acerca de seu poder” (NOTA 12. Wolfhart PANNENBERG, Theology of the Kingdom of God. Ed. Richard John Neuhaus. Filadelfia: Westminster Press, 1974, p. 91; em espanhol: Teologia y reino de Dios. Salamanca: Síngueme, 1974).
PADILLA, René “ A Missão da Igreja à Luz do Reino de Deus”, pág. 117 à 134. “A Serviço do Reino, Um Compêndio Sobre a Missão Integral da Igreja”, Editor STEUERNAGEL, Valdir, Editora Missão Mundial, Belo Horizonte, 1992, 312 páginas.
C. René Padilla, 72 anos, é um dos maiores Teólogos Latino Americanos vivos e o grande divulgador da Teologia de Missão Integral nos últimos 35 Anos. Sua participação no Congresso de Lausane em 1974 deu novos rumos À teologia do Sec. XX
Fonte: http://www.igrejadocaminho.com.br/artigos/default.asp?nr=306
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