O Papel na parede

Autor: Carlos Siqueira

A tarde estava quente e convidativa para um passeio na praça, as crianças ansiosas por entrar no carro, todos acomodados, quando derepente uma visão destoava à frente da casa. Havia uma folha de papel a4 e algumas figuras recortadas coladas na fachada da frente, logo abaixo da janela gradeada da sala. O pai de imediato olhou para a mãe, no banco do carona, e interrogou-a: viu o que a sua filha fez? Pode deixar papai eu já chamei a atenção dela, não precisa falar de novo. A menina no banco de trás, com cara de assustada não entendia o motivo do espanto por estar o seu trabalhinho de escola, aborrecendo os pais, haja vista que os mesmos constantemente elogiavam-a por trabalhos tão bonitos! Esta cena pode parecer algo que apenas demonstre a arte de uma menina de cinco anos de idade, que gosta de desenhar e colocar desenhos na parede da casa, pois crianças fazem coisas que adultos quase nunca entendem, pois já deixaram de ser crianças faz muito tempo, mas esta cena era repetitiva, pois na semana anterior a menina havia colocado outro trabalhinho escolar na porta de entrada da casa, onde todos que entrassem pelo corredor de entrada, veriam de imediato a sua obra de arte. Gostaria de avaliar com este tema , as impossibilidades de enxergar as motivações de situações que acontecem em nosso território de domínio , por parte de pessoas que pensávamos conhecer em profundidade. Aprendendo que as coisas podem ser diferente daquilo que julgamos e na maioria das vezes estamos tomando atitudes erradas, por uma visão errada das circunstâncias. Aquilo que parece ser pode não ser da seguinte forma, basta ter calma e avaliar a situação pelos olhos do outro.
Às vezes somos invadidos por um sentimento de revolta com algumas pessoas, pois recebemos informações que não estão de acordo com aquilo que esperamos delas, fica complicado lidar com a mágoa, pois a nossa imaginação encontra território fértil, ao colocar imagens em decorrência de sugestões que surgiram em função das coisas que habitam o nosso coração.
Ter uma visão correta das coisas está implícito ver segundo a visão do outro e na maioria das vezes somos vitimizados por aquilo que julgamos não merecer, sendo a traição o agente motivador da revolta.
O pior de tudo isto é que descobrimos que somos traídos constantemente não pelos outros, mas pelo nossos julgamentos errados das situações, que nos levam a trilhar caminhos de amargura tendo como companhia a solidão. Podemos iniciar meditando no fator realização pessoal, pois quem é realizado a princípio tem atitudes que nunca vão de encontro com o todo, pois vivemos em uma geração de insatisfeitos com a vida, falamos mais das coisas que gostaríamos de fazer doque das coisas que fazemos . Normalmente esperamos algo que aconteça para depois disto encontrar a felicidade, nunca avaliamos a possibilidade do agora, pois alguém só pode ser feliz se de antemão se apropriar da vitória e na maioria das vezes atingimos os objetivos sem o gosto da realização, pois desaprendemos a crer nas situações, nas pessoas e por fim em nós mesmos. Felizardos são aqueles que aprenderam com os infortúnios ou com o retroceder, uma maneira de tomar impulso para ir bem mais adiante.
As crianças a princípio ainda não conhecem a limitação, pois na maioria das vezes possuem uma liberdade , que embora fantasiosa , divaga na segurança fornecida pelos pais. Uma família que está aberta a ouvir os filhos, possivelmente encontrará filhos dispostos a ouvir a voz de um Deus que nos ouve. Aquela menina vibrava com os seus trabalhinhos não pelo fato deles serem obras de arte, mas pela valorização que encontrava por parte dos pais , professores e parentes próximos , que agiam como educadores, mostrando que o fruto do nosso trabalho é admirável. Quando Deus criou o mundo ele parou e refletiu em sua obra e o texto declara que ele viu que era bom tudo que fazia, por isto a auto avaliação é um dom de Deus que nos leva ao aprimoramento pessoal e logicamente a realização pessoal. A diferença é que Deus não precisa de tapinhas nas costas , mas nós seres humanos, nos sentimos valorizados com o reconhecimento alheio e muitas vezes como crianças precisamos mostrar para o mundo que aquilo que elaboramos é bonito de se ver. A criança com a sua realização buscava paulatinamente uma maneira de ser vista pelo mundo, pois havia adquirido a afirmação em não ter medo de mostrar-se ao mundo, pois por mais que alguns não quisessem ou viessem a dizer ao contrário, ela já possuía uma autoimagem formada, ela havia conseguido vencer a sua timidez em se mostrar pelos seus trabalhinhos. Às vezes encontramos adultos que se envergonham de mostrar os seus trabalhinhos, pois preferem colar para obter a imagem do coletivo doque se arriscar em ser aquilo que verdadeiramente é. Aprendemos com a criança que não devemos nos calar, pois o silêncio tem acompanhado o ser humano desde a época de adão, e aliás onde ele estava quando Eva foi tentada? A serpente conseguiu trocar o maior papo com a sua mulher e conduzi-la ao erro e posteriormente levá-los para fora da presença de Deus, onde encontraria espinhos e abrolhos, para comer com seu próprio suor o fruto da terra.
A vida mansa acabou pois na hora de falar não falou, se omitiu e quem cala consente.
Estamos consentindo uma vida medíocre por não ousarmos mostrar aquilo que somos, pois tememos na realidade não sermos aceitos, pois aquilo que se exige do ser humano na atualidade como notoriedade, exibe uma incoerência com a nossa natureza que se caracteriza pela franqueza, incerteza e estética. Somos fracos por consistência física, não possuímos casca protetora, nossa carne é frágil, sangramos a qualquer impacto; perdemos o rumo existencial, mas precisamos mostrar ser conhecedores de tudo e de todos, sem temer o futuro ou as intimidações; o pecado tirou de nós a formosura que apresentávamos antes da queda, agora envelhece e morre pois os órgãos não resistem com o tempo e as doenças genéticas, psicossomáticas e infecto contagiosas, que constantemente estão dizimando a nossa raça, que embora avançada na ciência se perde nas masmorras da moral falida. Aprendemos que infelizmente o meio apresenta ineficácia para a demonstração dos nossos sonhos e realizações, pois as pessoas não percebem a nossa comunicação, muito embora sejamos às vezes explícitos naquilo que queremos.
A menina colou o trabalhinho na frente da casa e as pessoas apenas atentavam para a pintura que estava danificada; algumas vezes exteriorizamos o melhor de nós para os relacionamentos e na vida diária com os desconhecidos, mas a interpretação daquilo que nos parece belo e elogiável, encontra por parte dos outros a incapacidade de apreciar a nossa alegria até em abençoá-las , pois nem toda boa intenção redunda em benefício alheio , mas na maioria das vezes em frustrações próprias por não ser interpretado de maneira amigável pela vida. Vez ou outra deparamos com pessoas que desistiram de viver, pois a ineficácia da comunicação, impossibilita-as de desejarem um novo objetivo, pois o silêncio daqueles que pretendemos alcançar nos coloca em impotência e frustração. Esta experiência é projetada na pessoa de Deus e por isto muitos desistem da fé, acreditando que a decepção humana é conseqüência da quebra da comunicação com Deus que não aprova a sua pessoa, daí , alguns caírem em profunda introspecção ,em um silêncio que não podemos sondar, onde a solidão e o isolacionismo encontram um campo fértil, para uma imaginação que não encontra repouso e segurança fora de si mesmo, sem uma avalanche de acusações. Aprendemos com a criança que o abismo ideológico é intransponível, quando colhemos a agressão daqueles que nos interpretaram segundo a sua perspectiva do fenômeno, sem avaliar com empatia as motivações oriundas quer seja do silêncio, do grito, ou da dor. Uma ideologia é uma instituição que estabelece comportamentos que não pode
m ser definidos como certo ou errado, apenas conflitantes, que estabelecem a paz , a guerra ou a tolerância com aqueles que não compreendemos perfeitamente. Fica agora a certeza do tesouro que queremos dividir com aqueles que não conseguem perceber a sua beleza, pois possuímos valores diferentes referentes a realizações, daí verificarmos que o tesouro não se pode dar a qualquer um, pois ele é tesouro apenas para aquele que o descobriu e o seu sofrimento redunda em torno da ótica imperceptível por parte daqueles que desejamos abençoar. Este ponto de percepção traz a existência um novo ser que se descobre, diferente em um meio onde todos pensam que já sabem tudo que deveriam saber, que vivem desapercebidos com as novidades que acontecem, que não levantam mais a cabeça para ver positivamente e sim apensas com tristeza, ocasionada pelos sucessivos infortúnios decorrentes da sua cegueira espiritual, pois o papel na parede estabelece a quebra de um antigo paradigma, que foi aceito sem questionamento e por isto acomodaram-se ao anonimato sem a investigação. Seres que vivem enquanto o tempo passa, levando com eles não apenas uma idade que jamais voltará, mas principalmente a incapacidade de aprender com uma criança, que não quer se submeter ao dia a dia frustrante, que tirou daqueles feitos a imagem e semelhança de Deus, a capacidade de sonhar e fazer trabalhinhos que valem apenas mostrar ao mundo inteiro, pois ainda não conhecem o sentido intimidador das impossibilidades, decorrentes de uma estória que não mais acredita que tenha o direito de tentar.

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