Uma nova "aliança" evangélica?

Autor: Klênia Fassoni e Lissânder Dias
No dia 14 de dezembro, cerca de 90 líderes de diversos movimentos, associações, organizações e redes evangélicas reuniram-se na Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, SP. Na pauta estava a proposta de formação de uma aliança que agregue organizações, movimentos, denominações e redes evangélicas no Brasil.

Na reunião que durou cerca de cinco horas os presentes refletiram coletivamente acerca da proposta da Carta de Princípios da Aliança feita pelo grupo de trabalho que tem se encontrado há cerca de seis meses. O consenso é que foi dado mais um passo rumo à formação da aliança. “O grupo era grande e heterogêneo. Isso trouxe à tona muitas ideias, inclusive excludentes [entre si]. Mas na diversidade havia o forte desejo que nos fizéssemos representados, ecoando em unidade a nossa voz, não para mostrar poder, mas em serviço a Deus, à sociedade e à Igreja”, disse Silas Tostes, presidente da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) e integrante do Grupo de Trabalho. Para Débora Fahur, da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS), “conseguimos cumprir esta primeira etapa. O encontro cumpriu seu papel informativo, de compartilhamento e oração em conjunto”. Débora apresentou ao público o modelo de funcionamento em rede de RENAS.

O espírito da reunião poderia ser visto na carta-convite enviada por Valdir Steuernagel, representante da Visão Mundial Internacional e facilitador da reunião: “O propósito desta reunião é buscar a direção de Deus e o discernimento do Corpo de Cristo quanto ao estabelecimento de uma espécie de aliança em rede por parte de segmentos expressivos da caminhada evangélica brasileira. Olhamos para esta reunião com gratidão e temos recebido muita afirmação, mesmo daqueles que não puderam estar conosco hoje, mas estão imbuídos do compromisso de apoiar esta proposta”.

Os sentimentos de gratidão e alegria pela receptividade da proposta estavam transparentemente misturados aos sentimentos de temor e de incerteza. Alguns expressaram seu desconforto pela história antiga da última tentativa de se reunirem os evangélicos em Aliança e outros relembraram fatos recentes relacionados aos evangélicos que causam vergonha à causa do evangelho.

Serviço e representatividade
A reunião foi dividida em duas partes. O pastor batista Ed René Kivitz, anfitrião do grupo, fez uma pequena devocional. Ele relembrou o Sermão do Monte e reforçou que as figuras usadas por Jesus para falar de seu reino são de fermento na massa, de subversão, e não de poder e de ocupar os espaços temporais. “Os evangélicos muitas vezes têm preferido o caminho da força, da presença, do glamour. [Por este motivo] têm sentimentos ambíguos com relação a uma possível aliança. Precisamos de numa rede que se articule para chamar a igreja para o serviço. E não para representatividade. Não é para trabalharmos ‘por nós’, mas sim mobilizarmos as igrejas para esta bem-aventurança [compaixão e solidariedade]. O sal que é sal, e a luz que é a luz atuam independentemente de lhe darem voz e vez.”

A segunda palavra foi do sociólogo Paul Freston, que inicialmente relembrou que o Brasil tem hoje a segunda maior comunidade de protestantes praticantes do mundo. Falou sobre os contextos que envolvem a busca pela unidade da igreja: “A igreja historicamente sempre esteve desunida. Ela só se uniu quando viveu debaixo de pressões políticas, como, por exemplo, no governo romano de Constantino [no quarto século d.C.]. No atual cenário mundial, o protestantismo tem desteologizado a organização eclesiástica, temos feito uma distinção entre teologia e organização eclesiástica. Isto gera um pluralismo institucional, uma fragmentação”. Para Freston, inevitavelmente os projetos de unidade serão chamados (pelos de fora da igreja) para exercerem a função de representatividade pública. “Funções públicas vão acontecer. As instâncias sociais querem saber o que os evangélicos estão fazendo e pensando. E não há interlocutor. Este vazio será certamente preenchido por alguém. Como fazer isto sem ingenuidade sociológica, mas sem perder o idealismo do evangelho?”. É o grande desafio do grupo que está pensando este projeto.

“A representatividade não é uma escolha; é uma consequência sociológica”, afirmou o bispo anglicano Dom Robinson Cavalcanti, quando houve a abertura para perguntas e comentários do público.

A primeira parte da reunião foi encerrada com um rico momento de oração dirigido por Durvalina Bezerra, diretora do Seminário Betel Brasileiro. Foram feitas orações em favor da unidade da Igreja, do testemunho dos evangélicos, da integridade das famílias e das lideranças, da Aliança a ser criada — para que seja de fato um movimento catalisador para a unidade em Cristo –, da igreja comprometida. Houve também um momento de gratidão pelas boas coisas que Deus tem feito por meio da e na igreja brasileira. De mãos dadas os presentes fizeram a oração do Pai Nosso.

Carta de Princípios
Na segunda parte, os participantes foram divididos em grupos de sete pessoas cada com o objetivo de discutir a Carta de Princípios, o arranjo institucional e o nome para a aliança. Antes da divisão, Silas Tostes leu e comentou trechos do documento. Ele esclareceu que esta é a quinta versão da proposta que vem agregando contribuições de diferentes segmentos. Segundo ele, a aliança também considera a possibilidade de aceitar pessoas físicas e igrejas locais para compô-la, mesmo que em diferentes categorias de membresia.

O primeiro parágrafo da proposta da Carta de Princípios diz que a aliança é uma “rede que visa ser expressão de unidade de cristãos evangélicos no Brasil e de ação, reflexão e posicionamento evangélico em questões éticas e de direitos humanos”. As discussões nos grupos pequenos giraram em torno da necessidade de deixar mais clara a identidade da aliança e de ampliar a sua plataforma de ação. “A aliança quer expressar a unidade, mas com qual objetivo?”, perguntou o relator de um dos grupos pequenos. “Além das questões éticas e de direitos humanos, podemos incluir questões teológicas”, disse outro grupo. “Antes de decidir sobre a estrutura, vale a pena termos um tempo maior para pensarmos o que exatamente queremos dizer para a sociedade”, afirmou o pastor presbiteriano Ricardo Agreste. Os grupos relataram em plenário as suas conclusões que foram devidamente registradas. Os presentes concordaram que o grupo de trabalho atuante continue com a mesma composição.

Considerando a rica discussão em torno da proposta, Valdir Steuernagel admitiu que ainda será preciso caminhar um pouco mais quanto à fundação da aliança. “Fica definido que a próxima reunião ainda não será a assembleia fundadora. Reconhecemos a necessidade de continuarmos conversando e de aglutinar mais pessoas em torno da proposta”, finalizou Valdir.

A lista de presentes à reunião (e, por conseguinte, a dos ausentes) daria uma matéria à parte: ao lado de líderes nacionalmente reconhecidos, havia jovens e líderes de organizações e redes menores. A presença das mulheres era pequena: cerca de 15, menos de 20% dos presentes. Havia pouquíssimas lideranças vindas ou representativas de ministérios fora do sudeste. Esta ausência foi notada e lamentada em função de que se pretende fazer um esforço por agregar líderes das regiões Norte e Nordeste. Apenas uma pessoa estava ali como representante de uma denominação, o que é revelador dos contornos institucionais da aliança em formação.

A Editora Ultimato, que tem apoiado o Grupo de Trabalho, estava presente à reunião.

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