Autor: José Barbosa Junior
Era uma tarde quente de domingo. Eu caminhava sozinho pela Avenida Rio Branco, naquele momento, deserta. Gosto de caminhar por ali e contemplar a bela arquitetura do centro do Rio de Janeiro. Aprecio as construções antigas, magníficas, sobranceiras. Muito da História do Rio de Janeiro e do Brasil passa por aquela e outras avenidas centrais da Cidade Maravilhosa. Como sou um apreciador das coisas da história, quando posso, dou-me o prazer de passar um bom tempo caminhando por ali.
Como estava muito quente resolvi tomar um sorvete (uma das minhas paixões proibidas por causa de minhas constantes faringites) num quiosque de uma famosa rede de Fast-food. De repente vi que não estava só. Aproximou-se um rapaz e foi logo me pedindo: “moço, me dá um sorvete… é que eu tô com fome”. Como eu estava com o dinheiro “contado” para voltar a Teresópolis, não pude atender o pedido daquele jovem, quase adulto.
Instantaneamente me pus a pensar: “peraí… a lanchonete está aberta…se ele realmente estivesse com fome teria me pedido algo para comer,e não uma “sobremesa”… sorvete não mata a fome…” e meu pensamento foi parar onde sempre pára nessas horas em que as coisas inusitadas me acontecem: na realidade da igreja. Na mesma hora senti que aquele era o quadro fiel de algumas igrejas que tenho conhecido. Estão querendo matar a “fome” com “sorvetes”.
Pensei em como a Palavra, verdadeiro alimento que realmente sacia a fome (nem só de pão viverá o homem, mas de toda Palavra…), tem sido trocada por meros “sorvetes” espirituais. Engraçado é que sorvetes geralmente são a sobremesa preferida das crianças. É difícil conhecer uma criança que não goste de se lambuzar de sorvete, e mais, elas são capazes de trocar pratos saborosos e nutritivos por uma pequena taça dessa guloseima doce e gelada.
Lembrei-me de Paulo dizendo aos Coríntios que gostaria de lhes dar alimento sólido, mas não podia e tinha que lhes dar leite, ainda eram meninos na fé, crianças espirituais. Lembrei-me do mesmo Paulo dizendo que o amor (que é superior a todos os dons) era coisa pra gente grande, pois quando era menino fazia as coisas de menino, corria atrás dos dons como se fossem fins em si mesmos, mas quando descobre que tudo aquilo não era nada sem amor, ele abandona as coisas de menino.
Alimentos sólidos… a Palavra… o Amor… coisas tão distantes da maioria de nossas igrejas e “bimbocas eclesiásticas”. O interesse pelas coisas que realmente dão “sustância” à nossa vida parece desaparecer à medida em que as novidades aparecem e chamam nossa atenção, e desviam nosso olhar daquilo que realmente é essencial.
“A coisa principal é fazer da coisa principal a coisa principal.” Ouvi essa frase em um dos sermões do Russell Shedd em que ele citava um escritor inglês que agora não lembro o nome. Como isso é verdadeiro!! A igreja tem dado lugar às coisas de menor importância em detrimento daquelas que são essenciais. A “coisa principal” há tempos deixou de ser a coisa principal.
Veja nossos congressos, nossos seminários, nossas cruzadas (detesto essa palavra pois me remete à Idade Média e as atrocidades feitas em nome de Deus). As “estrelas” não são os pregadores da Palavra, na verdade em muitos desses eventos as pessoas nem perceberiam se não houvesse pregação da Palavra, desde que saíssem de lá sentindo o “mover”, o “fluir” e a “unção”. Se houver algo para me emocionar, me fazer chorar, pular, gritar, melhor ainda afinal de contas, segundo um desses “maravilhosos” e medíocres cânticos a que somos entregues todo o dia, “o meu corpo é pra pular diante do Senhor”, ou pior, “faça o melhor… pule… grite…” … e tome sorvete pra criançada…
As palavras de Paulo são mais que atuais nesses nossos dias, são imprescindíveis. “Leite (sorvetes são feitos com leite) vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais.” Infelizmente essa ainda é a nossa realidade.
Que Deus nos ajude a amadurecermos, a prosseguirmos para o alvo, crescendo, até chegarmos à estatura de homem perfeito, deixando as coisas de criança e nos apegando àquelas que realmente nos edificam e nos alimentam, e que nunca mais sejamos crianças pedindo um sorvete pra matar a fome.
Que Deus mesmo nos faça crescer Nele.
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