Teologia da Libertação apenas uma experiência marginal?

Autor: Marcio Anatole de Sousa Romeiro




Se deixarmos de lado os primeiros anos da igreja católica, quando cidades como Antioquia, Constantinopla e Jerusalém tiveram forte influência na consolidação do Cristianismo, pode-se dizer que os estudos teológicos sempre estiveram vínculos profundos com a Europa, em geral, e com Roma em particular, que não por acaso é o centro do catolicismo latino.
Fato extraordinário foi o aparecimento, na América Latina, por volta da segunda metade do século XX, de um movimento teológico que ficou conhecido como Teologia da Libertação. Este movimento se inscreve no contexto tanto dos preparativos como dos desdobramentos do famoso Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) quando os católicos tentaram restabelecer o diálogo com a cultura moderna.
Para situar o surgimento da Teologia da Libertação é preciso ter consciência de que mesmo na Europa, nos anos que antecederam o Concílio, havia um forte apelo em favor da renovação dos métodos pelos quais a igreja se fazia presente no mundo. É neste contexto que ações junto aos operários, aos camponeses, as mulheres, aos jovens não somente se consolidaram como também ganharam o mundo. Servindo inclusive de base para se propor um modelo de igreja mais próximo dos pobres. Aliás o próprio termo Igreja dos Pobres não é estranho para alguns bispos e teólogos que tiveram um papel fundamental no Concílio.
De volta para suas respectivas dioceses, os bispos tratam de implantar as deliberações conciliares. Aqui na América Latina crescia a consciência de que o principal problema a ser enfrentado pela igreja não era de ordem filosófica (com o ateísmo, por exemplo), mas era de ordem econômica e, conseqüentemente, política (a pobreza). Em outras palavras, alguns setores da igreja descobrem que a injusta pobreza estrutural, na qual estavam mergulhadas as sociedades latino-americanas, era uma afronta ao amor de Deus e, portanto, a vivência da religião exigia a transformação da sociedade.
Foi assim que desafiado pela própria realidade e estimulado pelos bispos (primeiro na Conferência de Medelin – Colômbia, 1968 – e depois na Conferência de Puebla – México, 1979) surge a Teologia da Libertação.
Justamente por se tratar de uma reflexão de cunho pastoral vivida no interior das diferentes igrejas particulares os primórdios deste movimento teológico acontecem de forma livre, o que não impede a identificação de alguns marcos importantes como, por exemplo, o trabalho de teólogos com o peruano Gustavo Gutierrez autor do livro A força histórica dos pobres, ou dos brasileiros Hugo Assmman e Leonardo Boff que entre outras obras escreveram respectivamente Teologia desde la Práxis de la Liberación e Jesus Cristo Libertador.
O ponto central e original da Teologia da Libertação foi a opção preferencial pelos pobres. Trata-se, portanto, de uma perspectiva epistemológica pela qual se buscava não apenas visitar todo o patrimônio cultural e cientifico da teologia cristã mas também se queria, à luz desta opção, responder aos problemas que o mundo moderno coloca para a presença e ação da igreja no mundo. Não se esquecendo nunca de que o principal problema é a pobreza estrutural.
A consciência de que a pobreza estrutural é o principal problema a ser enfrentado permitiu estabelecer a interface entre as exigências religiosas, os desafios econômicos e os obstáculos políticos. Enquanto teologia, isto é, como reflexão sobre Deus, a Teologia da Libertação aceitou o desafio de revelar este mesmo Deus a partir do lugar social do pobre, o que não significa de forma alguma uma santificação romântica deste último, nem muito menos uma resignação frente a pobreza na qual vivem grandes segmentos da população brasileira.
Por outro lado, ao se perceber que a pobreza é um problema estrutural também se percebeu que sem transformações econômicas e políticas não haverá superação da pobreza e, conseqüentemente, um discurso sério sobre Deus.
Na opção pelos pobres, portanto, reside o ponto forte e, ao mesmo tempo, a fraqueza desta reflexão teológica. Seu ponto forte porque foi graças a criatividade do diferentes modos de presença juntos aos pobres e de solidariedade para com o empobrecidos que a igreja latino americana, principal protagonista da Teologia da Libertação, consegui estabelecer interlocução tanto internamente (com os diferentes segmentos da sociedade) quanto externamente (com as igreja e organizações esparramadas pelo mundo, em geral, e presentes, particularmente, nos países ricos – Alemanha, Itália, Estados Unidos, Canadá etc). A literatura que dá conta deste intercambio é imensa.
Mas também foi justamente este compromisso com os pobres que despertou as principais oposições e perseguições a Teologia da Libertação. Neste ponto os teólogos da libertação, apesar de honrosas exceções, por falta de uma correta análise do momento histórico nacional, sucumbiram. Boa parte deles deixou a luta ao lado dos pobres para dedicar-se a consolidação de organizações por eles criadas.
Além do mais, há que se reconhecer que a atual reversão das prioridades pela qual passa a igreja católica se viabiliza, de um lado, porque a hierarquia, mesmo a brasileira que inicialmente apoio a Teologia da Libertação, hoje, consegue neutralizar os efeitos desta reflexão que tinha a pobreza como principal desafio religioso, econômico e político. E de outro lado porque ao neutralizar a Teologia da Libertação, os articuladores do atual discurso teológico oficial conseguiram se alinhar às expectativas espiritualizantes de um segmento dos católicos que não está nenhum pouco preocupado com o exercício da solidariedade como caminho para o conhecimento de Deus.
A famosa transformação econômica e política da sociedade entendida como exigência religiosa para a comunhão com Deus deixou de ser prioridade fazendo com que a ação política dos cristãos não tenha como meta a emancipação dos pobres mas sim a consolidação da igreja. Por esta razão, se pode dizer que apesar de ter sido muito importante para as gerações dos anos 60, a Teologia de Libertação – mesmo que ainda presente em alguns espaços – sem uma radical e atualizada volta à opção preferencial pelos pobres entrará para história como um movimento marginal que adormece esperando que as cinzas que escondem as brasas sejam assopradas.

Marcio Anatole de Sousa Romeiro é professor de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito da PUC-SP. É também tradutor de livros de Filosofia Política e Filosofia Social (Editora Paulus)

Fonte: historianet.com.br

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