Autor: Carlos Siqueira
A vida com seus desafios deixa-nos vez ou outra diante de derrotas inesperadas, vencer é maravilhoso mas o gosto amargo de ser superado é uma sensação substancial, muda a nossa química, meche com as nossas emoções.
Particularmente ninguém entra em nenhum projeto para perder, pois se assim for , espera-se mais um pouco para depois dar início ao processo, portanto a derrota acontece sem a nossa previsão, calculamos mal, confiamos mal, decidimos equivocadamente e por fim sofremos no vale dos derrotados. A apatia e o desânimo instalam-se nas mentes debilitadas e limitam o ser que sofre dentro da muralha da mediocridade, o aquém se torna à palavra de decisão, e o além se limita às épocas de glórias que o prisioneiro desmotivado fica a recordar.
A natureza humana é muito frágil e a hipocrisia ao falsear a realidade nos deixa ,cada vez mais, envolvidos com a amargura e a solidão.
Algumas pessoas conseguem superar as crises melhores que outras, talvez por temperamento, fé, maturidade, enfim , uns passam para a próxima etapa enquanto outros ficam em um estado de comiseração , mendigando a atenção e o amor dos outros e o pior de tudo , culpando a todos pelo infortúnio e estagnado em sua história.
Gostaria de lembrar a história de José , filho de Jacó, jovem traído pelos irmãos porque um dia ousou falar de um sonho que o impressionou profundamente. Entendo que os sonhos de alguns ofuscam a visão de outros, principalmente quando estes sonhos potencializam relacionamentos tidos como invejáveis; o jogo do poder e influência domina uma rede de intrigas onde a dita fofoca prolifera palavras malditas contra aquele que impotente , apenas espera o juízo e a condenação.
Quero potencializar a cisterna sem água, onde José foi jogado antes de ser vendido para a caravana que ia para o Egito. Lugar ermo, esquisito, vazio e escuro, talvez casa de alguns animais peçonhentos, lugar de desilusão pois tudo que se espera de uma cisterna é que esteja cheia de água e quando vazia é sinônimo de frustração.
Imagino José ali dentro, sentindo o ultraje violento dos irmãos, a decepção com aqueles que ele pensava ser um, pessoas que eram não só da sua raça mais também do seu sangue, a realidade de uma família destituída de relacionamentos. José podia até ser irmão mais foi jogado no poço porque não era um com os outros, a tolerância com José ocorria apenas nos limites do pai, quando encontrado só, sem a proteção paterna, foi colocado onde seus irmãos sempre quiseram que ele estivesse: abaixo deles.
O preço de José significava que ele era descartável , sem importância, rejeitado e destituído da sua identidade , retiraram o seu nome da história, decidiram o seu destino como errante, junto àqueles que para eles era uma nação sem Deus.
A cisterna limitou a geografia, mas em momento algum José deixou de ser ele mesmo, pois o texto não relata que ele se indignou ou lutou, mas que aceitou o juízo dos irmãos e seguiu o seu destino. Aceitar as injustiças não significa desistir dos nossos sonhos, pois a realidade que limita , não pode podar a capacidade de sonhar, a cisterna foi apenas um fato isolado na vida de José, pois a mesma mão que o colocou , o tirou projetando-o a um novo horizonte com sonhos novos, que o relato bíblico nos mostra adiante, coroado de êxito.
Sonhar é e sempre será a diferença entre os vencedores e perdedores, pois não existe realidade que não tenha nascido de um sonho. Aprendemos com José que nem todos que nos tiram do poço possuem a motivação correta, nem todos que nos presenteiam com viagens querem o nosso retorno, nem todos que nos são familiares nos tem como família, mas um fato é inquestionável: apesar de tudo e de todos nós não deixamos de ser aquilo que somos para nos tornar aquilo que eles projetaram para nós, muito pelo contrário, tornamo-nos seres trabalhados pela experiência de superar-se a si mesmo.
José venceu e posteriormente deu uma lição de maturidade , ao perdoar seus irmãos, muito embora em suas mediocridades , não perceberam que os planos de Deus na vida de José previa que ele iniciasse na cisterna: a percepção que das trevas sempre brilhará a luz, da crise sempre despontará as superações, da nudez surge uma nova vestimenta ,da solidão que não redunda em isolamento o encontro com Deus.
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