Autor: Daniel Costa
Dias atrás alguém me pediu para escrever sobre relacionamentos. De imediato, no ímpeto do meu coração pensei: vou escrever sobre nós dois! Mas logo me veio a crise, lugar comum daqueles, cuja mente inquieta, não se contenta com as propostas simples. Mas de que “nós dois” estarei falando? São tantas as possibilidades. Existe em todos os nossos relacionamentos uma noção de exclusividade de pessoa para pessoa. Ou seja, todos possuímos um outro que nos provoca, distingue e define, então estamos sempre envolvidos, como processo de construção de nossa própria identidade, numa esfera de nós dois.
“Nós dois” pode ser entendido como a relação pais e filhos. Esse lugar onde a nossa identidade se define na linguagem desenvolvida na paternidade, na forma como vemos os filhos crescerem e eles nos vêem envelhecer. Na delicadeza da cumplicidade, respeito, confiança e amizade que brota de dentro desse relacionamento. Mas esse “nós dois” pode ser ainda a exclusividade da relação com cada filho, como por exemplo, a relação pai e filha. A paternidade desenvolvida com as filhas não é a mesma que acontece entre pais e filhos. Primeiro, porque ninguém é pai e mãe igual de todos os filhos, porque cada filho possui a sua própria personalidade, independência e forma de reagir à vida. Segundo, porque o universo feminino será sempre diferente do masculino. Saber respeitar as diferenças é o desafio do amor na paternidade. E como pai de filha, aprender a admirar a delicadeza, a doçura da mulher que se desenvolve em nossas filhas, sem torná-las demasiadamente protegidas a ponto de transformá-las em inseguras e, nem, deixá-las sozinhas a ponto de perderem a face feminina. Mas essas diferenças não estão relacionadas somente ao gênero e personalidade de nossos filhos, mas, também, ao tempo. Somos pais e filhos diferentes em cada tempo da vida e, viver cada tempo a seu tempo é importante nos relacionamentos. Hoje não sou mais criança, não procuro meu pai porque tenho medo da noite e mesmo que a vida às vezes ainda me assuste, somos dois adultos. Procuro-o pela afetividade que me é necessária como referência de minha própria origem e como dois homens que somos, mas ainda pai e filho. É assim que nos encontramos para falar da vida.
“Nós dois” pode ser ainda a forma como lidamos com os agregados das nossas relações afetivas, com aqueles que mesmo não sendo parte integrante das relações consangüíneas e nem direta escolha da nossa afetividade, são no entanto, ligados a nossa história como amigos daqueles a quem amamos. Essa é uma dimensão dos nossos relacionamentos bastante inquietante e poderosa, com poder de nos revelar ou nos transformar como indivíduos. Isso porque, em cada um desses encontros possíveis seremos sempre o outro da relação. Calma, deixe-me dar um exemplo: Meus filhos têm amigos e nessa relação de amizade dos meus filhos eu sou o outro, não faço parte do núcleo e não estou no centro afetivo daquela relação. É preciso ceder espaço, aprender que nem sempre precisamos ser o foco central das atenções para ser importante para o outro. Aceitar que nossos amigos, pais, filhos, amantes tenham outras pessoas importantes em suas vidas sem nos sentirmos menores ou preteridos, é a forma saudável de construirmos a relação entre nós dois. Nos relacionamentos não cabe a pergunta pelo lugar de importância que ocupamos no coração do outro, porque isso será sempre manifestação de obsessão e doença. Mas qual é o nosso papel? No amor o que importa são as qualidades. E as diferentes qualidades do amor estarão presentes, pela eficiência ou deficiência, em cada ato do amor dentro do papel que oferecemos para cada pessoa nas nossas relações.
Mas sobre tudo ”nós dois” certamente é a percepção mais delicada, misteriosa e frágil de encontro em duas pessoas: O amor entre um homem e uma mulher, sempre eterno enquanto dure. Viver e amar é sempre um risco, por isso, é preciso coragem para se entregar a ambos. O amor acontece quando por milagre duas pessoas se vêem e se diferenciam, nunca mais serão comum uma a outra. E quando se encontra esse alguém, encontra-se mais do que cumplicidade, completude, porque todo amor é ímpeto e vontade, e trás consigo entusiasmo, paixão, felicidade e satisfação. Ou seja, o amor é poder que impulsiona a vida, que nos faz sentir-nos vivos. Mesmo que nesse amor não seja possível, não haja condições para o encontro, que ele seja querer sem nunca se ter concretamente, vale a pena amar. Todo amor tem o poder de nos tornar mais ternos, sensíveis, humano e dócil, de nos transformar, porque agrega-nos valores que estão naquele que amamos. Isso porque o outro vive em nós mesmo que nunca o tenhamos tido de verdade, pois no momento em que se está amando o cumprimento do desejo do encontro é antecipado e a felicidade desse encontro é experimentada na imaginação.
Como se viu, existem muitas possibilidades de se compreender esse tema de “nós dois” da forma como nos expressamos e nos construímos como pessoas. Por isso, como disse Frejat, mesmo que num outro sentido, mas que cabe muito bem aqui: “Sobre nós dois ninguém via saber de tudo”. Então, tudo que podemos é provocar reflexão. Porém, se sempre existirá em nossa vida uma esfera de “nós dois”, precisamos viver sobre a máxima cristã: “Amai-vos, de coração, uns aos outros, ardentemente” (I Pe 1:22). O amor é uma obrigação e deve ser vontade exercida, um sentimento devido em todas as nossas relações.
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