Sobre apologetas e apolo-jecas

Pensando e lendo algumas coisas pela internet nos últimos dias, percebi que, além dos neo-apologetas, existem também os “apolo-jecas”. Neo-apologetas são aqueles que ainda pretendem, pelas vias do método teológico moderno, altamente sustentado na argumentação e na objetividade, “defender” Deus. Os apolo-jecas (desculpem a brincadeira), por sua vez, podem ser os fieis seguidores dos apologetas, que batem palma pra tudo o que eles dizem e defendem suas ideias com unhas e dentes. Não estão abertos para o diálogo, pois se recusam a pensar além daquilo que emana “do interior” do discurso já amplamente aceito, discutido (pela liga da justiça apologética), comprovado e aprovado por sua alta ciência teológica e pela cúpula eclesiojeca. Para eles, qualquer coisa que fuja à pretensa argumentação objetiva, da qual tanto se orgulham, acaba soando como tergiversação – pois não vai direto ao ponto, não atinge a questão, portanto, não está de acordo com “a verdade”. Afinal, só existe uma maneira de pensar e fazer ciência válida: a deles.

O modo apologético sustenta-se sob a pretensão não apenas de “falar de Deus” (o que já seria um hercúleo desafio), mas de “falar por Deus”. Muitas vezes ainda cede ao que C. S. Lewis chamou de “oferta do bruxo”, ao trocar sua vocação (teológica) para ser a mais modesta dentre as ciências, pelo conhecimento como poder: para legislar, dominar e condenar. Lutou contra seu próprio princípio de sustentação, de que a força de seu discurso e vida reside precisamente em sua fraqueza. Tantas vezes tem cedido à tentação de não questionar seus próprios pressupostos, lidar mal com os questionamentos alheios e, se isso não bastasse, de decretar como “herege”, “liberal” ou coisa que o valha quem ousa os questionar.

Um jeito “não jeca” de ser apologeta (se é que é possível continuar sendo assim chamado, caso isso aconteça) talvez seja o de deixar de lado essa faceta unívoca (que só tem e só admite “uma voz”), e aceitar a pluralidade, a plurivocidade e a diferença, não para baratear ou negar convicções, mas para enriquecê-las, colocando-as em seu devido lugar, como mais um discurso possível entre outros. Parafraseando o que disse Barth, a teologia só pode ser um discurso possível porque Deus disse “Sim”, e não porque alguém sacramentou e popularizou a fórmula do “é assim e pronto”.

Ademais, esse apego ferrenho ao poder do argumento que convence, em nosso tempo, não convence mais que o poder da vivência. Lembrando do que disse Lewis em A abolição do homem: “Numa batalha, não são os silogismos que vão manter os relutantes nervos e músculos em seus postos na terceira hora de bombardeio. O mais rude sentimentalismo… em relação a uma bandeira, país ou regimento será bem mais útil” (p. 22). Enfim, para Lewis, além de “cerebrais” (racionais) e “viscerais” (passionais), precisamos de “homens de peito” (íntegros, magnânimos na atitude, no sentimento), pois “o peito” é o elemento intermediário que transforma o homem em homem, enquanto, “pelo intelecto ele é apenas espírito, e pelo seu apetite ele é apenas animal” (p. 23).

O que tudo isso me leva a pensar? As “ideias boas” e bem articuladas, em si, podem convencer, mas não transformam, não geram “homens de peito”, na acepção de Lewis, no máximo, homens que, para fins mais “sublimes”, correm o risco de ignorar a parte do meio, pois, como reitera Lewis (ora se referindo a certos racionalistas de sua época), “não é o excesso de pensamento que os caracteriza, mas uma carência de emoções férteis e generosas. Suas cabeças não são maiores que as comuns: é a atrofia do peito logo abaixo que faz com que pareçam assim” (p. 23). Exemplos de vida, por sua vez, atrelados a ideias boas, bem articuladas e bem fundamentadas, convencem e transformam. Jesus é o maior exemplo de que as palavras não são tão convincentes quando ou se descoladas da vida. Ou como se diz por aí, palavras convencem, exemplos arrastam… Talvez aí esteja um mote para pensarmos num discipulado pós-moderno.

Jonathan Menezes
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