Singularidade de Jesus Cristo

Autor: Autor Desconhecido

Boletim de Estudos e Informações (BEI)
IV Série – Nº 1 – Janeiro, Fevereiro, Março de 2002
Colóquio interconfessional de Coimbra

“Singularidade de Jesus Cristo” foi o tema escolhido para um encontro interconfessional que reuniu mais de três centenas de cristãos de diversas igrejas, no sábado 10 de Novembro do ano findo, no novo auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O colóquio foi organizado em conjunto pela Igreja Católica, a Aliança Evangélica Portuguesa e o Conselho Português de Igrejas Cristãs, e o tema desenvolvido por três oradores, em representação de cada uma destas três entidades.
O encontro veio no seguimento de outros que se têm realizado desde 1994, com apoio oficial das autoridades das Igrejas envolvidas. Assim, pela Igreja Católica estavam presentes o Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, e os Bispos D. Albino Cleto, de Coimbra, D. António Vitalino, de Beja, e D. António Taipa, auxiliar do Porto, bem como o Padre Rocha Felício, todos da Comissão para a Doutrina da Fé da Conferência Episcopal Portuguesa. Estavam ainda presentes o Bispo D. Fernando Luz Soares, da Igreja Lusitana; o Bispo Emérito da Igreja Metodista, Rev. Ireneu da Silva Cunha, também na sua qualidade de Presidente do COPIC, e o Bispo recentemente consagrado para a direcção da mesma Igreja, Rev. José Sifredo Teixeira; o Presidente da Igreja Presbiteriana, Pastor José Manuel Leite, e outros pastores da mesma Igreja; o anterior e o actual presidentes da Aliança Evangélica Portuguesa, respectivamente o Juiz-Conselheiro Dr. José Dias Bravo e o Pastor Moisés Gomes; e vários pastores Baptistas e de outras Igrejas integrantes da Aliança Evangélica Portuguesa. Pode dizer-se, sem exagero, que pela primeira vez se realizou entre nós um colóquio com uma representatividade tão abrangente das várias correntes confessionais do Cristianismo, e com tão numerosa participação de crentes das suas comunidades locais.
O Pastor Manuel Alexandre Júnior, que é Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e director do Seminário Baptista de Queluz, falou aqui na sua qualidade de responsável pela assessoria teológica da Aliança Evangélica Portuguesa. Orientou a sua intervenção para o debate teológico desenvolvido em torno de uma distinção entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, tese que ocupou numerosos investigadores ao longo do séc. XX. Citou também as afirmações mais recentes do grupo designado por Jesus Seminar. Mas criticou estas propostas, reafirmando a sua confiança nos Evangelhos e concluindo: “É a fé antiga que tem futuro e não a fé desgastada pelas inúmeras transfigurações que os avanços e recuos ideológicos da nossa história determinaram. E esta fé antiga é, numa só palavra, Cristo.”
Disse ainda:  “O Jesus histórico e o Cristo da fé são uma e a mesma pessoa. Importa desmascarar o mito ideológico da sua separação, o mito que a suposta investigação moderna reinventou. Sim, Jesus Cristo é o nosso único Senhor, Salvador e Mediador, como também é o supremo exemplo das nossas vidas. É necessário que todos reconheçam que Jesus Cristo é Senhor, e que é por Ele que passa a redenção do universo, incluindo todas as estruturas da existência.”
A questão actualíssima da relação desta singularidade de Jesus Cristo com as propostas das demais religiões interessou os outros dois intervenientes, que representavam o Conselho Português de Igrejas Cristãs e a Igreja Católica Romana. O Pastor Manuel Pedro Cardoso, da Igreja Presbiteriana (IEPP), Reitor do Seminário Evangélico de Teologia, embora reafirmando a centralidade da fé em Cristo, interrogou-se sobre o facto de esta “singularidade ou unicidade de Jesus Cristo” poder ser interpretada por milhões de pessoas “como uma arrogância inaceitável.” E sublinhou, como uma resposta possível para o problema,  “(…) aquela que consiste em distinguir a revelação cristã das religiões. A religião, nessa perspectiva, é o esforço do homem para encontrar Deus, e a revelação cristã, que não é vista como uma religião, é Deus vindo ao encontro do homem. Mas aqui pode ser lembrado um dito famoso de Pascal:  ‘Tu não procurarias Deus se O não tivesses já encontrado’.  Ou seja, a religião é expressão do esforço do homem para responder ao apelo que em si sente vindo de Deus. Não se deduz daí que tudo nessa tentativa de resposta do homem seja correcto, mas reconhece-se que não é legítimo diabolizar tudo o que o homem cria nessa resposta. Também não se pode afirmar que não haja na fé cristã expressões da religião. De resto, se lermos na Epístola aos Romanos o que é dito da religião dos gentios, ver-se-á que São Paulo reconhecia a possibilidade de algum conhecimento de Deus fora da revelação. É o que se chama a teologia natural.”
Afirmou ainda o Pastor Manuel Cardoso:  “Quando a Bíblia nos diz que o cristão está a participar da mente de Cristo, a crescer intelectualmente, espiritualmente, até chegar à estatura do homem perfeito, que é Cristo (Efésios 4,13), está a dizer-nos que a nossa justiça não pode ser igual, muito menos inferior, à dos homens de antes da revelação cristã (Mateus 5,20); o nosso modo de estar no mundo não pode ser outro senão tendencialmente o do próprio Jesus Cristo. E em Cristo não encontramos o mínimo indício de atitude violenta ou mesmo de arrogante repúdio das religiões dos gentios. Não se pode partir da proclamação da unicidade de Cristo para qualquer cruzada para impor o Nome de Jesus Cristo seja a quem for.”  E o seu texto conclui:  “Não direi que a solução do problema das relações entre o Cristianismo e as outras religiões fica, com isso, solucionado, mas parece que perde o seu dramatismo se os cristãos, as Igrejas, o ultrapassarem com esta palavra do Senhor: ‘Segue-me tu!’”
O Prof. Dr. Jacinto Farias, da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, abordou este problema logo no início do seu trabalho, admitindo que a proclamação desta “unicidade e exclusividade de Jesus Cristo” não está ausente de dificuldades, podendo mesmo parecer, aos ouvidos dos não cristãos, “como uma desmesurada pretensão e arrogância.” Sublinhou a importância e actualidade da teologia dialéctica, citando nomeadamente dois destacados teólogos protestantes do séc. XX, Karl Barth e Dietrich Bonhoeffer. Sobre a complexidade do tempo presente, o autor reconheceu que  “as diversas confissões cristãs vivem actualmente uma profunda crise de desertificação interior, uma espécie de desarmamento moral, que as fragiliza perante as investidas das novas ideologias pan genéricas ou ecologistas e os novos paradigmas culturais e as propostas pós-modernas de uma nova ordem mundial”  –  que seriam, no seu conjunto, “um programa de revolução cultural de retorno ao paganismo”, tão grave para o cristianismo actual como foi a gnose ariana no séc. IV.
A concluir, definiu a lógica do Reino anunciado por Jesus como “paradoxo e sinal de contradição”, decorrendo daqui que “ser cristão é essencialmente ser discípulo”; e afirmou que a necessária proclamação da unicidade de Cristo tem de ser, para o crente, “uma provocação, um choque, uma profunda inquietação”  –  finalmente “uma provocatória interpelação à conversão, segundo a palavra do Senhor: ‘O tempo chegou ao seu termo: convertei-vos e acreditai no Evangelho’ (Mc 1,15).”
Após a exposição das três conferências, seguiu-se um período de debate, em que vários dos presentes puderam colocar, aos oradores, as suas questões e os seus pedidos de esclarecimento. Foi também elaborada uma proposta de texto conclusivo, que a assembleia aprovou por aclamação e se transcreve noutro local desta página.
O colóquio encerrou com um momento devocional, em que se procurou traduzir numa oração comum, de louvor e intercessão, o sentido e a atitude dos participantes neste encontro interconfessional. O mesmo foi expresso na forma de um cântico que dizia:  “Em Cristo todos nos damos as mãos / E somos irmãs, e somos irmãos!”

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