Simplesmente amigos

Autor: Daniel Costa

João 15: 13 – 16

Nesta última terça-feira, comemorou-se o Dia do Amigo. Todos os que freqüentam as nossas reuniões, principalmente as de segunda-feira à noite, conhecem bem Marcelo, um rapaz especial que está sempre presente. Marcelo não pode me ver chegar que logo começa a acenar e se perceber que vou simplesmente assistir o culto, fica inquieto até levantar-se e sentar ao meu lado. Às vezes passa o resto do tempo me olhando, buscando não sei o que? Curioso, não sei com o que? Num desses sábados atrás estive aqui falando para um grupo de jovens. Marcelo estava presente e logo que me viu, levantou-se, sentou ao meu lado, passou a mão sobre os meus ombros, me olhou e disse: Pastor Daniel, você é meu amigo!
Quem não precisa de amigo? Todo mundo precisa de uma amizade sincera, mas paradoxalmente este é um tempo de muito poucos amigos. Há muita gente vivendo sozinha neste dias, apesar de estar cercada de pessoas. Temos relações de coleguismos, mas não temos amizade; temos gente para fazermos atividades juntos, mas não para confiar e abrir o coração. Nem mesmo na família pode-se dizer que as coisas são diferentes, pois o que vemos são pais distantes, casais que são verdadeiros desconhecidos um ao outro, filhos cheios de segredos e aprendendo sozinhos. O que aconteceu com a nossa geração? Por que não sabemos mais construir e nos darmos em amizade?

1 – Porque vivemos em uma sociedade utilitarista. Somos uma sociedade marcada pelo consumo: consumimos gente e coisas. Por isso, este é um tempo em que as pessoas aproximam-se umas das outras por interesse, pelo ganho pessoal. Mas quando a percepção que temos do outro é utilitária, as descartamos quando achamos que já não servem mais aos nossos interesses ou nos sentimos saciados em relação ao desejo que nutríamos por elas. Ser amigo é não usar o outro, é não ver pessoas como objeto, é amar desinteressadamente. Perdemos por completo nas nossas relações esta dimensão apresentada por Jesus, de que amizade é aprender se dar por alguém e não se preocupar em ganhar nada em troca: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos.” (verso 13).

2 – Porque não temos transparência nas nossas relações. Uma outra característica desastrosa destes nossos dias é essa falta de transparência ou autenticidade nas pessoas. Ensinaram-nos que para amar alguém precisamos agradá-la, nos comportarmos de acordo com as expectativas dela. O problema é que nesse tipo de relação nunca nos mostraremos por inteiro, estaremos sempre camuflados, escondendo algo do outro ou de si mesmos; construindo relações que guardam segredos. Mas onde não existe a liberdade de nos mostramos, a confiança de sermos quem somos e a coragem de vivermos abertamente, não há amizade. Por isso Jesus diz aos seus discípulos: “ Já não chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer.” (verso 15).

3 – Porque não sabemos nos dar em companheirismo e intimidade. A marca desses nossos tempos são pessoas cada vez mais trancadas em si mesmas. Temos medo da intimidade por isso vivemos sozinhos. Não pode existir uma relação de amizade se não estamos dispostos a construirmos um caminho juntos, porque amizade pressupõe o compromisso de fazer parte da vida do outro e se dar em intimidade. Por isso Jesus afirma: “Não foste vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vos outros…” (verso 16). Amizade se inicia nesta escolha, nesta eleição de alguém para fazer parte de nossas vidas e a partir daí construirmos uma história juntos, partilhamos a nossa vida e intimidade com alguém.

4 – Porque somos egoístas demais, não temos sonhos e expectativas para com a vida do outro. O nosso tempo é marcado por pessoas individualistas, que só pensam em si mesmas, que só têm projetos para si próprios. Pessoas egoístas não podem se dar em amizade. Amizade é torcer pelo outro, é desejar que o outro cresça e oferecer mecanismos de si mesmo para que o outro de frutos. Não existe amizade sincera onde somente um se desenvolve na relação, onde somente um amadurece. Jesus pode se dizer amigo dos seus discípulos porque nutriu a respeito deles expectativas e sonhos: “E vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça…” (verso 16). E nessa relação de torce pelo outro que acabamos também por receber amor e alegria na vida.

Que estranho esses nossos dias. Somos filhos de uma geração triste e doente porque não sabe construir amizade. Eu estou convicto de que muitas das doenças emocionais, das angústias da alma, dos erros nas decisões, dos choros, depressões que experimentamos em nossos dias não existiriam se tivéssemos um amigo em quem confiar e partilhar. Há um tempo atrás, conversando com uma amiga terapeuta, que admiro muito, sobre a importância da amizade como resposta à solidão de nosso mundo, ela me fez uma afirmação profunda: “As boas novas do reino é o poder curador da amizade, porque tirando a relação de amizade, talvez somente a relação sexual entre duas pessoas que se amam, as Escrituras ofereça igual poder de troca e interação entre duas pessoas.” Eu tenho aprendido, nestes últimos tempos, como nunca aprendi antes, o poder do amor de ser simplesmente amigo, como uma das formas mais sublimes de guardar uma pessoa no coração.

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